terça-feira, 31 de março de 2009

Uma disputa que se resolve na rua

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40 milhões de empregos correm risco

A nova crise da dívida global

por NICHOLAS DEARDEN, no Counterpunch (em inglês)

Mesmo ardentes defensores dos livres mercados acham difícil argumentar que a globalização está melhorando a vida da maioria do mundo. Um sistema de crises inerentes, que abasteceu níveis de desigualdade históricos sem precendentes, desabou, deixando um pesadelo para muitos países em desenvolvimento que descobrem que a globalização do comércio e dos investimentos, dos quais se tornaram dependentes, secou de repente. Em todo o mundo a previsão é da perda de 40 milhões de empregos em 2009.

Neste cenário, líderes mundiais que dizem se preocupar com o destino dos pobres deveriam se perguntar o motivo de terem apoiado o dogma fundamentalista dos mercados livres por tanto tempo. Em vez disso, algumas das novas idéias apresentadas por Gordon Brown e outros poderiam, depois de uma injeção de dinheiro desesperadamente necessária, significar mais das mesmas políticas que provocaram a crise em primeiro lugar.

Irresponsabilidade financeira não é nada nova. Nos anos 70, bancos e governos fizeram enormes empréstimos a países do mundo em desenvolvimento sem considerar para quem estavam emprestando, nem para que. Muitos países passaram os 30 anos subsequentes sob o peso de uma dívida impagável que permitiu ao mundo rico forçá-los a adotar políticas de livre mercado em suas economias.

O ministro das finanças do Chile, Andres Velasco, disse no ano passado que a crise do crédito era "uma versão mais moderna e maior do que a que os mercados emergentes já haviam experimentado nas últimas décadas". E a não ser que os mais pobres do mundo paguem por essa crise da forma que o Terceiro Mundo pagou na crise da dívida dos anos 80 e 90, as soluções dessa vez devem ser radicalmente diferentes.

A lição mais clara da crise atual é que a globalização financeira foi inimiga do desenvolvimento. Um relatório recente da ActionAid claramente mostra que aqueles países que se tornaram dependentes do fluxo de capitais estrangeiros em suas economias são os mais vulneráveis à crise.

Em tempos como esse o capital deixa a periferia e se move para o centro, o que está acontecendo agora. Países sem uma forte base de capital doméstica para financiar o desenvolvimento ficam secos e pendurados.

Em muitos países isso poderia resultar numa crise de dívida completa, especialmente naqueles países que fizeram empréstimos de curto prazo para repagar dívidas de longo prazo. Em 2006 havia 660 bilhões de dólares em dívidas de curto prazo (a serem pagas em um ano ou menos), 43 bilhões deles para países da África sub-sahariana.

O Banco Mundial diz que 43 países estão particularmente vulneráveis à crise financeira. Destes, 38 precisavam do cancelamento de dívidas antes da crise atual. O FMI prevê que se a crise continuar por um ano, o peso da dívida nos países de baixa renda aumentará em média mais 4% do PIB.

Incluídos entre esses países está a Zâmbia, que já recebeu perdão parcial uma vez mas, devido à queda nos preços internacionais do cobre e redução da produção, poderia ver suas dívidas tornarem-se duas vezes maiores que o nível sustentável reconhecido pelo Banco Mundial e o FMI.

As Filipinas, um país de renda média com uma alta dependência de capitais privados, tem enormes 8 bilhões em dívidas a serem pagas este ano, ao mesmo tempo em que a balança comercial entrou no vermelho.

O Bangladesh, dependente da exportação de roupas, provavelmente sofrerá uma grande queda de demanda que tornará difícil pagar as dívidas de curto prazo de 1,7 bilhão de dólares.

Mas as soluções que o G-20 pretende considerar na quinta-feira focam pesadamente em novos empréstimos -- em vez do cancelamento de dívidas -- e em ressuscitar o Fundo Monetário Internacional, a mesma instituição que transformou a quebradeira da Ásia em 1997 em uma crise sem precedentes ao sugerir medidas de austeridade.

Recentes detalhes de empréstimos dados pelo FMI demonstram que ele não aprendeu a lição. Ao Paquistão foi sugerido que aumente os juros e as tarifas de eletricidade, à Hungria que desvalorize a moeda e aumente os juros, à Latvia que reduza os gastos com o governo, à Servia que corte os gastos com o setor público e a El Salvador que não aumente o déficit fiscal.

Numa declaração da semana passada, Brown pediu novos 100 bilhões de dólares para garantir o comércio. Isso significa muito dinheiro para as agências de crédito que foram responsáveis pelo enorme crescimento das dívidas "ilegítimas" nas últimas três décadas -- dívidas que fizeram pouco ou nada para beneficiar as populações dos países que receberam o dinheiro, mas que ajudaram os nossos fabricantes de armas.

Propostas mais sérias, de outra parte, foram feitas recentemente pela Comissão de Especialistas da ONU formada pelo presidente da Assembléia Geral sobre a crise financeira. A comissão, dirigida pelo premio Nobel Joseph Stiglitz, pediu uma profunda reforma da economia global, inclusive com um processo internacional para maior e mais justo cancelamento de dívidas, o fim das condicionalidades obrigatórias e uma nova moeda de reserva para substituir o dólar. O presidente do Banco Central da China ecoou esse pedido na semana passada, sugerindo também um sindicato internacional de comércio -- uma idéia do economista John Maynard Keynes para evitar o acúmulo de enormes déficits ou superávits comerciais como aconteceu em anos recentes.

Estes são sinais de esperança, assim como a proposta de governos da América Latina de finalmente lançar o Banco do Sul, que permitiria aos sócios maior independência do FMI e do Banco Mundial, a partir de maio

Essencialmente, as soluções devem responder não só à economia, mas à política. Mais do que qualquer coisa, os países em desenvolvimento foram roubados de sua soberania e dignidade por mais de 30 anos e precisam reconquistar sua independência. A dependência criada e sustentada pela dívida por décadas precisa ser quebrada para haver qualquer esperança de desenvolvimento global e fim da pobreza.

Mas tais idéias dificilmente serão consideradas pelo G20. Apenas um movimento organizado das pessoas pode trazer as mudanças necessárias. É esse movimento que os protestos desta semana devem lançar, um movimento sem precedentes para enfrentar um momento sem precedentes, tanto de crise quanto de oportunidades.

Fonte: Vi o Mundo - Luiz Carlos Azenha

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