terça-feira, 24 de março de 2009

Palavras em guerra: um exército de extremistas

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por Christopher Hitchens
Do The New York Times

Relatos recentes das atrocidades cometidas por soldados israelenses durante a intervenção em Gaza descreveram a incitação de recrutas e reservistas por rabinos militares que caracterizaram a batalha como sendo uma guerra santa para a expulsão dos não-judeus da terra judaica. O acadêmico secular israelense Dany Zamir, o primeiro a trazer à tona o testemunho dos soldados israelenses em choque, foi citado como se a influência desses ensinamentos religiosos extremistas fosse alguma novidade. Não é o caso.

Eu lembro de estar em Israel em 1986, quando o chefe "capelão" do exército nos territórios ocupados, Rabino Shmuel Derlich, enviou às tropas uma carta pastoral de mil palavras instigando-os a aplicar os mandamentos da bíblia e exterminar os Amalequitas como "os inimigos de Israel". Ninguém, na era moderna, encontrou um amalequita sequer, então o oficial-chefe educacional das Forças de Defesa Israelenses perguntou ao Rabino Derlich se ele poderia definir a quem ele estava se referindo. De maneira evasiva - ou alarmante - o homem de Deus respondeu apenas "Alemães".

Não há alemães na Judéia, nem na Samária muito menos no Velho Testamento, então a incitação do rabino para dizimar todos os alemães, bem como provavelmente todos os palestinos, foi levada à Corte do Exército. Quarenta rabinos militares foram dar seu apoio publicamente a Derlich, e a conclusão covarde da corte foi de que ele não havia cometido nenhum delito, mas que deveria se abster de futuras declarações políticas em nome do exército.

O problema aqui é precisamente que o rabino não estava fazendo uma declaração "política". Na realidade, ele estava cumprindo seu dever religioso de lembrar seus leitores sobre os verdadeiros ensinamentos do Torá. Não é de todo inédito em Israel que ocorram discussões com rabinos militares sobre como interpretar os mandamentos sagrados de Moisés, como no Livro dos Números, Capítulo 31, Versos 13-18, como citados a seguir, da minha tradução de 1985, da Sociedade Editorial Judaica.

Os israelitas haviam acabado de cumprir a tarefa cruel de matar todos os midianitas adultos do sexo masculino. Mas, de acordo com seu comandante, eles ainda assim falharam: "Moisés, o sacerdote Eleazar e todos os líderes da comunidade vieram encontrá-los fora do campo. Moisés ficou furioso com os comandantes do exército, os oficiais de milhares e os oficiais de centenas, que voltaram das operações militares. Moisés disse a eles, 'Vocês pouparam as mulheres! Justo elas que, sob as ordens de Balaão, induziram os israelitas a desafiar o Senhor em Peor, levando a congregação do Senhor àquela praga. Agora, portanto, matem todas as crianças do sexo masculino, e matem também toda jovem que já conheceu um homem carnalmente, mas poupem todas aquelas que nunca tiveram relações carnais com um homem'".

Moisés e o sacerdote Eleazar seguem formulando instruções complexas sobre os rituais de purificação que devem ser feitos depois que o exaustivo massacre tiver terminado.

Nos dias de hoje, é comum ouvir as pessoas dizendo, quando esta citação infame e outras parecidas aparecem, que elas não devem ser "levadas ao pé da letra". É também bastante comum a desculpa que algumas coisas perversas são feitas "em nome" da religião, como se estas perversidades fossem resultado de uma interpretação errônea. Mas os rabinos nacionalistas que preparam os soldados israelenses para suas missões parecem pensar que este livro pode representar a palavra de Deus e, neste caso, a única interpretação errônea seria não interpretá-lo literalmente. (Detesto informá-los, mas as pessoas que acham que a vontade de Deus é revelada em uma inscrição são chamadas de "religiosos". Aqueles que discordam devem achar outra denominação para a sua crença.)

Você deve lembrar-se do Dr. Baruch Goldstein, o homem que, em fevereiro de 1994 descarregou sua arma e matou mais de duas dezenas de fiéis na mesquita de Hebron. Ele havia sido médico do exército de Israel e chamou atenção pela primeira vez dizendo que se negava a tratar não-judeus no shabat. Agora vejamos o artigo de Ethan Bronner no The New York Times, de 21 de março de 2009, sobre as pregações do novo rabino-chefe do exército israelense, um colonizador da Cisjordânia chamado Avichai Rontzski, que também possui o título de General-de-brigada. Ele, de acordo com o artigo, "disse que a principal razão para um médico judeu tratar um não-judeu no Shabat... é evitar a exposição dos judeus da diáspora ao ódio".

Aqueles de nós que acompanham este tipo de coisa identificam esta declaração como um grande sinal de que ele é um racista e fundamentalista determinado. A diferença é que desta vez ele não vem na pele de um solitário homicida e paranóico, mas vestindo uma farda e dotado dos títulos de general e sacerdote: Uma mistura de Moisés e Eleazar. As últimas notícias, de acordo com Bronner, dão conta de que o Ministro da Defesa de Israel sentiu-se obrigado a repreender Rontzki por ter feito "uma declaração rabínica que contradiz a idéia de oferecer piedade ao inimigo" que foi distribuída em forma de panfleto para homens e mulheres de uniforme (veja o Livro dos Números, 31:13 -18, acima).

Se pensarmos na horrenda quantidade de mortes de civis palestinos resultante destas declarações, não é difícil prever o futuro de médio a longo prazo da situação. Os colonizadores zelotes e seus cúmplices clérigos estão montando um exército dentro do exército para que, um dia, se forem ordenados a debandarem ou evacuarem os colonatos, haverá oficiais e soldados suficientes, enrijecidos pelos muitos rabinos e sermões extremistas, para se recusarem a obedecer a ordem. Poderão ser encontrados também alguns versos do Torá que permitem o assassinado de judeus seculares tanto quanto de árabes.

Os ensaios para isso já começaram, com as desculpas religiosas dadas pelo massacre de Baruch Goldstein e as evasivas talmúdicas sobre o assassinato de Yitzhak Rabin. Outrora consideradas extremistas, estas exegeses estão se tornando mais e mais populares. Está na hora de os Estados Unidos cortarem todo o apoio financeiro a Israel que possa ser utilizado para atividades colonizadoras, não apenas porque esta colonização constitui o roubo de terra, mas também porque a nossa constituição nos proíbe de gastar dinheiro público no estabelecimento de qualquer religião.

Christopher Hitchens é jornalista, escritor e colunista de Vanity Fair e Slate Magazine. É autor de livros como "Deus não é Grande: como a religião envenena tudo" e "O julgamento de Kissinger. Artigo distribuído pelo The New York Times Syndicate.

Fonte: Terra Magazine

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