terça-feira, 12 de maio de 2009

Recursos Naturais - Bênção ou maldição?

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Para o Nobel de Economia Edmund Phelps, a riqueza em recursos naturais pode atrapalhar mais que ajudar um país como o Brasil.

A Daniel Pinheiro

Quem festeja a descoberta das grandes reservas de petróleo na camada pré-sal feitas pela Petrobras nos últimos dois anos pode ficar surpreso ao ouvir a expressão “maldição dos recursos naturais” dita por Edmund Phelps, Prêmio Nobel de Economia em 2006, no II Fórum de Comunicação e Sustentabilidade, evento apoiado por CartaCapital e realizado nos dias 6 e 7 de maio no Palácio das Convenções do Anhembi, em São Paulo.

Para o professor da universidade de Columbia, a “riqueza abundante” proporcionada pela simples exploração dos recursos naturais de uma nação pode ser contraproducente, em vez de aumentar o desenvolvimento econômico e social. “Basta olhar para Hong Kong para ver que é possível um país se desenvolver perfeitamente sem ter abundância de recursos naturais. O contrário também não é regra, mas é possível notar que alguns que concentram sua atividade econômica na produção de commodities sofrem bastante com a falta de inovação e são deixados para trás.”

Inovação é a palavra-chave em muitas das respostas concedidas por Phelps nesta entrevista. Segundo o economista, uma das principais razões da atual a crise econômica mundial é a queda gradual, mas constante, do dinamismo que economia norte-americana vem registrando desde meados de 1990. “São claros os sinais de que a máquina de inovação dos EUA está perdendo força.” Crítico do Plano Obama de recuperação da economia, Phelps acredita que a solução está mais no estímulo para o surgimento de iniciativas economicamente inovadoras do que no endurecimento excessivo da regulamentação dos mercados financeiros. Leia agora a íntegra da entrevista que foi publicada parcialmente na edição 545 de CartaCapital.

CartaCapital: Em sua exposição, o senhor disse que o Brasil é “amaldiçoado” por seus recursos naturais.
Edmund Phelps:
Disse que recursos naturais podem trazer riqueza abundante, e pode ter um efeito negativo, de diminuir a ambição necessária para uma sociedade se desenvolver. Neste caso, você tira um elemento importante da equação, a propensão a correr riscos de uma sociedade. Eu acho que o Brasil está em seu caminho para o desenvolvimento e que recursos naturais são recursos de qualquer maneira e vocês têm de usá-los, mas eu não acredito que essa abundância será crucial para o desenvolvimento do Brasil. Se o país só contar com isso e não tiver, por exemplo, espírito empreendedor e instituições que promovam e estimulem os processos de inovação, os empregos das pessoas são maçantes e os salários são mais baixos. Economias baseadas em commodities tendem a não ser tão inovadoras.

CC: No início do ano o senhor disse que o Plano Obama não era “coerente o suficiente”. De lá para cá, há algum fato novo que tenha mudado sua avaliação?
EP:
Provavelmente, disse isso pensando haver a opção por projetos de infraestrutura, alguma coisa de redução de impostos também, e com o acúmulo de sugestões e dificuldade em escolher algumas, deixaram o processo na mão dos congressistas. Desde então, surgiram muitos projetos ligados a tecnologias de ponta, que não criam nenhum posto de trabalho, uma série de projetos políticos, que podem agradar administradores públicos mas não terão muito efeito sobre a produtividade do país. Para mim, parece que a surpresa seria se eles agissem de maneira diferente. Muitos recursos estão sendo destinados a projetos de resultado duvidoso, mas até eles estarem em operação já devemos estar em 2010 e pode ser que as coisas estejam melhores.

