segunda-feira, 18 de maio de 2009

Na melhor escola de São Paulo, professores não cobram os alunos

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A escola da Embraer fez festa para comemorar o 1º lugar no Enem

A escola da Embraer fez festa para comemorar o 1º lugar no Enem


por Ana Paula Sousa

Na tarde da última sexta-feira, houve festa embalada por DJ no colégio da Embraer, em São José dos Campos.

A Escola Engenheiro Juarez Wanderley, localizada nos arredores da cidade, reuniu os 600 alunos atuais a turma que se formou em 2008 para comemorar o resultado obtido no Enem.

O colégio, um projeto social mantido pelo Instituto Embraer, obteve o primeiro lugar no Estado de São Paulo e ficou em oitavo lugar na classificação nacional. Criada em 2002, é a mais “jovem” escola na ponta do ranking.

Convidada por uma aluna (participante de uma oficina que dei no SESC de São José), resolvi conhecer essa ilha de excelência.

O que teria de diferente esse colégio que reúne apenas alunos egressos da rede pública e tem um índice de 100% de aprovação no vestibular – sendo que 80% dos alunos entraram em universidades estaduais e federais?

Lá chegando, encontrei adolescentes que, como em qualquer outra escola, estão prontos a rir de qualquer coisa (um espirro alto, no meio do discurso do diretor, foi o hit da tarde) e casais tomando cuidado para não serem flagrados em carinhos excessivos.

Ao mesmo tempo, havia no ar uma disciplina sem bedeis e, na hora do Hino Nacional e dos breves discursos, uma expressão de indisfarçável orgulho.

Quem me levou para conhecer a escola foi Laura Blane, 16 anos, aluna do segundo ano e integrante da equipe de relações públicas.

\"Quando entrei aqui, minhas notas pioraram\", diz Laura, a cicerone

Um quadro, logo à entrada, exibe as fotos da última turma e o nome das faculdades e cursos nos quais foram aprovados os ex-alunos.

Troféus recebidos em torneios esportivos e educacionais são apontados por Laura com minuciosa explicação.

Ela também faz questão de chamar a atenção para os armários dispostos nos corredores – “Todos temos nossos armários e nossa chave” – e para as caixas de correio onde podem ser colocados recados.

Há, ainda, o mural onde os alunos fazem agradecimentos públicos. Um deles dizia:

- Queremos agradecer o James por ter nos ajudado nos exercícios de matemática numa sexta-feira à noite.

Os 200 alunos de cada ano do Ensino Médio entraram ali depois de serem aprovados num concorrido vestibulinho voltado à rede pública - o que, em si, cria uma seleção social e intelectual prévia. Têm aulas das 07h45 às 17h35, uma biblioteca de 14 mil exemplares e diversas atividades feitas sem caderno e sem lápis.

Os próprios alunos engendraram o placar eletrônico para os jogos esportivos. Mantêm também uma horta e uma casa sustentável. Numa empresa simulada, aprendem a calcular impostos e a vender produtos.

Os produtos plantados na horta da escola são vendidos

Os produtos plantados na horta da escola são vendidos

Para Laura, o que o Juarez mais ensina é, sobretudo, a noção de responsabilidade:

- Os professores não cobram, você é que sabe o que tem que entregar, quando tem provas. Quando entrei aqui, minhas notas caíram. Isso acontece com um monte de gente porque ninguém está acostumado a não ter o professor em cima, cobrando.

Talvez seja essa liberdade responsável que torne o clima do colégio tão atípico e, ao mesmo tempo, tão difícil de descrever para alguém que, como eu, não é especialista em educação.

O professor Daniel Leite, responsável pela área de humanidades (o ensino é dividido em três grandes áreas e não em disciplinas), vem em meu socorro:

- Nosso grande desafio é ajudá-los a refletir sobre o mundo com instrumentos mais profundos. No ensino médio, o aluno costuma ser apenas espectador. Procuramos dar a eles autonomia. A grande diferença, aqui, é a maneira como se desenvolve a relação entre professor e aluno. O aluno é visto como protagonista da sua atividade. É um pouco a ideia de quem ninguém ensina nada. A pessoa é que aprende ou não.

Daniel, professor de história por formação, mostra ter simpatia pelas modificações que o Enem pode ajudar a promover. Não nega, porém, que a “competição” alimentada pelas notas obtidas pode ter efeitos complicados:

- Quem faz o ranking é a imprensa. É claro que o ranking cria uma competição e, por consequência, uma indústria. Por outro lado, chama a atenção para projetos como o nosso. Temos recebido muitas visitas de educadores que desejam conhecer nosso trabalho.

Conhecer o trabalho da escola mantida pela Embraer é ver uma fresta de sol.

Conversar com Davi Martimiano, 18 anos, filho de um metalúrgico e uma cozinheira, que entrou em Geografia na USP, ou com Augusto César, 17, aprovado em Engenharia Mecânica, na Unicamp, dois dos ex-alunos presentes, é descobrir que, em meio à falta de oportunidades para quem não tem dinheiro para pagar um bom colégio particular, há uma gota de esperança.

É descobrir, também, que a educação, a despeito das dificuldades para lidar com a contemporaneidade, pode, sim, encontrar novos caminhos e novas formas de aproximar-se dos alunos.

Fonte: Terra Magazine - Blog da Ana Paula Sousa

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