quinta-feira, 10 de abril de 2008

Sérgio de Souza/Última entrevista

Serjão, como o chamávamos, concedeu a última entrevista à mestranda Luciana Chagas, do Rio de Janeiro, em fevereiro de 2008. Ela estava justamente preparando o mestrado sobre a Caros Amigos. É uma das duas ou três longas entrevistas de Sérgio de Souza de que se tem notícia, e a concedeu por emeio, pois fugia de microfone, câmera, repórter de caderno e caneta. Aí vai uma rara oportunidade de saber sobre a carreira de Serjão e sobre o que pensava da profissão esse monstro sagrado do jornalismo.

Qual é a sua trajetória
profissional? Você se considera um intelectual?

Comecei na Folha de S. Paulo (então Folha da Manhã e Folha da Noite) como revisor (1958). Estava no Banco do Brasil e vi na Folha um anúncio: “Você quer ser jornalista?” Me inscrevi, junto com Sérgio Pompeu, que também trabalhava no banco e se tornaria um grande jornalista, chegando a editor da Veja, nos bons tempos da revista. Passamos os dois (era um teste de redação e um teste de Roscharsch, este pra ver se éramos deficientes) e fomos pra revisão. Passamos a repórteres. Depois: repórter da sucursal paulista da Bloch, revistas Manchete e Fatos e Fotos; repórter de Notícias Populares; repórter de Quatro Rodas; editor de texto de Realidade; editor de O Bondinho, Grilo, Revista de Fotografia, Jornalivro, Ex-; professor do curso de jornalismo da Unip; editor, junto com José Hamilton Ribeiro, do jornal O Diário, de Ribeirão Preto; editor do semanário Domingão, Ribeirão Preto; editor do semanário Aqui São Paulo, de Samuel Wainer; diretor de jornalismo das rádios Globo e Excelsior; idem da TV Tupi; editor-chefe do Jornal da Bahia, em Salvador; editor de texto da revista TenisEsporte; editor-chefe do programa Fantástico; diretor da Divisão de Realidade da TV Bandeirantes; editor dos programas Nossa Copa (apresentado por Juca Kfouri), O Limite do Homem (apresentado por Célia Pardi) e Barra Pesada (apresentado por Octavio Ribeiro, o Pena Branca), da produtora Manduri 35 para a TV Record; redator-chefe da revista Placar; diretor de redação da revista Globo Rural; editor de Caros Amigos. Não me considero um intelectual, me considero um prático de jornalismo.

Qual é a diferença entre grande imprensa e jornalismo alternativo?
Alternativos, na concepção que entendo, seriam os veículos não-ligados a empresas grandes; veículos de linha editorial ditada pelos profissionais que os fazem e não por empresários; veículos independentes de qualquer entidade, pública ou privada; que tenham compromisso de publicar a opinião de seus colaboradores, além da dos seus editores; veículos infensos a eventuais pressões ou censura; a diferença, enorme, entre o capital de uma editora desse tipo de publicação e o de uma editora da imprensa grande; a relação entre os profissionais de uma e de outra, respeitosa e fraternal na primeira, rígida e impessoal na segunda. Deve haver outras diferenças, que não me ocorrem agora.

Como foi trabalhar na revista Realidade?
Trabalhar na Realidade foi a realização do sonho de todo jornalista, por várias razões: liberdade para criar, liberdade para executar, independência em relação às opiniões do patrão, alto salário, espírito de equipe acima de qualquer veleidade individual, recursos para cumprir pautas que demandavam alto investimento, o afeto do verdadeiro companheirismo e amizade, e a extrema satisfação de mexer com a cabeça do brasileiro, para mim o objetivo maior do jornalismo.

Depois de diversas experiências, como foi elaborado o projeto Caros Amigos? Que jornalistas faziam parte? Quem ficou e quem saiu depois?
Caros Amigos nasceu de uma vontade latente, desde sempre, de fazer uma publicação que destoasse do “mais do mesmo” que o leitor encontrava nas bancas, em termos de revista de leitura e opinião, uma publicação que fugisse da linguagem e conceitos e preconceitos encontrados na imprensa grande. O meu projeto era revista mensal com artigos, colunas, seções, reportagens, entrevistas, charges, desenhos e um ensaio fotográfico, uma receita editorial simples, em formato e papel inusuais então, mais apropriado para tablóide (que, aliás, era a idéia original, um tablóide em papel jornal, por ser mais econômico). Das primeiras poucas reuniões para definir a estrutura editorial participaram Roberto Freire, João Noro, Francisco Vasconcelos, Hélio de Almeida, Matthew Shirts, Alberto Dines e José Carlos Marão. Permaneceriam Roberto Freire, João Noro e Francisco Vasconcelos e não quiseram prosseguir no projeto Hélio, Matthew, Alberto e José Carlos. Posteriormente, por razões e tempo variados sairiam João, Roberto e Francisco.

Como você define a Caros Amigos? Qual é a receita? Quais foram as barreiras enfrentadas?
Caros Amigos eu defino no editorial do número 1, abril de 1997. A receita (se você está falando de dinheiro) vem das vendas em bancas (pela Dinap) e da venda de assinaturas, insuficiente, até agora, para cobrir os custos. A maior barreira é exatamente a falta de capital e de mais anunciantes.

Segundo Dines, houve a publicação do número 1 de um outro projeto Caros Amigos. Como era essa publicação?
A participação de Alberto Dines, como disse antes, foi efêmera, não chegou ao número 1, do qual ele participou somente como entrevistador (entrevista com Juca Kfouri). Mas o título foi ele que sugeriu, seria para uma publicação que ele tinha imaginado cujos textos teriam forma de carta e seus autores seriam retratados a bico de pena. Não houve número 1 de outro projeto.

