segunda-feira, 30 de março de 2009

O lobby israelense fraqueja

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por John Mearsheimer*, 26/3/2009, London Review of Books, vol. 31, n.6

"Lentamente, os EUA começam a encontrar meios para discutir seriamente e livremente sobre Israel."

Muitos em Washington surpreenderam-se quando o governo Obama indicou Charles Freeman para presidir o Conselho Nacional de Inteligência, instituição que produz as "National Intelligence Estimates": Freeman é respeitado diplomata com 30 anos de carreira, e funcionário do Departamento de Defesa, mas várias vezes criticou publicamente a política de Israel e as relações especiais entre EUA e Israel; disse, por exemplo, em discurso em 2005, que "enquanto os EUA continuarem a oferecer subsídios e proteção política incondicionais a Israel, que possibilitam a ocupação da Palestina e as políticas de autodefesa que a ocupação gera, há pouca ou nenhuma razão para esperar que qualquer coisa semelhante ao processo de paz possa ser ressuscitado.”

Palavras como essas só muito raramente são ditas em público em Washington, e quem as diga praticamente se autocondena a jamais chegar a posições de alto nível dentro do governo. Mas o almirante Dennis Blair, o novo diretor da Inteligência Nacional, é grande admirador de Freeman: é o homem certo, pensou ele, para revitalizar a comunidade de inteligência, que foi excessivamente politizada nos anos Bush.

Previsivelmente alarmado, o lobby israelense disparou campanha violentíssima contra Freeman, apostando que Freeman renunciaria ou seria demitido por Obama. O primeiro tiro veio de um blog, postado por Steven Rosen, ex-funcionário do AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) que responde hoje a processo por ter passado material sigiloso a Israel. A fala de Freeman sobre o Oriente Médio, escreveu Rosen, "é a que se espera do ministro saudita de Relações Exteriores, com o qual Freeman mantém relacionamento muito próximo”.

Conhecidos jornalistas pró-Israel, como Jonathan Chait e Martin Peretz do New Republic, e Jeffrey Goldberg do Atlantic, rapidamente fizeram-lhe coro; e Freeman foi martelado em todos os jornais que defendem Israel, como a National Review, o Wall Street Journal e o Weekly Standard.

O pior, contudo, veio do Congresso, onde o AIPAC (que se autodenomina "Lobby norte-americano pró-Israel") tem enorme poder. Todos os Republicanos da Comissão de Inteligência do Senado puseram-se a atacar Freeman, além de senadores Democratas importantes, como Joseph Lieberman e Charles Schumer. "Várias vezes recomendei que a Casa Branca não o nomeasse" – disse Schumer – "e estou feliz por, afinal, o terem rejeitado". O mesmo se ouviu na Câmara de Deputados, onde os ataques foram comandados pelo Republicano Mark Kirk e pelo Democrata Steve Israel, que exigiu que Blair abrisse inquérito formal para investigar as finanças de Freeman. No fim, a líder da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, declarou que a indicação de Freeman seria "beyond the pale" [aproximadamente 'abaixo da crítica', impensável - NT].

Freeman poderia ter sobrevivido ao massacre se a Casa Branca o tivesse defendido. Mas a atitude de subserviência ao lobby israelense e o silêncio durante a Guerra de Gaza mostram que esse não é adversário que Obama esteja disposto a desafiar. Coerente consigo mesmo, Obama manteve-se mudo e Freeman teve de renunciar.

A partir de então, o lobby não faz outra coisa além de negar qualquer participação na renúncia de Freeman. E negou muito!

O porta-voz do AIPAC, Josh Block, disse que a organização "não tomou partido nesse assunto e não trabalhou para influenciar o Capitólio". O Washington Post, cuja página de editoriais é editada por Fred Hiatt, homem completamente comprometido com os interesses do lobby, publicou editorial em que diz que culpar o lobby israelense pela renúncia de Freeman "só interessa ao próprio Freeman e a outros teóricos do conspiracionismo como ele".

De fato, há abundante evidência de que o AIPAC e outros apoiadores linha-dura de Israel envolveram-se, sim, na campanha. Block admitiu que falou a jornalistas e blogueiros sobre Freeman e ofereceu-lhes informações, sempre sob compromisso de que os comentários seriam "em off" e não seriam atribuídos nem a ele nem ao AIPAC. Jonathan Chait, que antes de Freeman renunciar negara que Israel estivesse em discussão na controvérsia, depois da renúncia escreveu: "Claro que reconheço o poder do lobby israelense e sei que foi importante na luta contra Freeman; nem sempre é uma força positiva." Daniel Pipes, que dirige o Middle East Forum, onde Steven Rosen trabalha hoje, rapidamente distribuiu mensagem de e-mail em que elogia o papel de Rosen na degola de Freeman.

Dia 12/3, dia em que o Washington Post publicou editorial rejeitando a idéia de que o lobby tivesse participado na campanha contra Freeman, o jornal também publicou matéria de primeira página sobre o papel central que o lobby desempenhara no caso. E havia ainda um comentário, assinado pelo veterano jornalista David Broder, que abria com a seguinte frase: "O governo Obama acaba de sofrer derrota embaraçadora, infligida pelos mesmos lobbyistas que o presidente prometeu manter sob controle”.

