terça-feira, 12 de maio de 2009

Crise pode aumentar controle de bancos sobre Estados

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Em entrevista ao Monitor Mercantil, o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor da Universidade Federal de Campinas (Unicamp), analisa a crise financeira mundial dentro das crises inerentes ao capitalismo e buscando o contraste entre as visões marxista e keynesiana.

Nessa comparação, ele acredita que as teses de Karl Marx irão sobressair: o capital ficará mais concentrado e os trabalhadores ainda mais explorados, até a crise seguinte. “Temo que, nas condições atuais, o capital financeiro tenha ficado tão forte e com tamanho poder de chantagem sobre os Estados nacionais, que estes não possam contê-lo. O que está acontecendo é exatamente o oposto do esperado pela maioria: o capital financeiro está dando um novo passo na conquista do Estado”, disse. Para Sampaio Júnior, a liberalização financeira é o principal mecanismo a garantir o poder de chantagem do capital financeiro sobre os países.

Veja a entrevista:

Qual a diferença básica entre as abordagens de Keynes e Marx em relação às crises do modo capitalista de produção?

A diferença é que a crise, para Keynes, é um fenômeno aleatório e passível de ser corrigido através de políticas de Estado. Já na visão marxista, crise é uma necessidade histórica e um componente orgânico do capitalismo, passível de ser atenuada, mas não evitada. Sendo assim, esta crise vai gerar, necessariamente, uma próxima e não há Estado capaz de resolver isso.

Quais as limitações mais evidentes das políticas keynesianas no enfrentamento da crise atual?

Não temos bases nem objetivas nem subjetivas para uma política keynesiana. Objetivamente, não temos mais um padrão de acumulação baseado na economia nacional. Do ponto de vista subjetivo, a política keynesiana pressupõe um Estado com capacidade política de se contrapor ao capital financeiro. Temo que, nas condições atuais, o capital financeiro tenha ficado tão forte, com tamanho poder de chantagem sobre os Estados nacionais, devido ao poder de mobilização espacial, que não possa ser contido.

O que está acontecendo nesta crise é exatamente o oposto do esperado, o capital financeiro dando um novo passo na conquista do Estado e não o contrário. Basta observar que a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) compilou o volume de recursos que, até o final de outubro de 2008, tinha sido transferido para os bancos: US$ 7 trilhões, o que equivale à soma de todos os PIBs latino-americanos.

A América Latina deve considerar esta crise como uma oportunidade para o desenvolvimento?

Não. Sobretudo no caso do Brasil. A crise de 1929 foi boa para nós, pois, através do isolamento econômico, conseguimos fazer um considerável avanço no desenvolvimento das forças produtivas. Muitos pensam que esta crise pode ser uma janela de oportunidades. Eu acho que não, pois já temos um parque industrial montado, mas não temos capacidade de defendê-lo dos países centrais. Por outro lado, também não temos como competir com a China. Creio que a tendência seja para aceleração do processo de regressão colonial.

Como Marx explica esse fenômeno?

No capítulo 3 do livro III de O Capital, Marx aborda o que chamou de “tendência decrescente da taxa de lucro”. O capitalismo tem várias crises. Minha hipótese é que esta é uma crise geral do sistema, uma “crise de indigestão”. Ou seja, o capitalismo acumulou mais capital do que aquele que pode converter para a produção e a extração de mais valia.

Quando fica patente que há um excedente absoluto, o circuito da concorrência deixa de estar baseado na acumulação do lucro e passa para a lógica de ver quem sobrevive. O excedente absoluto de capital impõe uma queima de capital. E a produção a mais é o que “micou”. A crise é isso, só que em todos os níveis – monetário, produtivo, financeiro e comercial. Isso muda a dinâmica de funcionamento do sistema.

Em que sentido seria essa mudança?

Keynes acredita numa saída civilizada, que é uma saída ideológica, pois o keynesianismo, por mais refinado que seja, é um produto da crise e da barbárie do liberalismo e da guerra. Em Marx, está claro que qualquer crise capitalista geral resolve-se, fundamentalmente, com dois movimentos, necessário para restaurar as condições da rentabilidade: de um lado, queimar capital, aumentando o grau de monopolização, e, por outro, ampliar a taxa de mais valia, através de todos os expedientes possíveis, inclusive superexploração da mão-de-obra. Isso permitiria um novo movimento de expansão, que, no entanto, resultaria em nova crise no futuro.

Então, veremos agora a luta pela sobrevivência dos capitais?

Sim. Essa luta é a destruição do outro (monopolização) e o aumento das condições de exploração.

Há quem diga que foi a II Guerra, e não as políticas keynesianas, que tirou o mundo da depressão econômica. Acredita que haverá um confronto de grandes proporções para que a economia mundial se recupere?

Em primeiro lugar, as grandes guerras, com seus gastos e mobilização de contingentes, são o keynesianismo puro. Hitler foi o extremo do keynesianismo. Por trás da luta entre os capitais há a luta dos Estados nacionais associados a eles. Sem dúvida, teremos um redesenho do mundo e nele as rivalidades nacionais aumentarão. Sobre a crise de 1929, Lênin afirma que o imperialismo inaugura um período de guerra especifica entre as grandes potências, pois, para o resto do mundo, sempre houve guerra.

Então haverá uma III Guerra Mundial?

Isso hoje é difícil. Em 1929, havia potências que se equivaliam. Atualmente, os EUA ainda são absolutos financeira e militarmente. Prova disso é que todos fogem para os títulos norte-americanos. Esse tipo de guerra não vejo, mas um movimento de empurrar a crise para um elo fraco, sim.

E o Brasil faz parte desse elo fraco…

Sim. Não creio que o Brasil jogará um papel importante na saída da crise. Minha suspeita é que os elogios que o Brasil recebe no G-20 e os convites feitos pelos norte-americanos têm a finalidade de evitar que partamos para o lado da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba).

E quanto ao G-20, estaria “jogando para a platéia”?

Esta crise tem coisas assustadoras. Se os diagnósticos estiverem corretos, assistiremos a uma generalização e ao aprofundamento da barbárie.

Acredita numa nova arquitetura financeira mundial?

A mudança mais grave está no plano da política, no tipo de relação que os grandes conglomerados estão estabelecendo com os Estados nacionais. Isso pode configurar uma mudança na natureza do Estado, que já estava instrumentalizado pelo capital financeiro, e, agora, muda o grau de instrumentalização. Agora mesmo, um outro banco (Bank of America) está pedindo mais US$ 34 bilhões ao Tesouro norte-americano.

Na crise de 1998, o Brasil recebeu cerca de US$ 50 bilhões do FMI. Agora um banquinho pede US$ 34 bilhões adicionais – já tinha recebido injeção de recursos. Ou seja, as mudanças não estão dando caráter construtivo ao capitalismo, pelo contrário. Não consigo ver nenhuma nova arquitetura. Apenas retórica. Mesmo ela é bastante conservadora. Os relatórios das instituições multilaterais dizem que não se pode recuar para a regulação do sistema, salvo alguma fiscalização dos bancos, o que é absolutamente insuficiente. Não há consenso ideológico nem político para mudança no padrão.

Fonte: Portal Vermelho

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