segunda-feira, 4 de maio de 2009

Dia do Trabalho. Que tal desempregar o Congresso?

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por Marcelo Carneiro da Cunha

O escritor americano Mark Twain dizia que o Congresso dos Estados Unidos era o melhor que o dinheiro podia comprar. Pelo que temos visto ao longo de todos esses anos, o Congresso brasileiro, de comprável pode ter muito, mas de melhor não tem nada.

Quando o Lula falou em 300 picaretas, ele devia estar sendo injusto. Picareta pesa horrores, e ficar cavoucando parede de caverna pra extrair minério dá um enorme trabalho e deve render pouco. O que temos não são picaretas, mas sim motoniveladoras, passando por cima do bom senso, da dignidade, do bem comum, da noção mínima de cidadania e representação. Nossos bravos congressistas andam de trator, devastando o nosso sentimento de nação e de honra pública e, pelo jeito, vergonha que é bom, nenhuma. Portanto, a minha proposta cívica nesse Dia do Trabalho é simples. Vamos demitir em massa essa cambada de gente inútil e sem vergonha. Não precisam nem aparecer na segunda-feira. Opa. Eles nunca aparecem na segunda. Então não precisam aparecer mais na terça, quarta ou quinta.

E como um congresso em funcionamento é importante para uma jovem democracia, como a nossa, vamos contratar outra turma pra colocar no lugar deles. Uma turma com qualificações semelhantes, mas hábitos menos corrompidos. Eu pensei na equipe de limpeza que já anda por lá, imagino. Pensem nas vantagens: um faxineiro congressista é um cara acostumado a lidar com a sujeira, mas diferentemente da turma atualmente eleita, eles dão mesmo um jeito no lixo, de verdade! E, pelo que imagino, devem custar muito menos, devem morar em alguma cidade satélite de Brasília, o que significa que não vão torrar nossa grana em passagem pra toda parentada ir pra cidade de origem. E, olhem que legal: eles estão acostumados até a trabalhar!!!

Pra mim, está fechado. Quem concordar, é só mandar emails de apoio aqui pra redação e a gente comunica o Michel Temer, se ele estiver no local de emprego ou acordado e pronto. Um congresso novo, aperfeiçoado, diligente. Nisso, eu voto.

O melhor truque que a igreja inventou foi convencer a humanidade que sem ela estamos ferrados, nenhuma chance de entrar no céu. O Congresso fez uma coisa parecida e vem dizendo há tempos que sem eles não há democracia. Mas estão errados. Um congresso é essencial para a democracia, mas um mau congresso é veneno para ela. As pessoas olham para o mau comportamento de alguns muitos deputados e senadores e passam a achar que aquilo representa o sistema de representação do povo pelo povo. Não é; mas é o que parece. O dano para a nossa crença nas instituições cidadãs é enorme. Um bom congresso é o que precisamos, e não temos. Um bom congresso não é simplesmente um lugar onde se reúnam bons congressistas. Seguramente temos bons e até ótimos congressistas, mas temos um péssimo congresso, um ambiente contaminado por todos os tipos de corrupção e maus hábitos, promovidos pelo baixo clero, pelos funcionários históricos em cargos estratégicos para preservar e expandir a bandalheira.

A ilusão mantida até agora é que a solução é votar melhor. Não é. Um ótimo sujeito chega num antro daqueles e, ou se perde, ou paralisa. Não dá pra enfrentar o mal instituído apenas com cara feia e discurso para um plenário vazio. Não dá pra aceitar que o Congresso seja movido por montes de benefícios para comprar os que entram, anestesiar os que já estão lá há tempos. Os bons precisam se rebelar e criar um bom, um ótimo congresso, da mesma maneira que algumas escolas públicas conseguem ser excelentes enquanto as outras nos fazem querer chorar. O que precisamos é mudar o ambiente de trabalho dos eleitos por nós para que venham a trabalhar por nós. É importante que todos entendam isso.

Um bom congresso tem que ser um lugar saudável. Alguém se arrisca a acusar o nosso disso? Os bons congressistas devem sofrer com o que assistem e vivenciam, mas sofrer não basta. É necessário gritar, protestar e produzir a mudança de dentro, porque, de fora, nunca foi possível e não vai ser agora, a não ser que a gente limpe tudo e comece do zero, coisa muito melhor do que o zero que temos hoje.

Leiam o maravilhoso "Um Espelho Distante", da historiadora Bárbara Tuchnan, que nos descreve o trágico século 14, da Guerra dos Cem Anos, da perversão da igreja, dos descaminhos dos governos, da Peste, que matou um terço das pessoas da Europa e ainda sobrou um troco para os demais continentes.

Não estamos exatamente lá, mas não estamos tão distantes e peste por peste, sorte a nossa que não dependemos mais de reza pra enfrentar os vírus, porque a tal peste suína parece que veio com toda a vontade do mundo de se vingar dos humanos pelo que a Sadia apronta com os coitadinhos dos parentes suínos dos porquinhos mexicanos.

Quando perdemos a fé, quando nos sentimos abandonados, quando não vemos caminho, topamos qualquer caminho.

É hora de pensar nisso e refazer o caminho. É hora de trabalhar a favor do bem, o que inclui um congresso que trabalhe, que funcione, que efetivamente nos represente no conjunto, e não apenas no que temos de pior.

*Marcelo Carneiro da Cunha é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz", pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo Acabe".

Fale com Marcelo Carneiro da Cunha: marceloccunha@terra.com.br

Fonte: Terra Magazine

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