terça-feira, 5 de maio de 2009

Escravos são pressionados para vender seus rins

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por Leonardo Sakamoto

A Justiça da cidade de Lahore, no Paquistão, ordenou a libertação de um grupo de trabalhadores escravos no final da semana passada (infelizmente, a libertação de escravos nesse país depende de decisão prévia da Justiça. Há muito fazendeiro aqui no Brasil que adoraria importar essa burocracia para se ver livre das fiscalizações). A foto deles está abaixo.

Um dos libertados disse à GRDO, uma das mais importantes ONGs locais, que foram vendidos para um proprietário de um forno de tijolos por 400 mil rúpias (pouco mais de R$ 10 mil). Segundo a denúncia, o comprador passou a pressionar os trabalhadores para vender os seus rins a fim de abater a dívida. Com o objetivo de ganhar tempo, eles concordaram com a venda e conseguiram que um deles fugisse e pedisse ajuda à GRDO. Tive o prazer de conhecer o trabalho pessoalmente dessa organização há dois anos e a barra que eles enfrentam é dessa magnitude mesmo.

Para quem acha que a história é bizarra e inverossível, saiba que a dicussão sobre a necessidade de proibir o comércio de órgãos humanos no Paquistão é recente e visa garantir que pessoas pobres ou trabalhadores escravos não vendam partes de seu corpo para sobreviver ou quitar dívidas. Há um poderosos lobby que tenta tornar essa prática possível através de legislações frouxas.

O principal órgão comercializado são os rins, e o centro dessa atividade bisonha está localizado nas cidades de Lahore e Rawalpindi, sendo que a maioria dos vendedores são da zona rural da província de Punjab. Em 2007, uma estimativa divulgada pelo jornal Dawn, um dos mais influentes, apontam que cerca de 70% deles eram trabalhadores forçados.

Desesperadas para quitar a dívida que possuem com o senhor de terras ou o dono de uma fábrica de tijolos, essas pessoas vendem um rim por algo entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. Porém, o esforço, que vai debilitar a sua vida para sempre, tem se mostrado inútil. Uma pesquisa também divulgada pelos jornais de lá mostra que 95% dos vendedores continuam pobres e devendo ao patrão, portanto, escravos de sua vontade. Nessa hora, quando percebem a burrada que fizeram, sentem-se culpados, caem na depressão e vão definhando aos poucos.

Mais de mil transplantes de rins foram realizados em estrangeiros que viajaram ao país com essa finalidade nos últimos anos. Pessoas de mais de 20 países do Oriente Médio, América do Norte, Europa e Sul da Ásia. Daí pode-se tirar uma idéia de quem usa o Paquistão como estoque de peças humanas de reposição. O irônico é que, em muitos casos, mesmo com poderosas drogas imunosupressoras, a incompatibilidade leva à rejeição do órgão. Perdem os dois lados, ganha a máfia montada para esse fim.

Quem fica com a maior parte do dinheiro são os intermediários, que negociam as vendas, e as equipes médicas daqui que aceitam realizar esse tipo de operação. E, é claro, o senhor de terras. Há casos relatados por organizações não-governamentais de servos que foram enganados pelo patrão e tiveram seu rim roubado. O sujeito é levado para o hospital, faz exames, é anestesiado e sai de lá sem um rim. Aí o patrão diz que abateu uma parte da dívida com ele, mas não toda. Quando se recuperar da cirurgia, é obrigado a continuar trabalhando.

Alguns podem pensar que isso é coisa dos rincões da Ásia, o que é um triste engano. Estudos de tráfico de pessoas, como alguns que foram apresentados no Congresso de Viena das Nações Unidas sobre o tema no ano passado, mostram que brasileiros também entram nesse “setor” da economia. Não são aquelas velhas lendas urbanas, de acordar de noite em um quarto de motel, em uma banheira com gelo e sem os rins. Mas há casos de brasileiros que aceitam fazer testes de compatibilidade ainda em território nacional e depois viajam para países como a África do Sul para ganhar dinheiro com um rim.

Alguns podem dizer que a pessoa é dona do seu próprio corpo e faz com ela o que quiser. Mas que droga de sociedade global moderna é essa que empurra pessoas pobres para essa decisão?

Fonte: Blog do Sakamoto

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