quarta-feira, 25 de março de 2009

MP 458: mais uma farsa no campo

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Escrito por Associação Brasileira de Reforma Agrária, no Correio da Cidadania

Como tem feito em várias ocasiões ao longo de sua existência, inclusive nos difíceis tempos da ditadura militar, a ABRA vem mais uma vez a público para denunciar a política agrária do governo federal.

O motivo da presente denúncia é a MP 458, assinada pelo presidente da república em 11 de fevereiro do presente ano e que trata da regularização de terras públicas na Amazônia Legal. São 67,4 milhões de hectares de terras arrecadadas e registradas em nome da União que serão entregues aos seus ocupantes.

Os aspectos principais da MP 458 são os seguintes:

- em seu artigo 2º, tenta igualar o grileiro ao posseiro. O posseiro tem pela Constituição Federal de 88 o direito à legitimação da posse, como informa o artigo 191. A grilagem é considerada crime;

- admite a chamada ocupação indireta, praticada por intermediários e a exploração indireta, através de algum funcionário assalariado;

- estabelece que somente poderão ser regularizadas posses até 15 módulos fiscais (1.500 hectares);

- autoriza a União a licitar áreas excedentes às regularizáveis (15 módulos fiscais) até o limite de 2.500 hectares, dando preferência de compra aos seus ocupantes;

- Determina a arrecadação de terras de posses superiores a 2.500 hectares;

- Transfere para uma Diretoria criada no Ministério do Desenvolvimento Agrário e da Reforma Agrária (MDA), as atribuições atuais do INCRA no que se refere à titulação das posses.

A Medida Provisória 458 inscreve-se numa seqüência de normas relativas à situação fundiária da região amazônica:

- artigo 118 da Lei nº 11.196/05 (a MP do Bem) que elevou para 500 hectares a área máxima para alienação das terras griladas;

- MP 422, emitida em março e aprovada em julho de 2008, que permitiu ao INCRA titular diretamente, sem licitação, propriedades na Amazônia Legal com até 15 módulos rurais ou 1.500 hectares;

- Instrução Normativa nº 49 do INCRA, de 28 de setembro de 2008, que dificultou em muito o processo de reconhecimento dos territórios quilombolas;

- MP 454 transferiu ao governo do Estado de Roraima Terras Públicas da União, antes destinadas a programas federais de Reforma Agrária, como uma compensação pela demarcação das terras indígenas da Reserva Raposa Serra do Sol.

O conteúdo dos dispositivos constantes das normas citadas indica a entrega da maior parte de 67,4 milhões de hectares de terras públicas a grileiros, autodenominados empresários rurais, que ocupam ilegalmente terras que, pela Constituição Federal, não podem ser objeto de usucapião.

Quanto aos demais aspectos destacam-se:

O dispositivo que possibilita ao governo a arrecadação de terras superiores a 2,5 mil hectares: é uma farsa que afronta a nação. Conforme as pesquisas recentes na região, todas as terras públicas da Amazônia Legal já estão divididas em lotes inferiores a 2,5 mil hectares, normalmente 2499 hectares. Os pedidos de aquisição dessas terras já estão protocolados nas Superintendências do INCRA de Santarém, Marabá, Belém, Cuiabá, Porto Velho, Manaus e Rio Branco. Como não se pode comprar terra pública acima de 2.500 hectares, uma parte das terras será adquirida por interpostas pessoas.

O aparato de instrumentos colocados à disposição do INCRA (ou de qualquer outro órgão público responsável pela efetivação da política) não tem condições mínimas para enfrentar as forças econômicas e políticas que acompanham o avanço do agronegócio.

A MP 458 nada mais é do que um enorme empreendimento imobiliário a favor de grileiros contraventores (e outros interesses do capital) que se apropriaram do patrimônio público e contra as populações com legítimo direito às terras públicas arrecadadas pela União: posseiros, quilombolas, povos indígenas e outros sem terra. Dizer o contrário é desprezar as evidências de mais de trinta anos de pesquisas, encomendadas e pagas pelo próprio governo, para a avaliação de intervenções públicas supostamente voltadas às populações pobres e/ou vítimas do processo da expansão do capital no campo.

A justificativa dada pelo governo para editar a Medida Provisória 458 é o beneficio que a lei proporcionará aos pequenos posseiros estabelecidos na Amazônia Legal. Mas o motivo real dessa seqüência de normas está ligado evidentemente à opção feita pelo governo Lula a favor do desenvolvimento agrícola caracterizado pela implantação de enormes fazendas de gado, de soja, de cana-de-açúcar e de outros plantios — com óbvios impactos negativos sobre o meio ambiente. Elas evidenciam que o governo abandonou definitivamente a reforma agrária e adotou o modelo de desenvolvimento onde prevalecem os interesses dos capitais nacionais e internacionais consorciados no agronegócio. No entender dos atuais formuladores das políticas agrícolas e fundiárias do governo, prioritariamente, a região amazônica está destinada a transformar-se em uma grande exportadora de commodities e minérios. Será um território do capital, não do seu povo.

Não é a primeira vez na história da questão agrária brasileira que os governos tentam enganar a população rural com mentiras e ilusionismos: nos governos da ditadura militar, a Reforma Agrária não ocorreu e foi transformada em ações de colonização; nos dois governos de FHC o mesmo aconteceu e criou-se a reforma agrária de mercado; o governo Lula ficará conhecido como aquele que no lugar da Reforma Agrária prometida instituiu a política agrária imobiliária — a reforma agrária imobiliária.

CONCLAMAÇÃO

A cidadania brasileira não pode aceitar esse escárnio. A Medida Provisória 458 precisa ser sumariamente revogada. A Reforma Agrária, preceito constitucional e programa de desenvolvimento sócio-econômico para geração de trabalho, emprego e renda, não pode ser abandonada.

A ABRA conclama as entidades da sociedade civil e os parlamentares comprometidos com o bem comum do povo brasileiro a unirem suas forças para barrar esse atentado à soberania nacional.

São Paulo, Instituto de Estudos Avançados da USP, 13 de março de 2009.

Fonte: Vi o Mundo

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