por Paulo Henrique Amorim
Um novo sistema para escolha dos membros do STF, que envolva diversos órgãos da sociedade, no lugar da indicação exclusiva do Presidente da República. Aliada a isso, a limitação do mandato dos ministros – atualmente vitalícios, com aposentadoria aos 70 anos. Essas são as duas principais medidas previstas na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada recentemente pelo deputado Flávio Dino (PC do B – MA).
Em entrevista ao Conversa Afiada, Flávio Dino ressalta que pretende corrigir as “incongruências” do sistema político brasileiro. Para ele o Brasil possui, na prática, um Parlamento tricameral: legislam Câmara, Senado e STF. Flávio Dino vê um “ultra-ativismo judicial do STF” sem que haja, contudo, “mecanismos de legitimação e participação”.
A solução, segundo ele, é oficializar a face política do tribunal. “Se o Supremo é cada vez mais um órgão político, trata-se de introduzir critérios políticos na sua composição e funcionamento”, disse.
Ouça a entrevista do deputado Flávio Dino e confira abaixo sua transcrição:
Conversa Afiada – Qual a razão para o senhor apresentar essa PEC?
Flavio Dino – Nós temos um sistema atualmente vigente sobre a nomeação de ministros do Supremo em que há uma escolha livre por parte do Presidente da República. Essa indicação é submetida ao Senado e, portanto, a pessoa é nomeada ministro do STF.
É um processo em que há uma liberdade bastante ampla do Presidente da República ao fazer as escolhas. No método que proponho haverá uma restrição dessa possibilidade de escolha à medida que haverá listas prévias, ou seja, sugestões de nomes feitas pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo Tribunal Superior do Trabalho, pela OAB, pelo Ministério Público, fazendo que haja uma pré-seleção e um processo participativo de escolha dos ministros do Supremo Tribunal Federal.
A segunda questão é exatamente a introdução do mandato. Hoje, o ministro do STF pode permanecer no exercício da sua função por 20, 25, 30 anos. Evidentemente, ao longo de tanto tempo a sociedade muda, a economia, os valores, a cultura. O STF vem ganhando uma grande importância como árbitro da vida institucional brasileira. Me parece, portanto, claro que na medida em que o Supremo exerce funções de natureza política temos que seguir o princípio republicano da alternância e da temporalidade.
Portanto, a avaliação que faço é de que a função de ministro do STF sendo uma função hoje de importância central no estado democrático de direito, temos que fazer com que haja uma alternância e uma permeabilidade entre as mudanças da sociedade e a composição de tão importante órgão da nossa vida política.
CAF – Essa mudança reforça a tendência de ativismo judicial que tem se verificado mais recentemente no STF?
FD – Ela dialoga com essa tendência. Ela deriva dessa tendência. Hoje, chega a se cogitar se nós temos um sistema legislativo tricameral no Brasil. E é fato, hoje qualquer deliberação legislativa importante da Câmara e do Senado é submetida à apreciação do STF.
Além das suas competências próprias, o Supremo, em razão da largueza dos instrumentos que tem à sua disposição, como exemplo da súmula vinculante, é um órgão legislador positivo, concorrendo com as funções que, teoricamente seria próprias e específicas do Congresso Nacional.
Então, exatamente em razão dessa tendência do ativismo, derivada inclusive das dificuldades que temos hoje no mundo político, é que sugiro que haja essa alternância para que haja possibilidade de uma adaptação, de uma sintonia melhor entre aquilo que a sociedade debate e aquilo que é debatido no STF.
CAF – Essa seria uma maneira de se responsabilizar e de se criar, de alguma forma, sistemas de freios e contrapesos à atuação STF?
FD – Seguramente. Elas são uma atualização ao princípio dos freios e contrapesos. De um lado pelo critério de nomeação, ou seja, nós teríamos aí um partilhamento de responsabilidade entre órgãos da sociedade, como faculdades de Direito, OAB, instituições do estado, como o Ministério Público e a própria magistratura, e os ramos políticos do estado: a Câmara, o Senado, o Presidente da República e o próprio STF. Portanto, uma abertura do processo de nomeação STF para uma dimensão participativa e, a meu ver, mais legítima do que o processo que nós temos atualmente.
