segunda-feira, 30 de março de 2009

Bibiyahu & Co.*

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por Uri Avnery

Governo de Biberman (Bibi Netanyahu e Avigdor Liberman), em Israel? Ou, talvez, de Bibarak (Bibi e Ehud Barak)?

Nem um, nem outro. É o governo de Bibiyahu.

Binyamin Netanyahu provou que é político consumado. Realizou o sonho de todos os políticos (e de quem gosta de teatro): arranjou um bom lugar no meio da fileira, no meio da plateia. Em seu novo governo, pode disparar os fascistas da direita contra os socialistas da esquerda, os secularistas de Liberman contra os ortodoxos do Shas. A situação ideal.

A coalizão é ampla o bastante para ser imune à chantagem de qualquer dos partidos que a compõem. Se alguém do partido Labor quebrar a disciplina da coalizão, ainda assim Netanyahu continuará comandando a maioria. Ou se os direitistas criarem problemas. Ou se os ortodoxos tentarem apunhalá-lo pelas costas.

Esse governo é comprometido com nada. As "Normas Básicas" escritas – documento firmado por todos os que componham qualquer nova coalizão de governo em Israel – são completamente nebulosas. (De qualquer modo, "Normas Básicas" não servem para nada. Todos os governos israelenses sempre fizeram diferente, num piscar de olhos, do que determinavam as Normas Básicas. Normas Básicas são cheques sem fundos.)

Netanyahu comprou barato tudo isso – em troca de uns poucos bilhões de promessas econômicas que nunca pensou em cumprir. O Tesouro está vazio. Como disse um de seus antecessores no cargo de Primeiro-ministro, Levy Eshkol: "Prometi. Mas não prometi que cumpriria as promessas.”

Também distribuiu ministérios a mancheias. Esse pequeno país terá 27 ministros e seis ministros-deputados. E daí? Se fosse necessário, Netanyahu daria um ministério a cada um dos 74 membros da coalizão.

O PINÁCULO do sucesso foi ter trazido o partido Labor para o governo.
Num só golpe, transformou um governo de fascínoras, que o mundo veria como bando de doidos ultra nacionalistas, racistas e fascistas, em equilibrado governo de centro. Isso, sem alterar uma linha, no caráter do governo.

O mais ardente apoiador desse feito monumental é Liberman, novo ministro de Negócios Estrangeiros de Israel. Liberman é racista extremista, é irmão de opa do francês Jean-Marie Le Pen e do austríaco Joerg Haider (espero que ambos, vivo e morto, não se sintam insultados), e esperava angustiado o que viria e veio. Em imaginação, Liberman anteviu-se estendendo a mão a Hillary Clinton, para ser deixado de mão abanando. Curvado para beijar Angela Merkel, vê-la afastar o rosto, horrorizada. Péssimo.

Conquistar o partido Labor para a coalizão, resolveu todos esses problemas. Se os social-democratas estão com o governo… passa a ser nonsense denunciar fascismos. Obviamente, Liberman é incompreendido. Não foi analisado com isenção. Não é fascista, Deus nos livre. Não é racista. É apenas um demagogo de direita à moda antiga, que explora as emoções primitivas das massas para angariar votos. E que político eleito pode criticar gente assim?

De fato, todo o governo recebeu, assinado por Ehud Barak, o certificado de governo kosherNT – mantendo a velha tradição do partido Labor, de prostituição política.

Em 1977, Moshe Dayan aceitou participar do governo de Menachem Begin e garantiu-lhe também o certificado kosher, quando o mundo inteiro via Begin como perigoso aventureiro nacionalista. Em 2001, Shimon Peres aceitou participar do governo de Ariel Sharon e garantiu-lhe o certificado kosher, quando Sharon era denunciado em todo o planeta como responsável pelo massacre de Sabra e Shatila.

POR QUE Barak fez o que fez? E por que teve o apoio da maioria do partido Labor?
O Labor é partido governista. Jamais foi outra coisa. Já em 1933, o Labor encampou o movimento sionista e desde então controla o Yishuv (a comunidade iniciada antes de 1948, dos judeus na Palestina) e o Estado, sem interrupção, até que Begin subiu ao poder em 1977. Por 44 anos consecutivos, o Labor controlou completamente a economia, o exército, os serviços de segurança, o sistema educacional, o sistema de saúde e a Histadrut, a então todo-poderosa federação do trabalho.

