por Leonardo Sakamoto
Brasília – A Organização Internacional do Trabalho lança hoje o relatório “O Custo da Coerção” que detalha os crescentes casos de práticas criminais e fraudulentas que levam pessoas à situação de trabalho forçado e clama por um aumento nos esforços mundiais para erradicar essas práticas.
A experiência brasileira é considerada a referência positiva pelo relatório, repetindo o último relatório global sobre trabalho forçado em 2005. O lançamento é mundial e aqui ele está sendo feito no escritório da OIT em Brasília. Devem estar presentes Laís Abramo, diretora da organização no Brasil, e o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, além de representantes do Ministério do Trabalho e Emprego e da Procuradoria Geral do Trabalho.
“Trabalho forçado é a antítese do trabalho decente”, disse o diretor geral da OIT Juan Somavia em comunicado à imprensa. “Isso causa indescritível sofrimento humano e perdas para suas vítimas. O trabalho forçado moderno pode ser erradicado”, afirma, lembrando que para isso é necessário um esforço integrado da comunidade internacional, em todos os níveis – governos, empregadores, trabalhadores e sociedade civil.
O relatório estima que o custo da coerção no mundo, em termos do que o trabalhador deixa de ganhar e/ou perde na exploração, chega os 20,9 bilhões de dólares. Isso representa um poderoso argumento econômico, tanto quanto um imperativo moral, para pressionar os governos para colocarem o tema entre suas mais importantes prioridades.
“Em uma situação de crise, são os vulneráveis que mais sofrem. Nesses tempos, é fundamental garantir que ajustes não sejam feitos às custas de salvaguardas que foram sendo obtidas a muito custo para prevenir o trabalho forçado e o tráfico de pessoas em cadeias produtivas.”
O estudo traz um panorama dos esforços globais para combater o trabalho forçado. “Muito do trabalho forçado é ainda encontrado em países em desenvolvimento, frequentemente na economia informal e em regiões isoladas com pouca infra-estrutura, fiscalização do trabalho e cumprimento da lei”, diz o relatório. “Isto apenas pode ser resolvido através de políticas e programas integrados, revezando o cumprimento da lei com medidas de prevenção e proteção e garantindo que aqueles que estão em risco de se tornarem escravos possam defender seus direitos.”
Seguem trechos do relatório relativos ao Brasil:
Fiscalização - O governo federal do Brasil tem fornecido periodicamente informação sobre o número de pessoas liberadas de situação de trabalho escravo. Em meados de 2008, havia, em nível nacional, sete equipes de inspeção móvel, integradas por inspetores e fiscais do trabalho, bem como por policiais federais para garantir a segurança das equipes.
Condenações - Apesar do elevado número de casos detectados e de pessoas liberadas no Brasil, a justiça penal traduziu-se em poucas condenações por trabalho forçado. O valor da indenização judicial mais elevada, imposta em 2006 a um proprietário em cujas terras foram liberadas 180 pessoas que se encontravam em condições de “trabalho escravo”, chegou a R$ 5 milhões. Em maio de 2008, o Tribunal Federal do Maranhão impôs uma condenação de 14 anos a Gilberto Andrade.
Observação: Como foi fechado no ano passado, o relatório fala sobre uma única condenação com pena de privação de liberdade. Ele ficou famoso em 2008 por ter sido acusado de queimar um dos trabalhadores libertados com ferro em brasa de marcar gado. Mas, neste ano, o cenário está um pouco melhor. Apenas na Justiça Federal em Marabá (PA), o juiz Carlos Henrique Haddad divulgou, de uma só vez, a condenação de 27 pessoas pelo crime de trabalho escravo
Plano Nacional – Na América Latina temos alguns dos melhores exemplos de planos de ação contra o trabalho forçado. O Brasil adotou em 2003 seu primeiro plano de ação contra o trabalho escravo, que serviu de ponto de partida para uma decidida coordenação interministerial através da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Com base nesta experiência, em setembro de 2008 foi adotado um segundo plano de ação, que incorpora importantes medidas, como garantias aos trabalhadores estrangeiros submetidos a condições de trabalho forçado no Brasil.
Estudos – De acordo com a OIT, no Brasil, alguns estudos recentes permitiram conhecer melhor o perfil das pessoas submetidas ao trabalho forçado. Por exemplo, quase todos começaram a trabalhar antes dos 16 anos de idade, e mais de um terço antes dos 11 anos, na maioria para ajudar os pais em atividades agrícolas.
Latifúndio - Destaca que uma parte importante das atividades dos que usaram escravos estavam vinculadas a práticas ilícitas que causaram o desmatamento da região amazônica. E muitos desses estabelecimentos rurais são de grande extensão, de até 30.000 hectares ou mais.
Setor empresarial - Os esforços combinados das empresas, da sociedade civil e do governo para lutar contra o trabalho forçado no Brasil são um excelente exemplo do que se pode conseguir mediante este tipo de iniciativas. No setor siderúrgico, foi realizada uma importante ação conjunta contra o trabalho forçado, que começou em 2004, quando a Associação das Indústrias Siderúrgicas da Região de Carajás (ASICA), com a ajuda do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e da OIT, assinou um Pacto da Indústria Siderúrgica. No marco deste Pacto foi criado o Instituto Carvão Cidadão (ICC), com a finalidade de eliminar o trabalho forçado na cadeia de produção do aço.
A pedido do ministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, a ONG Repórter Brasil trabalhou com a OIT para realizar um estudo da cadeia produtiva dos bens produzidos pelas empresas que aparecem na denominada “lista suja” (publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego a cada seis meses com os nomes dos empregadores e empresas que recorrem a práticas de trabalho forçado). Dois estudos foram feitos, em 2005 e 2007. Estes têm sido instrumentos valiosos para aumentar a sensibilização do público em geral, bem como de empregadores, em relação com o risco de trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Como resultado deste estudo, a OIT e o Instituto Ethos estabeleceram contato com as empresas identificadas na investigação a fim de alerta-las sobre a existência de trabalho forçado em suas cadeias produtivas. Desta iniciativa, surgiu o Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, de maio de 2005. Entre os mais de 180 signatários, em 15 de julho de 2008, figuram grandes cadeias de supermercados e grupos industriais e financeiros que, em conjunto, representam um quinto do PIB do Brasil.
Educação - Uma estratégia útil consiste no uso dos meios de comunicação e na realização de campanhas para sensibilizar o público sobre os possíveis perigos da migração mal planejada ou “às cegas” ou da aceitação de ofertas de trabalho sem garantias ou proteção adequadas. No Brasil foram realizados seminários com jornalistas para promover a apresentação de informação ampla e responsável sobre questões relativas ao trabalho em regime de escravidão, o que conduziu a um aumento significativo da cobertura jornalística do tema. Outra iniciativa, denominada “Escravo, nem pensar!”, esteve dirigida às principais regiões de emigração. A OIT colaborou com a ONG Repórter Brasil em uma campanha de prevenção que incluiu a sensibilização e capacitação de professores, educadores e líderes comunitários. Entre 2004 e 2008 mais de 2.000 pessoas participaram destas atividades em mais de trinta localidades. Ao contar com o apoio do Ministério da Educação, esta iniciativa abriu caminho para a inclusão de questões relativas ao trabalho forçado nos programas de estudo.
Fonte: Blog do Sakamoto
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