CC: Há falta de vontade política da administração Obama?
EP:
Um exemplo claro de projeto que poderia ter sido adotado logo no início do governo Obama é o de conceder subsídio para estimular a contratação de trabalhadores de baixa renda, que só agora começa a ser cogitado. É bom, pois o custo não é alto e faria uma diferença significativa neste mercado, além de ser uma atitude coerente e transparente. Se não funcionar, tudo bem, o abandonamos e não perdemos muito dinheiro. Porém, politicamente, poderia haver a impressão de radicalização e os democratas poderiam perder caso o projeto fosse votado logo no início do ano, o que seria péssimo para um governo que tinha acabado de assumir o poder.

CC: Qual é a natureza dessa crise?
EP:
Esta crise pode e vai ser resolvida, mas baseado nos dados que temos em mãos, é possível dizer que ela é resultado de uma queda gradual do dinamismo da economia norte-americana. Talvez o mesmo possa se dizer do Reino Unido, mas não das economias da Europa Ocidental, pois elas nunca foram dinâmicas mesmo, não é? (risos). Então, acho que é algo que começou (a crise), em meados dos anos 1990 e durou até meados da década atual, 2005, talvez 2006, e há uma variedade de causas que teriam inciado este processo, como o declínio do Vale do Silício (região da Califórnia sede de grandes empresas de tecnologia) e a dificuldade de novas empresas passarem a ter para levantar capital.

CC: As lições ensinadas pela crise mostram ser necessário mais regulamentação para o setor financeiro?
EP:
Acho que sim. É preciso se proteger de algumas práticas, como a alavancagem excessiva promovida por alguns bancos de investimento nos EUA e no Reino Unido. É preciso também fazer algo em relação às agências de classificação de risco. Há algumas boas regulamentações a serem adotadas, e se elas existissem, muitos dos problemas da crise não teriam ocorrido. Mas, por outro lado, também me preocupa a regulamentação excessiva. Os fundos hedge tem sido alvo fácil e pode parecer não haver função social na constituição de um fundo desses, mas muitos deles criaram condições para que o crédito fosse concedido para empreendedores em busca de inovação, clientes que tradicionalmente são recusados pelas instituições financeiras tradicionais.

CC: É correto dizer que esta crise levará a taxa natural de desemprego nos EUA para um patamar mais elevado que antes? Este aumento chegará ao Brasil e a outras nações em desenvolvimento?
EP:
Nos EUA, a taxa natural deve subir dos usuais 5,5%, que se mantinham desde meados dos anos 1990, antes do boom da internet e da bolha imobiliária, para 6%, talvez 6,5%.
Quanto ao Brasil, acho que não há razão para acreditar que a economia irá apresentar agora sinais de declínio em seu dinamismo. Para ser sincero, tenho uma impressão melhor em relação à América Latina do que eu tinha há cinco ou dez anos. Colômbia, Chile, estão indo bem... Mesmo o México, com todos os problemas trazidos pela proximidade dos EUA, está indo relativamente bem. E o Brasil é o líder deste grupo de economias.

CC: A crise atual é uma oportunidade para os países em desenvolvimento se aproximarem dos países do chamado primeiro mundo?
EP:
Alguns mercados deixarão de ser explorados pela Europa e pela América do Norte, por conta das dificuldades financeiras, pouca lucratividade e falta de liquidez e pode ser uma chance para uma economia como a brasileira entrar em mercados em que a concorrência seria muito mais acirrada. Eu sempre sustentei a idéia de que se os EUA fossem enfraquecidos, seria bom para o resto do mundo. Eu sei que é uma posição controversa, mas é bom para outros mercados exportadores. O outro lado da moeda é que uma América fraca investe menos e consome menos, e a demanda mundial seria reduzida de maneira significativa.