Os que criticam Freeman têm repetido que suas opiniões sobre Israel não são o único problema. Dizem que Freeman teria laços muito próximos – inclusive, impróprios ou ilegais – com a Arábia Saudita, onde serviu como embaixador dos EUA. A acusação não prosperou, contudo, porque não apareceu qualquer prova. Os que apóiam Israel dizem também que Freeman teria feito comentários considerados pouco sensíveis sobre os acontecimentos da Praça Tiananmen e os protestos na China. Essa acusação, que seus aliados contestam, só apareceu porque os que criticavam Freeman, naquele momento, procuravam qualquer argumento.

Por que o lobby está tão preocupado com indicação para cargo importante, mas que não é cargo de decisão e liderança?

Uma das razões é a seguinte: Freeman ficaria responsável pela elaboração das "National Intelligence Estimates". Israel e seus apoiadores norte-americanos sentiram-se ultrajados quando o National Intelligence Council concluiu, em novembro de 2007, que o Iran não estava construindo armas nucleares. E trabalharam incansavelmente para desqualificar aquele relatório. O lobby deseja garantir que, no próximo documento sobre as capacidades nucleares do Iran, as conclusões sejam o exato contrário dessas – o que dificilmente aconteceria sob comando de Freeman. Melhor pôr no comando do show alguém que o AIPAC aprove (ou controle).

Razão ainda mais importante para que o lobby tenha demitido Freeman é a evidência de que a atual política dos EUA para Israel não parece muito firmemente favorável a Israel, aos olhos do lobby. Nessas circunstâncias, tornou-se imperativo silenciar ou marginalizar qualquer voz que critique o relacionamento privilegiado. Se Freeman não tivesse sido punido, outras vozes animar-se-iam e apareceriam para falar mais criticamente sobre Israel – e já há várias dessas vozes com bem-sucedidas carreiras em Washington. Fato é que, a partir do momento em que se comece a poder discutir livre e criticamente sobre Israel, então, sim, o relacionamento privilegiado estará ameaçado.

Um dos aspectos mais importantes do caso Freeman foi que a mídia hegemônica deu-lhe pouca importância. O New York Times, por exemplo, nada publicou sobre Freeman até o dia seguinte à renúncia. Ao mesmo tempo, houve combates furiosos relacionados à indicação de Freeman, na blogosfera.

Os que se opunham a Freeman usaram a internet com muito empenho. O primeiro tiro, de Rosen, aconteceu lá.

Mas, então, aconteceu algo que jamais aconteceria se só houvesse jornais e televisão: pela primeira vez o lobby pró-Israel enfrentou verdadeira oposição e oposição cerrada.

Uma barreira vigorosa, de blogueiros bem informados, muitos deles conceituados também nos meios acadêmicos, defendeu Freeman golpe a golpe, e provavelmente teria vencido o jogo, se o Congresso não tivesse boicotado o movimento.

Em resumo, pela primeira vez, a internet ofereceu condições para um debate sério, nos EUA, sobre questão que envolvia Israel.

Nunca antes na história deste país, o lobby teve tanto trabalho para manter sob total controle o New York Times e o Washington Post. O lobby sabe o que fazer para controlar os jornais. Mas tem poucos recursos para silenciar a crítica, na internet.

Sempre, no passado, quando as forças pró-Israel tiveram de enfrentar figura política destacada, o normal foi o atacado desistir e calar-se. Jimmy Carter, amaldiçoado pelo lobby depois de publicar seu livro Palestine: Peace Not Apartheid, foi o primeiro norte-americano de projeção nacional a fincar pé e resistir. O lobby não o silenciou – e não por falta de tentar.

Freeman segue nas pegadas de Carter, mas joga mais duro. Depois de renunciar, Freeman publicou carta aberta em que diz que "Há especial ironia em ter sido acusado de manifestar viés de opinião favorável a governos e sociedades estrangeiras, por um grupo tão claramente decidido a impor aos EUA que aceite as políticas de um governo estrangeiro – nesse caso, do governo de Israel." (A carta de Freeman pode ser lida, traduzida e na íntegra, no Blog do Azenha)

Essa frase notável ecoou por todo o planeta e foi lida por milhões. Isso não interessa ao lobby, que preferiria ter assassinado a indicação de Freeman sem deixar impressões digitais.

Freeman continuará a falar alto sobre Israel e o lobby, e talvez alguns de seus aliados naturais (também em Washington) unam suas vozes à voz dele. Lentamente, os EUA começam a encontrar meios para discutir seriamente e livremente sobre Israel.


*John Mearsheimer é professor de Ciência Política na Universidade de Chicago.


NT: É expressão intraduzível. Faz referência ao pale, espécie de cerca que marcaria os limites entre o território controlado pela civilização (na origem, a expressão faz referência aos ingleses) e o território controlado por pressupostos bárbaros (em vários momentos, os irlandeses, vistos do ponto de vista dos ingleses). Estar ou ir para "além do pale", para os ingleses, significaria dar as costas à proteção das instituições inglesas e ingressar em alguma espécie de terra de bárbaros. Sobre a expressão, ver http://encyclopedia.stateuniversity.com/pages/16629/Pale.html.

O artigo original, em inglês, pode ser lido aqui.

Fonte: Vi o Mundo

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