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Em entrevista ao Monitor Mercantil, Graciela Chichilnisky, professora de Economia da Universidade de Columbia, idealizadora do plano do mercado de carbono para o Protocolo de Kyoto e prêmio Nobel de Economia de 1997, defende uma nova economia mundial, que seja intensiva no uso do conhecimento e conservadora no uso dos recursos.
Chichilnisky avalia serem necessárias novas instituições mundiais e novas políticas nacionais para o enfrentamento da crise e julga insuficiente o Plano Obama. Sustenta que deve ser criado um sistema que dê a todos os países o direito de usar os elementos ambientais (água, biodiversidade e emissão de carbono) que possam transacionar. Ele funcionaria como o modelo de mercado de carbono criado para o Protocolo de Kyoto, em dezembro de 1997.
Nesta entrevista, a professora analisa as evoluções da atual crise e afirma a necessidade de um novo Bretton Woods, verde.
Estamos em meio à uma iminente bancarrota financeira mundial?
Sim. Estamos em meio à uma gigantesca crise que pode ser descrita como uma iminente bancarrota financeira de dimensões mundiais. Somente comparações históricas com 1929 têm sentido no que diz respeito à compreensão da dimensão da crise.
O que a crise atual nos diz sobre o gerenciamento de risco?
Temos que criar novas formas de gerenciamento dos riscos que surgem na economia mundial. Para os EUA, minha proposta foi: reinstituam a Secretaria da Defesa e incluam no Conselho de Segurança Nacional o gerenciamento de riscos adicionais. Por exemplo, o risco do aumento mundial de temperatura e das crises financeiras, devemos ter algum gerenciamento nacional.
Carecemos, contudo, de processos com os quais possamos realizar isto. Precisamos de um reconhecimento oficial de tais riscos, mas também dos processos, para podermos examinar e enfrentar os riscos em níveis nacional e internacional.
Uma série de novas ferramentas econômicas (debêntures bancárias ou certificados cobertos por várias formas de exigências bancárias, como empréstimos de consumo, e outros) criam transações estreitamente ligadas, que transformam o risco individual em crime sistêmico coletivo.
Uma nova forma de incerteza tem surgido, que chamo de ''incerteza endógena'': o risco de dívidas não resgatadas, por exemplo, foi previsto em 2006 no meu artigo Equilíbrio geral com a endógena incerteza de dívidas não resgatadas, publicado na Revista de Questões Matemático-Econômicas. Isto ocorre agora.
Um novo tipo de incerteza exige novas formas de gerenciamento de risco, que jamais havíamos enfrentado. Na realidade, fazemos exatamente o contrário. Desde 2000, quando surgiu a inovação financeira que provocou riscos dissemináveis, o sistema financeiro dos EUA desregulou-se ainda mais, e levou a gigantescas práticas de corrupção no short selling e a novos sistemas de risco.
Em consequência, o mercado de transações de dívidas não resgatadas já é um mercado de US$ 520 trilhões. Ao invés de criarmos novas formas de gerenciamento de risco, abandonamos as antigas, como as reservas bancárias, sem substituí-las por algo diferente.
Abandonamos as reservas bancárias em 2000. Larry Summers, Robert Rubin e Alan Greenspan estavam todos dentro do golpe. É ao menos surpreendente que o presidente Barack Obama tenha criado uma grupo econômico na Casa Branca orientando pelo Larry Summers e constituído quase que exclusivamente pelos apóstolos de Robert Rubin.
Certa feita, Albert Einstein disse que ''a maneira de pensar que criou o problema não é a maneira de pensar correta para solucioná-lo''. Parece que tinha razão.
O plano econômico de Barack Obama fracassou em produzir confiança entre empresas e investidores?
É um começo na direção certa, mas é insuficiente. As dotações do plano são muito pequenas e chegaram muito atrasadas. O pacote de ajuda econômica destina-se principalmente aos gastos futuros, em infra-estrutura, apenas o 10%. E estes gastos serão iniciados em 2010.
