domingo, 3 de maio de 2009

TORTURADORES DE BOA-FÉ

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por Eliakim Araujo

Os republicanos não mudam e agridem duramente quem queira mudar a imagem belicista e antipática dos EUA perante o mundo.

Na manhã deste domingo, um senador republicano, John Ensign, chamou de “irresponsável” o presidente Obama porque apareceu rindo e brincando com o presidente venezuelano Hugo Chávez numa foto divulgada no mundo inteiro. Para o senador, “o prestígio dos Estados Unidos e do presidente dos Estados Unidos não permite que ele apareça ao lado de qualquer um “, ainda mais ao lado de alguém “que é um brutal ditador e um violador dos direitos humanos”.

Essa extrema direita americana, infiltrada em setores da política, da mídia e de grandes corporações, reage vigorosamente às novas tendências da política externa do governo Obama, de dialogar com todos os países, mesmo aqueles que têm sido hostis à política de Washington nos últimos anos, como Irã e Coréia do Norte. Outro motivo de polêmica, e de reação dos cubanos mais conservadores de Miami, é a possibilidade cada vez mais forte do diálogo Havana-Washington, que culminaria com o fim do bloqueio econômico à Ilha, sobretudo depois que o governo norte-americano liberou as viagens e remessas de dinheiro dos EUA para Cuba.

Na última semana, passou quase despercebida pela mídia a liberação de documentos do governo Bush sobre a tortura, ou melhor, sobre “técnicas de interrogatório” dos suspeitos de terrorismo presos em Guantânamo e em outras prisões secretas norte-americanas espalhadas pelo mundo.

Um desses documentos, da autoria de Jay Bybee, procurador-geral adjunto, e John Rizzo, conselheiro da CIA, na administração Bush, "ensina" que

“Para violar a lei, a pessoa deve ter a intenção específica de infligir severa dor ou sofrimento… porque a intenção específica é um elemento da ofensa, a ausência de intenção específica invalida a acusação de tortura…se o acusado (torturador) agiu com boa-fé, acreditando que suas ações não causam tanto sofrimento, ele não agiu com intenção específica”.

Ou no original em inglês:

“To violate the statute, an individual must have the specific intent to inflict severe pain or suffering… Because specific intent is an element of the offense, the absence of specific intent negates the charge of torture. ... if a defendant acts with the good faith belief that his actions will not cause such suffering, he has not acted with specific intent."

Alguém já viu algo juridicamente mais grotesco, um torturador de boa-fé? Pois foi com base nesse memorando, de 2002, que respondia a uma consulta sobre até que ponto poderiam ir os torturadores com determinado preso, que eles se sentiram seguros para fazer o que fizeram nestes anos todos.

Com o aval do governo, eles seguiram ao pé da letra as recomendações e criaram suas próprias "técnicas de interrogatório": simular um afogamento, onde o preso tem a sensação de que vai morrer asfixiado (waterboarding), impedir que ele durma, dar tapas em seu rosto ou confiná-lo num pequeno espaço onde ele mal possa se mover, na companhia de insetos que picam. Nada disso significou tortura, para o pessoal da administração Bush.

A essa altura, é bem provável que os torturadores brasileiros peguem carona nesse parecer bushista, para argumentar que, no caso de Stuart Angel Jones, que morreu sufocado por gás carbônico depois que teve a boca amarrada ao cano de descarga de um jipe da Aeronáutica, em 1971, não houve “intenção específica” de provocar dor ou sofrimento.

No caso dos torturadores americanos, eles podem ficar tranquilos porque o presidente Obama já avisou que nada vai acontecer a quem autorizou e a quem executou os "interrogatórios". Ele disse que "o momento é de reflexão, não de castigo". E deixou claro que prefere encerrar "um capítulo obscuro e doloroso da história americana".

Declarar encerrado um capítulo da história é cômodo, mas não deixa de ser um perigoso precedente para a prática de novas selvagerias em nome da segurança.

Fonte: Direto da Redação

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