CC: O senhor já se mostrou favorável a programas de complementação de renda como o Bolsa Família. É melhor seguir com ele ou apostar mais na educação tecnológica?
EP:
Se for para abandonar o Bolsa Família, nunca. Este não seria um avanço, e sim um terrível passo atrás. Quanto à educação tecnológica, particularmente prefiro mais pessoas recebendo educação básica. Quando o jovem estiver nessa profissão, e somente a partir deste ponto, tudo bem buscar educação de perfil mais técnico. Melhor é cada vez mais crianças a receber uma educação generalista de mais qualidade nos primeiros anos, que aprendam filosofia, literatura, ciências humanas, idiomas, que recebam um empurrão e um “boa sorte” e sejam deixadas soltas no mundo para promoverem a inovação.

CC: Há uma impressão, e o senhor parece concordar com ela, de que o Brasil está em uma posição privilegiada para superar esta crise global e ainda ser capaz de crescer em meio a ela. Qual seria a receita para promover uma melhor distribuição da renda gerada por este crescimento?
EP:
Há muito espaço para a melhora no setor bancário brasileiro, que age de maneira conservadora no sentido ruim, porque me parece que não faz um bom trabalho para servir às necessidades do País ou fomentar pequenas e médias empresas que busquem inovação. Esta me parece uma grande melhora possível de ser feita.

CC: Se tomarmos o contexto da crise financeira mundial, há alguma região específica do globo que inspire mais preocupação?
EP:
Eu costumava ter a impressão que a América Latina estaria em grandes apuros, mas o desenvolvimento da crise me fez pensar de maneira diferente. Eu acho que a África e partes do Oriente Médio serão as regiões que terão os maiores problemas.

CC: Em sua palestra no fórum, o senhor disse que seria bom que surgissem bancos à moda antiga, que apostassem na inovação, como o caso do Deutsche Bank financiando uma empresa desconhecida e inovadora como a Edison Company no início do século XX. Este tipo de banco ressurgirá com o fluxo normal de retomada do sistema bancário pós-crise ou é o tipo de iniciativa que tem que ser fomentada por ações governamentais?
EP:
Quem dera este fosse o fluxo normal... A conseqüência de se investir em inovação é que a remuneração é bastante incerta. Então, na minha opinião, deve haver algum tipo de subsídio governamental para estimular o capital privado a financiar projetos que tragam inovação. O governo tem que desempenhar este papel de organizar estas iniciativas.

CC: A educação é tida como um fator determinante para que a promoção do crescimento econômico, e que países pobres como o Brasil e alguns africanos ficaram de fora desta onda positiva por ter problemas gritantes relacionados à educação. Resolver estes problemas é suficiente para colocar um país no caminho para o desenvolvimento?
EP:
De novo a educação? (risos) Eu achei que você ia perguntar se falta mais alguma coisa para o Brasil, já que a educação parece estar no caminho certo, o que falta melhorar? Na verdade eu não gosto é da premissa da pergunta, que a educação é o ponto inicial e o ponto final para que uma sociedade consiga ter sucesso. Há muitas pessoas sem muita educação formal que se dão muito bem. A escola não é a única instituição importante para o desenvolvimento da sociedade. Instituições econômicas são importantes, empresas são importantes, instituições governamentais são importantes, dar às pessoas a noção de negócios, de empreendedorismo, eu acho que essas coisas também são importantes. Eu agora fico tentando lembrar de um modelo que sirva para o Brasil... Há algum país em que os brasileiros se espelham para seguir como modelo?

CC: No Brasil sempre foi muito difundido o exemplo de países que basearam seu crescimento econômico na educação, ou pelo menos sempre nos venderam essa história assim, como a Espanha e a Coréia do Sul. Há esse tipo de mito, de que se você investir em educação como fizeram estes dois países, o crescimento virá de maneira quase automática. Parece-me que o senhor não concorda com este raciocínio.
EP:
É verdade, eu realmente não concordo com essa premissa, porque ela é insuficiente. Esta é a maldição que a escola econômica de Chicago legou para pelo menos uma ou duas gerações, talvez três, a de que basta investir em capital humano e está tudo bem, tudo vai acontecer.