Existem poucos pontos no plano para o enfrentamento imediato da crise. Aliás, a única providência imediata é a aquisição dos títulos tóxicos que estavam em poder dos bancos, e isto é equivocado.
A idéia de que as transações e crédito de dividas não resgatadas, um mercado, conforme já se disse, de US$ 520 trilhões, poderá ser comprado pelo governo norte-americano, como alguns economistas consideram, não é realista.
O valor destes títulos tóxicos é quase 10 vezes maior que o valor do Produto Interno Bruto mundial. A única solução provável é o fortalecimento o mercado habitacional, que é o ponto inicial de todo o problema.
A senhora conformou um plano para que as dívidas não resgatadas, que foi adotado pelo governo Obama. Acredita que este plano terá resultados imediatos?
Sim, este é um plano simples que criei para as renegociações de todos empréstimos habitacionais hipotecados. A idéia é reduzir todas as prestações mensais em 50%, e isto deverá ser feito agora, hoje.
É certo que este plano colocará dinheiro nos bolsos dos proprietários das casas, tonificará a economia, ajudará a criação de demanda no mercado de casa própria e interromperá a queda de seu valor. Assim, reduzirá a queda no valor da dívida não resgatada, coberta por seguros e transações creditícias de dívidas não resgatadas.
Esta é a única forma realista de ajudar todas as instituições financeiras e os bancos. Este é um plano específico que publiquei, e recomendei pessoalmente, ao grupo de transição econômica do presidente Obama, depois de pedido oficial de Julius Zenachowski, em 15 de novembro do ano passado.
Sinto-me feliz em dizer que o próprio presidente Obama declarou em discurso público, há três semanas, que adotou e executará meu plano. Mas, resta verificarmos se a política da Casa Branca será tão extensa e tão profunda quanto proponho, e como é necessário que seja.
A partir do momento em que estabilizarmos a economia desta forma, restará examinarmos o tema da criação de novas regulamentações do mercado financeiro, tema que por enquanto permanece em aberto.
A Europa tem ficado muito atrás na coordenação e adoção de soluções eficazes para a crise econômica. Isto teria como resultado o atraso de recuperação da economia na Europa, mais do que nos EUA?
Sim, a União Européia é muito lenta para tomar decisões, apesar de a crise a tenha afetado pelo menos tanto quanto aos EUA, se não mais. A recuperação da Europa poderá realmente demorar muito mais do que nos EUA.
Uma nova arquitetura para o sistema financeiro mundial é considerada por muitos como um passo indispensável. Que mudanças são indispensáveis?
Existem dois tipos de mudanças que devem ser realizadas: novas instituições mundiais e novas políticas nacionais. Para as primeiras proponho - já há alguns anos - que devemos substituir as instituições de Bretton Woods, que controlam a economia mundial desde a Segunda Guerra Mundial, atribuindo um papel hegemônico ao dólar norte-americano e à economia dos EUA, e incentivar a exportação de recursos baratos pelas economias emergentes. Estas instituições incluem o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial o Comércio.
Proponho ainda o ''esverdeamento de Bretton Woods''. Em essência, proponho a criação de instituições que sejam semelhantes ao mercado de carbono que criei para o Protocolo de Kyoto, em dezembro de 1997, um mercado no qual são negociados mais US$ 80 bilhões anuais, e que já transferiu US$ 23 bilhões aos países emergentes para programas de tecnologia limpa.
A idéia é atribuir direitos de uso para ativos patrimoniais ambientais (água, biodiversidade e emissão de carbono) a todas as nações do mundo, e permitir a flexibilização das transações destes direitos.
Estes direitos serão mantidos dentro do âmbito das restrições mundiais de uso dos recursos que são aceitos, e de longo prazo, para a sobrevivência humana. Tais instituições poderão simultaneamente incentivar a estabilidade financeira e reerguer a divisão mundial.
Fonte: Vermelho
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