sexta-feira, 27 de março de 2009

Gilmar Mendes vs. Tarso Genro

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Atenção: não há briga entre eles. Aqui, analisa-se o estilo de um e de outro. E formulam-se perguntas que a eles não foram feitas.

Por Mino Carta

Não sei se o que mais me impressiona é a resposta, ou a pergunta não formulada. Sabatina Folha de S.Paulo, terça 24. Sabatinado o presidente do STF, Gilmar Mendes. Leio o jornal, tropeço na passagem sobre o famoso grampo não provado, praticado por uma Abin que não dispõe de aparelhagem para tanto: “Com ou sem grampo – diz Mendes –, os fatos que estavam a ocorrer indicavam que aquilo era extremamente plausível. Se a história não era verdadeira, era extremamente verossímil”.

E a pergunta que não houve? A seguinte: “E o senhor ministro ilustre, jurista de fama mundial, baseia-se em algo apenas verossímil para chamar às falas o presidente da República e exigir o afastamento do diretor da Abin?” In dubio pro reo, repetia o professor Alexandre Correia aos meus ouvidos de aluno do primeiro ano da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Perdoem Plotino e Ulpiano se me permito empregar uma expressão daqueles meus tempos estudantis: ministro Gilmar, esta é de lascar.

Sabatina? Bah... A Associação dos Juízes Federais do Brasil, Ajufe, emitiu dia 25 uma Nota Pública, em que manifesta sua “veemente discordância” em relação a outra afirmação do sabatinado na Folha. Ou seja, o momento em que acusa o juiz Fausto De Sanctis de pretender “desmoralizar o STF” quando mandou prender o banqueiro Daniel Dantas pela segunda vez no quadro da Operação Satiagraha.

Além de sublinhar que, com suas palavras, Mendes ofende toda a hierarquia judiciária, o documento aponta como afrontado um ministro do próprio STF, Marco Aurélio Mello, que reconheceu os fundamentos para a decretação da prisão. Quanto ao juiz De Sanctis, trata-se, na visão de CartaCapital, de figura rara, sem que a mediocridade e a leniência reinantes diminuam seu valor.

Não tenho nível para pôr em dúvida o saber jurídico de Gilmar Mendes, em todo caso não fica em questão quando afirma que a Polícia Federal está “descontrolada”. Certo é que não esteve quando foi dirigida pelo delegado Paulo Lacerda, com o reconhecimento unânime da própria mídia. Se o ministro se refere aos anos do segundo mandato de Lula, tem de anotar que quem manda agora é Luiz Fernando Corrêa.

Ocorre-me recordar que Mendes foi subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil do presidente Fernando Henrique Cardoso de 1996 a 2000. À época, Vicente Chelotti dirigia a PF e se habilitava a fantásticas estripulias, devidamente demonstradas, entre elas a de grampear o primeiro mandatário. Não consta que o subchefe de Assuntos Jurídicos tenha, de alguma forma, manifestado contrariedade, ou interferido no assunto.

Em pleno festival eleitoreiro, pois a despeito da crise gravíssima e de tantas incertezas já estamos entregues à expectativa do pleito de 2010, a ribalta apinha-se de versões, em detrimento dos fatos. O sabatinado presidente do STF fornece as suas. Constata-se que quem o interroga não faz, ou não sabe fazer, as contraperguntas.

Não consigo evitar as questões que eu dirigiria ao ministro Tarso Genro, outro notável produtor de versões, para explicar os argumentos por ele brandidos a justificar o asilo político a Cesare Battisti, o ex-terrorista italiano. Por exemplo: “Qual seria o denominador comum entre os chamados anos de chumbo da Itália e os do Brasil?” Ou então: “Existe alguma chance de comparar os terroristas de esquerda e de direita que atormentaram a Itália nos anos 70 com os resistentes democráticos e os participantes da luta armada contra a ditadura brasileira no mesmo período?”

Outra: “É admissível que o ministro da Justiça de qualquer país julgue sentença passada em julgado onde vigora o Estado Democrático de Direito?”

Tenta-me a comparação entre Gilmar Mendes e Tarso Genro. O primeiro não hesita em apresentar como verdade factual meras suposições. Conhecedor do exato paradeiro do Bem e do Mal, fortalece-o a indomável convicção de estar sempre, e automaticamente, do lado certo. O ministro da Justiça é bem mais criativo. Talvez, de quando em quando, se permita umas dúvidas e alguns temores, mas na pasta revelou extraordinária vocação de ficcionista.

Fonte: Carta Capital

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