CC: Não é suficiente?
EP:
Não, de maneira nenhuma! É preciso fortalecer as instituições econômicas, é preciso passar por um processo de amadurecimento por qual todos os países passam. Deixe-me falar sobre algo interessante que descobri não faz muito tempo. Eu fui buscar informações sobre as grandes decolagens no desenvolvimento histórico de alguns países, como a Bélgica e a França em 1810 ou 1815, a Alemanha um pouco depois disso, e a Inglaterra, que era o grande parâmetro de desenvolvimento na época talvez tenha decolado entre França e Alemanha... Eu fui checar as informações que mostram a decolagem nos EUA, e eles conseguiram isto antes de todos esses países. Como este jovem país sem muita história consegue decolar antes de países sofisticados, como Bélgica, França e Inglaterra? Eu achei a resposta em um ensaio histórico que li recentemente: George Washington e Alexander Hamilton. E o que eles fizeram foi implantar uma série de instituições de fomento econômico, que estimulavam o crescimento, baseado não na história conhecida, e sim no conhecimento que tinham conseguido ao governar o país. E foi assim, Washington indicou Alexander Hamilton como seu ministro das Finanças e criaram estas instituições o mais rápido que puderam, e isso deu certo. Eu sei que não é uma resposta exata, mas podemos dizer que os EUA já eram um país com uma cultura comercial muito forte, de muito comércio exterior, como a Escócia nos 1700 ou a Itália nos 1400 e 1500. É preciso muita coisa para que o crescimento econômico seja estimulado, muitas dimensões a serem consideradas. A educação é crucial, mas não é a única dimensão.

CC: Os governos devem tomar uma posição de vanguarda em relação à promoção do crescimento sustentável, e buscarem ser agentes de inovação em áreas como fontes de energia limpas e preservação do meio ambiente, e abrir uma frente de recuperação da economia pós-crise?
EP:
Bem, historicamente os governos não são entidades que promovem a inovação, e mesmo quando o fazem, não se tratam de inovações que permanecem, que deixam uma marca. Então, eu não vejo essas iniciativas como fontes confiáveis para a recuperação da economia, antes de mais nada porque, nos EUA, o setor público não é tão grande assim para fazer a diferença, o setor privado é enorme, as iniciativas governamentais são pequenas e localizadas e não acho que seriam transformadoras o suficiente para se tornarem uma nova fonte de postos de trabalho. Será que a inovação governamental nesse setor irá produzir novos produtos e serviços que serão relevantes para a retomada do crescimento econômico? Eu sou bastante cético em relação a isso, porque as agências governamentais que poderiam promover esse tipo de iniciativa sofrem muita influência política, muita influência de lobbies.

CC:O senhor acha que os sindicatos são um entrave para o Brasil na questão do emprego.
EP:
Eu não tenho problemas com sindicatos no setor público, os trabalhadores precisam de proteção contra um empregador monolítico e poderoso como o governo central. Mas eu não acho que trabalhadores precisem de proteção contra pequenas empresas que estão aí tentando criar postos de trabalho. Qual é o objetivo de um sindicato que lute contra empregadores de pequeno porte que se importam o suficiente para tentar criar novos postos de trabalho? Para mim, é uma idéia ridícula. Se você achar algum sentido para isso, por favor, conte para mim.

CC: No Brasil, em geral as pessoas acham que o Estado é o melhor empregador que existe, em razão da existência de vários benefícios, como estabilidade, aposentadoria integral. Talvez não seja assim nos EUA.
EP:
Ah não, lá também é assim, os funcionários públicos, como policiais e bombeiros, têm muitos benefícios. Com seus 35, 40 anos eles se aposentam, ou mesmo com 20 anos de serviço, mas eu sei que isso não acontece apenas nos EUA, mas em vários lugares. Na verdade, eles se conversam ao redor do globo, sabe? (risos) Eles estabelecem estes padrões de maneira conjunta...

Fonte: Carta Capital

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