O que era a Editora Casa Amarela? E de quem era?
A Casa Amarela foi fundada por mim, João Noro, Roberto Freire, Francisco Vasconcelos e Jorge Broglio, um executivo amigo do grupo.

E hoje o que é a Casa Amarela?
Hoje somos dois sócios, eu e Wagner Nabuco, que se juntou a nós ainda no primeiro ano da vida da editora. Se der, pretendemos transformá-la em cooperativa.

A revista Caros Amigos tem algum patrocínio?
O verdadeiro patrocínio de Caros Amigos é a generosidade de todos os que a fazem, colaboradores e o grupo fixo, inclusive os vários estagiários que vêm passando por ela ao longo dos anos e continuam chegando, voluntários sempre e com os quais aprendemos muito também. Para ter idéia, só três, de todos os colaboradores, recebe um valor a cada mês, o restante é de graça. E isso há anos, alguns desde a primeira ou segunda edição, como Frei Betto, Guto Lacaz, Ana Miranda, Mylton Severiano. Os estagiários a mesma coisa, e mais o grande número de jornalistas, fotógrafos e ilustradores de São Paulo e de outros lugares, ou profissionais de outras áreas, que nos enviam trabalhos que desejam ver publicados. Temos “correspondentes” (ponho entre aspas porque também são voluntários, o vínculo é afetivo) em Berlim, Paris, Buenos Aires, Angola, Brasília, Rio, com os quais podemos contar para eventuais pautas saídas daqui ou oferecidas por eles. E, conforme a necessidade, tenho certeza de que podemos contar com alguém em muitíssimos lugares. No fundo, é esse “patrocínio” todo o milagre Caros Amigos.

Como a revista se sustenta?
Ela não se sustenta, está no vermelho, com dívidas em bancos e fornecedores.

Como é a sua relação com a equipe de jornalistas e colaboradores da Caros Amigos? O que é ser editor da Caros Amigos?
É uma relação de companheirismo, pelo menos é o que sinto. Ser editor de Caros Amigos é tão gratificante como ser um profissional que trabalha livre de injunções de qualquer espécie.

No Anticurso Caros Amigos, um dos colaboradores disse que o
editor, você, orienta sempre: “Escreva sobre algo que você ama ou odeia”. É assim mesmo?
Não foi bem essa a colocação inicial a todos os que toparam escrever colunas, artigos ou seções para a revista. Ódio não entrava na história. A proposta era: escreva sobre algo que o esteja satisfazendo (intelectualmente, claro) ou algo que o esteja desagradando. Eles não são pautados. Há pauta para as reportagens e entrevistas.

Existe uma pauta a ser cumprida?
Como disse, para reportagens e entrevistas fazemos uma reunião de pauta a cada edição, da qual participa a redação inteira, tanto os fixos quanto os estagiários.

Existe algum componente literário no jornalismo feito pela Caros Amigos? Qual é a diferença da narrativa do jornalismo alternativo e do jornalismo da grande imprensa (lide)? Existe alguma influência do movimento do new journalism na Caros Amigos?
Existe o componente literário, o jornalista que escreve tem que ter essa preocupação, que já vem da própria escolha da profissão. A moçada que decide entrar para ela traz isso de casa. É difícil, senão impossível, o jornalista escrever bem se não teve anteriormente o hábito, gosto, paixão muitas vezes, da leitura. Há debochados que brincam dizendo que todo jornalista é um escritor frustrado. Não sei se é isso mesmo, sei que gostar de escrever literatura certamente faz parte das idéias de quem entra na roda. Não vejo diferenças marcantes na narrativa quando se trata de revista de leitura, como a nossa e outras (que são poucas, na verdade).O new journalism é de altíssimo respeito, mas deixou de ser new.

O que você acha do lide?
Acho dispensável, porque não acredito em regras para escrever na imprensa, ou nunca teríamos nada novo no horizonte.

Você considera a Caros Amigos uma revista contra-hegemônica? A Caros Amigos subverte o princípio do lide?
Se o termo é esse, somos contra-hegemônicos, no sentido de não seguir a via fácil ditada pelo establishment e pela mídia grande. Não diria que subvertemos o princípio do lide, mesmo porque somos uma publicação mensal e o lide seria (ainda) apropriado para os jornais diários, para a notícia.

Você acha que o jornalismo feito pela Caros Amigos, se lido por grande parte da população, poderia contribuir para uma sociedade mais informada? Por outra sociedade?
É dessa pretensão que vivemos, nós jornalistas. Se não houver tal ambição, é melhor cuidar de outro trabalho. É evidente, pelo menos pra mim, que se a imprensa, os meios de comunicação se preocupassem com a informação mais aprofundada do que a que se vê hoje, a sociedade seria outra. Qualquer pessoa pode imaginar como a sociedade seria mais consciente se a Globo, por exemplo, que chega em todas as casas todo santo dia, dia e noite, se por acaso se dedicasse a mostrar e discutir o que é importante para a educação de uma população, além do entretenimento.

Como você classificaria o jornalismo feito pela Caros Amigos?
Um jornalismo independente de fato, não de slogan.

É uma revista de esquerda?
É uma revista de esquerda, e agora um publicitário amigo (e voluntariamente), Zoca Moraes, se ofereceu para nos ajudar na promoção de Caros Amigos e já criou um slogan pra revista: “A primeira à esquerda”.

Fonte: Caros Amigos


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