terça-feira, 12 de maio de 2009

Dia histórico para o Iraque

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Dia histórico para o Iraque, mas não como os ingleses querem crer

por Robert Fisk, 1º de maio/2009

no The Independent, UK


179 soldados ingleses mortos. Em troca de quê? De 179 mil iraqueanos mortos? Ou o número verdadeiro estará mais perto de um milhão? Não sabemos. Nem nos interessa. Os ingleses jamais nos preocupamos com os iraqueanos. Por isso, não sabemos com certeza nem esse número. Por isso, os ingleses saímos ontem de Basra.

Lembro que estive na famosa base aérea de Basra, procurando informação sobre como morrera um pobre rapaz iraqueano, recepcionista de hotel, chamado Bahr Moussa. Foi espancado até a morte, quando estava sob custódia militar dos ingleses. Seu pai era policial iraqueano. Conversei com ele, na presença de uma jovem muçulmana. O inglês, Relações Públicas no aeroporto, ria. Minha acompanhante muçulmana comentou: "Ele não se importa." Minha acompanhante importava-se. Eu também. Cobri guerras na Irlanda do Norte. Já ouvira antes aquela risada. Por isso, o dia da retirada dos ingleses, ontem, deveria ser chamado "Dia de Bahr Moussa". Ontem, o país de Bahr Moussa livrou-se do assassino de Bahr Moussa. Até que enfim.

A história é instrutora dura. Na minha biblioteca, tenho um original do discurso do general Angus Maude ao povo de Bagdá – custou-me 2 mil dólares num leilão por telefone, poucos dias antes de a Inglaterra invadir o Iraque em 2003, mas vale cada centavo. "Nossas operações militares têm, por objetivo" – Maude anunciava –, "a derrota do inimigo (...). Nossos exércitos não vêm às suas cidades e terras como conquistadores ou inimigos, mas como libertadores." E por aí vai. Maude, devo acrescentar, morreu pouco depois, porque recusou-se a ferver o leite em Bagdá e morreu de cólera.

Depois de seis anos, um mês e 11 dias, os ingleses dão por encerrada sua missão militar no Iraque.

Ali aconteceu o que sempre acontece. A força de ocupação inglesa enfrentou a resistência iraqueana – "terroristas", claro – e os ingleses destruíram uma cidade chamada Fallujah e exigiram a rendição de um clérigo xiita e a inteligência inglesa em Bagdá reclamou que "terroristas" estavam entrando pela fronteira da Síria, e Lloyd George – o Blair-Brown daquela época – discursou na Câmara dos Comuns e disse que haveria "anarquia" no Iraque se os soldados ingleses saíssem de lá. Ah, meu deus! Envergonha-me até escrever essas palavras.

Aqui, por exemplo, há uma carta escrita por Nijris ibn Qu'ud a um agente da inteligência britânica em 1920: "Vocês não podem nos tratar como ovelhas. Os iraqueanos somos o cérebro da nação árabe. Vocês tem algum tempo para sair da Mesopotâmia. Se não saírem, serão arrancados de lá."

Consideremos, afinal, T.E. Lawrence. É, Lawrence da Arábia. No Sunday Times de 22 de agosto de 1920, ele escreveu, do Iraque, que "os ingleses foram arrastados para uma armadilha na Mesopotâmia da qual será difícil escapar com dignidade e honra. Foram enganados por fluxo regular de desinformação. As coisas eram muito piores do que nos contavam. Nossa administração, sempre mais sangrenta e incompetente do que o público sabe." Ainda com mais clareza, Lawrence escreveu que os iraqueanos não teriam arriscado a vida em combate, para se deixarem subjugar pelos ingleses. "Não se pode saber por antecipação se estão ou não preparados para a independência. A liberdade não exige qualquer mérito comprovado."

Infelizmente, não. O Iraque, mendigando pela Europa, agora que se esgotou sua riqueza do petróleo, é imagem de dar pena. Mas está um pouco mais livre do que antes. Destruímos seu ditador e nosso amigo (um certo Saddam), e, agora, arrastando aos nossos pés os nossos mortos, estamos sendo arrancados de lá outra vez. Até que tudo recomece.

Fonte: Vi o Mundo

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