quinta-feira, 26 de março de 2009

Pela desapropriação de imóveis “improdutivos” nas cidades

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por Leonardo Sakamoto

Vista do alto, a região de Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, forma um estranho mosaico. Não por causa das cores – que se alternam entre um vermelho-tijolo monótono, um cansativo cinza-cimento e um marrom-terra bem batido. São dezenas de milhares de pecinhas que se unem umas às outras, deixando parcos espaços vagos. A ilusão é a de um imenso tapete, subindo e descendo morros, pulando córregos até morrer à beira de um barranco ou nos limites do cemitério. De cima, todas as casas são iguais. De perto, a semelhança se restringe à forma como foram montadas. Cada uma delas, pedra desse mosaico, foi erguida pelos próprios moradores, que, nas horas de folga, remexiam cascalho e enfileiravam colunas.

Jogadas à própria sorte, pessoas de baixa renda que querem uma casa precisam construí-la com as próprias mãos ou procurar um abrigo sob viadutos ou marquises dos prédios nas metrópoles. Com a extinção do Banco Nacional da Habitação (BNH) e as medidas econômicas que foram se acumulando ao longo dos anos, o financiamento de um imóvel para essas pessoas tornou-se impossível. A solução encontrada foi a informalidade – a esmagadora maioria das moradias no Brasil são erguidas por iniciativa dos próprios proprietários, sem construtoras.

O problema da habitação parte de um círculo vicioso. Sabe-se que qualidade de moradia é essencial para combater a violência na cidade ou no campo. Ou mesmo para preservar a saúde. Locais construídos de forma precária dificilmente terão saneamento básico, o que acarreta graves problemas aos habitantes.

As conseqüências, porém, não ficam restritas ao universo dos excluídos. A má utilização da superfície das cidades traz sérios prejuízos a todos os moradores e ao meio ambiente. Por exemplo, a ocupação desordenada de áreas de mananciais, que abastecem as cidades, pode no médio e no longo prazos ser a responsável pela diminuição ou mesmo o desaparecimento da água potável. Na capital paulista, a região Sul, onde estão localizadas as represas Billings e Guarapiranga, está repleta de loteamentos ilegais. E, como não há saneamento, o esgoto é lançado nelas sem nenhum cuidado.

Havia escrito sobre esse tema anos atrás e com o lançamento ontem do programa habitacional do governo federal (que deve gastar R$ 34 bilhões em moradias populares) achei que valia a pena retomá-lo. O conceito de terra improdutiva no campo é aceito (pelo menos em teoria - na prática, a desapropriação de áreas improdutivas é muito mal feita). Mas o grande problema, hoje em dia, é aplicá-lo às cidades. Devido ao abandono, à especulação imobiliária ou mesmo a processos judiciários, uma grande quantidade de imóveis permanece vazia enquanto um número muito maior de pessoas vive sem teto. As notícias de ocupações de terra do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) agora dividem espaço na mídia com ocupações de edifícios abandonados no centro das metrópoles por grupos de moradia urbana. Sem ter para onde ir, trabalhadores acabam se instalando em locais sem água ou luz, esperando uma solução do governo. São imóveis vazios que deveriam cumprir sua função social, prevista na Constituição. Só na cidade de São Paulo, os imóveis ociosos poderiam abrigar mais de 1 milhão de pessoas.

Um projeto imobiliário decente deveria contar com instrumentos legais para aplicar uma política fundiária e imobiliária nas capitais, como, por exemplo, o IPTU progressivo em caso de imóveis que permaneçam muito tempo desocupados, a edificação compulsória em terrenos baldios e, em último caso, a própria desapropriação forçada com pagamento em títulos da dívida pública. Ou seja, formas de contribuir com a solução do problema, mas gerando economia aos cofres públicos.

Por fim, tomar imóveis que poderiam ser convertidos em moradia como pagamento dos grandes devedores do erário público. Isso é lógico, não? Mas, infelizmente, não acontece na prática. Ocupações de sem-teto, como o que havia em um edifício vazio da avenida Prestes Maia, em São Paulo, são desmontadas. No caso da Prestes Maia, mesmo com o proprietário Jorge Hamuche devendo mais de R$ 5 milhões à cidade, os moradores tiveram que sair e ele conseguiu um desconto e o parcelamento da dívida.

Fonte: Blog do Leonardo Sakamoto

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