O poder está gravado no DNA do partido Labor de Israel. É muito mais que questão política. – O poder está no caráter, na mentalidade, na visão de mundo do Labor. O partido não sabe ser oposição. Não sabe o que é oposição e menos ainda sabe o que fazer, na oposição.

Observei os membros do Labor no Parlamento, durante os curtos períodos em que estiveram na oposição. Andavam pelos cantos, deprimidos, com ar de luto. Dúzias deles andavam sem rumo pelos corredores, como fantasmas, como almas penadas. Quando subiam à tribuna, discursavam como se fossem governo.

O partido Likud padece da síndrome oposta. Seus ancestrais já estavam na oposição nos tempos do Yishuv e dos primeiros 29 anos do Estado. A oposição está no sangue dos Likudniks. Mesmo hoje, depois de tantos anos de governo (com interrupções), ainda se comportam como oposição. São os eternos perseguidos, os eternos discriminados, infelizes e amargos, sofrem por serem excluídos dos festins, sempre cheios de ódio e inveja.

Ehud Barak é a personificação da síndrome de que padece o seu partido. É autor-credor de tudo. O poder deve-lhe tudo. Não haveria poder, sem ele. O ministério da Defesa deve-lhe tudo. Não me surpreenderei se Barak tiver tentado incluir, no acordo assinado pela nova coalizão de governo, um item pelo qual seria nomeado ministro vitalício da Defesa (e Shalom Simchon, sombra de Barak, nomeado ministro vitalício da Agricultura). Governos vão e vem, e Ehud Barak tem de ser sempre ministro da Defesa – seja governo de direita, de esquerda, fascista, comunista, ateísta ou teocrático. Não importa o quanto seja ministro incompetente – avaliado por Barak, Barak é perfeito.

Então… O que fará o novo governo de Israel? O que pode fazer?

No que tenha a ver com o que importa, a unanimidade é completa. Liberman, Netanyahu, Barak, Ellie Yishai do partido Shas e Danny Hershkovitz do partido "Lar Judeu" concordam completamente quanto a o que fazer dos palestinos.

Todos concordam que é preciso evitar a criação de um verdadeiro Estado palestino. Todos concordam com não conversar com o Hamás. Todos apoiam a empreitada da ocupação e da colonização. Durante o mandato de Barak como primeiro-ministro, as colônias cresceram mais depressa do que durante o mandato de Netanyahu. Liberman, ele mesmo, é colono. O partido de Hershkovitz representa os colonos judeus. Todos acreditam que a paz é desnecessária. Que a paz não interessa a Israel. (Afinal, foi Barak, não Netanyahu nem Liberman, quem inventou a frase "Não temos parceiros para a paz.")

Então… qual é o verdadeiro programa desse governo?

Em três palavras: Mascarar o sionismo. Mascarar o discurso da pátria-mãe.

MAS, no meio do caminho escolhido por esse governo há uma enorme pedra: os EUA.
Ao mesmo tempo em que Israel deu um salto para a direita, os EUA deram um salto em direção oposta. Difícil imaginar contraste maior do que o que há entre Binyamin Netanyahu e Barack Obama. Ou entre os dois Bara(c)ks – Barack Obama e Ehud Barak.

Netanyahu sabe desse problema – e sabe mais que qualquer outro político israelense. Foi criado nos EUA, depois que seu pai, professor de história em Jerusalém, foi expulso da universidade em que lecionava, por motivos políticos – por extremismo de direita – e mudou-se para os EUA. Binyamin cursou todo o curso secundário e a universidade nos EUA. Fala inglês fluente de caixeiro viajante.

Se há tema que unifica praticamente todos os israelenses, da direita à esquerda, é a convicção de que o relacionamento entre Israel e os EUA é fator determinante, crítico, para a segurança do Estado.

Portanto, a principal preocupação de Netanyahu é evitar qualquer grave arranhão nas relações entre os dois países.