E, em segundo lugar, essa limitação. Por isso, o STF exercendo uma função política, como exerce, há de buscar a legitimação na Constituição, pelo procedimento que é observado naquele tribunal, mas também uma legitimidade derivada dessa dimensão participativa.
Então, se o Supremo é cada vez mais um órgão político, trata-se de introduzir critérios políticos na composição e no funcionamento do STF. Critérios da boa política, critérios da dimensão participativa que a boa política traz. De modo que nós possamos superar essa incongruência que nós temos hoje. O Supremo sendo um órgão eminentemente político, sendo presidido por critérios que acabam impedindo uma participação mais ampla no processo da sua composição e, por conseguinte, da formação de sua jurisprudência.
CAF – O senhor acredita que hoje o Supremo não tem algum tipo de cobrança, de freios e contrapesos da sociedade nesse tipo de ativismo maior que ele exerce?
FD – Há claramente um desbalanceamento. Hoje, na arquitetura da Praça dos Três Poderes, nós temos a apropriação das funções legislativas pelo Presidente da República, mediante o manejo das Medidas Provisórias.
Esse é um tema recorrente na agenda institucional brasileira. Do outro lado da praça, o Supremo Tribunal Federal com esse ultra-ativismo, sem mecanismos de legitimação e participação, apropriando-se também das funções legislativas.
O que é, evidentemente, uma falta de equilíbrio na relação entre os Três Poderes. É evidente que a causa primeira e última desse processo é se situa no Congresso Nacional. Eu não faço propriamente uma crítica ao STF ou ao Presidente da República desacompanhada de uma autocrítica ao Congresso.
O problema central e o esvaziamento da política, a deterioração da política, a crise no processo decisório do Parlamento, a lentidão na elaboração de leis importantes. Isso gerou essa anomalia, que nós agora precisamos corrigir de algum modo.
Como a meu ver o ativismo judicial uma tendência neste momento invencível, então vamos adaptar a composição do STF e o processo de escolha de seus membros e também o tempo em que eles permanecerão nessa condição a esse novo papel mais ativista e protagonista que o STF acabou por ocupar.
CAF – E qual a receptividade a essa proposta dentro do Parlamento?
FD – Há uma inquietação muito grande com esse fenômeno da judicialização ou tribunalização da política. E eu estou buscando dialogar e organizar o debate em torno dessa inquietação.
Eu insisto muito que nós não podemos nos ater só a lamentações. Nós temos que compreender as razões desse fenômeno do esvaziamento da política e a conseqüente apropriação de funções próprias do Parlamento por outros órgãos do estado.
A partir daí que teremos medidas, que se referem ao funcionamento interno do Parlamento, para ele funcionar melhor. E ao mesmo tempo conseguirmos, cumprindo nossa função legislativa, nos estruturarmos mais adequadamente, redesenhar melhor os outros ramos do estado, para que possamos ter uma relação mais equilibrada mais eficiente. Para que nós possamos assim evitar abusos de qualquer natureza.
O STF tem mais acertado do que errado. Eu, por exemplo, defendo a fidelidade partidária e acho que o Supremo acertou ao decidir nesse sentido. Acho que a jurisprudência que se tem procurado construir em torno da tutela constitucional das liberdades é interessante, mas nós não devemos deixar de imaginar outro cenário.
Ou seja, quando o STF erra e quando esse erro se perpetua e nós temos um sistema em que os ministros podem ficar por 20, 25, 30 ou até 35 anos no exercício de suas funções, como esse erro será corrigido? É exatamente isso que nós buscamos fazer, mediante a alternância, ou seja, a substituição de sua composição a cada 11 anos, permitindo que os erros sejam corrigidos.
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