terça-feira, 12 de maio de 2009

Não dá mais para esperar

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foto: Antonio Cruz/Agência Brasil
Enchentes.  A verdade é que passamos dos limites e, agora, espera-se que tenhamos pelo menos instinto de sobrevivência para reconhecer que é preciso ...
Enchentes. "A verdade é que passamos dos limites e, agora, espera-se que tenhamos pelo menos instinto de sobrevivência para reconhecer que é preciso mudar para enfrentar as dificuldades", diz Marina

Não dá mais para esperar!

por Marina Silva*

Para quem imagina a Amazônia apenas como expressão de uma grandiosa floresta, o conhecimento de que ela é também a casa de mais de 25 milhões de brasileiros veio de maneira dolorosa, por meio das imagens das enchentes dos últimos dias. Da mesma forma, parece quase incompreensível que o Nordeste, costumeiramente associado à seca, esteja assolado pelo excesso de chuvas.

Até o último fim de semana, segundo a Secretaria Nacional de Defesa Civil do Ministério da Integração Nacional, os estragos provocados pelos alagamentos já haviam deixado um saldo de 38 mortos, quase 800 mil pessoas afetadas e danos em 287 municípios localizados nos estados do Ceará, Maranhão, Piauí, Paraíba, Rio Grande do Norte, Bahia, Alagoas, Amazonas e Pará. Os prejuízos ultrapassam 1 bilhão de reais só no Nordeste.

Em novembro do ano passado, o país assistia estarrecido as enchentes e deslizamentos em Santa Catarina. Em menos de um ano, portanto, temos perdas irrecuperáveis em vidas, histórias de vida e bens materiais, além de desequilíbrios econômicos regionais de monta.

A discussão de fundo nesse período tem sido a pertinência de se atribuir esses fenômenos a mudanças climáticas provocadas pela excessiva emissão de gases do efeito estufa em todo o mundo, detectadas pelos especialistas do IPCC-Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU. Para o climatologista Carlos Nobre, do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE) e membro do IPCC, eventos extremos, como chuvas abundantes que quebram recordes históricos na Amazônia e no Nordeste e seca persistente em partes do Sul e no Uruguai e Argentina, fazem parte de um quadro de aquecimento do planeta. Embora fenômenos semelhantes tenham ocorrido no passado, agora estão muito mais intensos e frequentes.

Nas regiões isoladas e carentes da Amazônia e do Nordeste tais ocorrências pioram a já insustentável condição social da população, aprofundam a miséria, solapam os pequenos patrimônios construídos a muito custo, danificam a precária infraestrutura local e afetam sobretudo a produção agrícola de subsistência. Nas cidades, bairros inteiros desaparecem, deixando milhares de pessoas ao desamparo, em abrigos precários, tendo que lidar com o drama da perda ou afastamento de suas casas, ao mesmo tempo em são forçadas a suportar condições muito adversas de alimentação, higiene e riscos de doenças.

A imprensa tem reportado a dificuldade das autoridades para lidar com isso, o que mostra o quanto estamos despreparados para essa nova e preocupante realidade. É urgente o envio de toda ajuda aos atingidos pelas enchentes e pela seca, mas é vital nos prepararmos porque elas acontecerão cada vez com maior intensidade e frequência.

Não podemos continuar olhando esses fenômenos climáticos como fatos isolados ou "acidentes". A comunidade científica alerta que já vivemos sob efeitos das mudanças do clima e isso demanda completa revisão na forma de elaborar e implementar políticas públicas. É imperativo que passem a incorporar o componente da segurança ambiental em seu planejamento, de modo a criar uma nova competência nas estruturas públicas e novos comportamentos preventivos na sociedade. Ao mesmo tempo, é impensável recuar um só passo na aplicação da legislação ambiental. Tentar afrouxar cuidados ambientais é o mesmo que manter permanentemente acesa a chama do caldeirão do caos.

A Convenção do Clima recomenda três eixos de atuação. O primeiro, da mitigação, diz respeito ao que se pode fazer para atenuar o processo. Embora ainda difuso e insuficiente, é possível verificar um esforço nesse sentido, em termos globais. O segundo é o da adaptação às novas realidades, e o terceiro é o do enfrentamento das vulnerabilidades. Esses dois últimos têm um deficit enorme de implementação, com custos altíssimos para a sociedade em geral e insuportáveis para as pessoas diretamente atingidas.

O Brasil tem que começar a conviver com uma agenda sistemática de adaptação, ou seja, montar uma estrutura à altura das necessidades da população, atuando preventivamente para reduzir perdas humanas e prejuízos individuais e coletivos. É urgente pensar em mecanismos adicionais à atuação dos bombeiros e da defesa civil, e em treinamento para a população, de modo a que possa minimamente tomar iniciativas em sua auto-defesa.

Não podemos mais tratar essas situações como parte do processo natural e conhecido de convivência com a natureza. A verdade é que passamos dos limites e, agora, espera-se que tenhamos pelo menos instinto de sobrevivência para reconhecer que é preciso mudar para enfrentar as dificuldades. Por mais difícil que seja essa adaptação, ainda faz mais sentido do que nada fazer e apenas contabilizar seguidas desgraças.

*Marina Silva é professora secundária de História, senadora pelo PT do Acre e ex-ministra do Meio Ambiente.

Fonte: Terra Magazine

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