Barak tinha de ser parte do governo, exatamente para evitar esse tipo de perigo. Netanyahu quer visitar a Casa Branca com Barak, não com Liberman, ao seu lado.
Mas o confronto parece inevitável. Obama quer construir uma nova ordem no Oriente Médio. Sabe que o conflito Israel-Palestina envenena a atmosfera, contra os EUA, não só no mundo árabe, mas em todo o mundo muçulmano. Obama quer resolver o conflito – exatamente o que Netanyahu e seus sócios querem evitar a qualquer preço… exceto se custar qualquer tipo de dificuldade no relacionamento com os EUA.

Como fazer?

A solução está ensinada na Bíblia (Provérbios 24:6): “Pois com artimanhas farás tua guerra.”
(Na versão do rei James, a palavra hebraica Takhbulot é traduzida como "conselho sábio". No hebraico moderno, significa, artimanha, truque, esperteza – assim interpretada por todos os falantes do hebraico contemporâneo.NT)

DESDE o início do sionismo, seus líderes sabiam que suas idéias sempre teriam de vir encobertas por muitas máscaras, instrumentos de fazer-crer. É absolutamente impossível ocupar um território habitado, sem mascarar o objetivo de ocupação, sem distrair a atenção, sem ocultar todos os atos e movimentos sob um manto de belas palavras.

Todos os Estados sempre mentem, é claro. Há 400 anos, um diplomata inglês, Sir Henry Wotton, observou: “Embaixador é um homem honesto, mandado mentir no exterior para o bem de seu país.” Dadas as circunstâncias especialíssimas de sua empreitada, os sionistas sempre tiveram de mentir ainda mais do que outros Estados.

Hoje, se trata de apresentar ao mundo, especialmente aos EUA e à Europa, um quadro falso, uma fotografia adulterada, na qual o novo governo de Israel aparece como se desejasse a paz, como se agisse com vistas à paz, de fato como se estivesse movendo céus e terra para fazer a paz. Na vida real, faz exatamente o contrário. O mundo será afogado num dilúvio de declarações e promessas, acompanhado de muitos gestos absolutamente falsos, encenados, em conferências, cúpulas e reuniões.

Gente que sabe ouvir já observou que Netanyahu, Liberman e Barak já começaram a falar sobre a "Iniciativa Árabe de Paz". Falarão, discursarão, interpretarão, aceitarão tudo, em aparência. Ao mesmo tempo, inventarão "condicionantes" que esvaziarão qualquer paz, de qualquer conteúdo.
Aos olhos de Israel, a grande vantagem da iniciativa árabe de paz é que não partiu dos palestinos – portanto, não exige negociação com os palestinos. Como a falecida "Opção jordaniana" e outras assemelhadas, serve como perfeito substituto para um diálogo com os palestinos. A Liga Árabe reúne 22 governos, alguns dos quais cooperam, escondidos, com a liderança israelense. Israel pode confiar nessa 'articulação', porque é absolutamente garantido que jamais chegarão a qualquer solução prática exequível.

MAS ENGANAR, como dançar tango, exige dupla: um que engana, outro que deseje ser enganado.

Netanyahu acredita que Obama deseja ser enganado. Por que quererá briga com Israel? Por que confrontará o todo-poderoso lobby pró-Israel nos EUA… quando tem aí, à mão, a conversa macia de Netanyahu? Para não falar de Europa, dividida e atormentada pela culpa pelo Holocausto, e o patético Tony Blair, andando por aí, como alma sem paz.

Estará Obama interessado, como tantos dos seus antecessores, a fazer o papel de amante enganado?

O governo de Biberman/Bibarak/Bibiyahu em Israel apostou todas as suas fichas em que, sim, sim, um solene sim. Espero que recebam um solene NÃO.

* URI AVNERY, 28/3/2009, "Biberman & Co.", Gush Shalom [Grupo da Paz], em http://zope.gush-shalom.org/home/en/channels/avnery/1238277190/. Tradução de Caia Fittipaldi, autorizada pelo autor.
NT Sobre essa palavra, ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Produtos_Kosher
NT
Na tradução para o português do Brasil, da Editora Vozes, Petrópolis (1984), lê-se: "Pois com estratégia farás a guerra, e a vitória estará no grande número de conselheiros."

Fonte: Blog do Bourdoukan

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