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por Leonardo Sakamoto
Um texto para a época de eleições. É grande porque estamos no fim de semana e espero que os meus leitores tenham mais tempo para ler...
Sabe-se que proprietários rurais que utilizaram trabalho escravo contemporâneo possuem expressiva representação política. Analisando o cadastro de empregadores que utilizaram trabalho escravo, que ficou conhecido carinhosamente por "lista suja", publicado e atualizado desde 2003 pelo Ministério do Trabalho e Emprego, verifica-se que há casos de empregadores que doaram para as campanhas eleitorais. Por exemplo, apenas em 2002, pelo menos dois governadores de Estados de expansão agrícola, cinco deputados federais e três deputados estaduais receberam recursos da "lista suja".
Não há subsídios para afirmar que todos os eleitos com recursos da "lista suja" atuaram efetivamente para o favorecimento desses empregadores. Também não há provas de que os empregadores escravagistas que se elegeram políticos beneficiaram a si próprios nessa matéria. Para uma análise que comprovasse uma relação de causa e efeito, seria necessário destrinchar os projetos e o comportamento desses eleitos não apenas no que diz respeito ao trabalho escravo contemporâneo, mas também com relação às questões de trabalho, fundiárias e de destruição do meio ambiente - assuntos intimamente ligados à escravidão.
Por exemplo, comparando esses nomes e a lista de votação da proposta de emenda constitucional que prevê o confisco de terras em que trabalho escravo for encontrado, não se chega a uma conclusão. Muitos deputados seguem a recomendação da bancada de que fazem parte. Além disso, a aprovação em primeiro turno dessa lei na Câmara, em 2004, ocorreu sob forte comoção pública gerada pelo assassinato de quatro funcionários do Ministério do Trabalho e Emprego que fiscalizavam propriedades rurais na região de Unaí, Estado de Minas Gerais, em 2004. Isso pode ter influenciado na decisão dos deputados. Há parlamentares que eram contrários à aprovação da PEC, mas na votação em plenário, feita por voto aberto, posicionaram-se a favor, provavelmente para não terem sua imagem vinculada à manutenção dessa forma de exploração do trabalho em um momento delicado como aquele. Tanto que, após o primeiro turno na Câmara, não foi possível colocar a matéria para a segunda votação devido à pressão desses mesmos deputados.
O ato da doação é um indício de que o doador comunga das propostas do candidato, deseja que ele o represente politicamente, seja por suas idéias, seja por sua classe social, ou que quer criar um vínculo por meio desse apoio em campanha. O benefício não precisaria vir em assuntos diretamente relacionados ao trabalho escravo, mas em outros temas que dizem respeito à defesa da expansão do capital em determinada região ou ramos de atividade, por exemplo. Portanto, pode-se afirmar que esses empregadores-doadores estão representados politicamente, mas não que esses representantes têm agido, necessariamente, em prol de seus financiadores de campanha na área de trabalho escravo.
A escravidão contemporânea é a exploração mais degradante possível dentro das formas não-contratuais de trabalho. Tendo em vista o seu caráter ilegal, não há quem a defenda abertamente. Pelo menos, não em sã consciência. A forma de justificar os atos de fazendeiros flagrados com esse tipo de mão-de-obra, portanto, é afirmar que o flagrante em questão não foi de trabalho escravo - atitude tomada sistematicamente pela Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária e por parlamentares e detentores de cargos executivos que prestaram apoio a fazendeiros. Com a justificativa de que falta definição para o tema na lei, apesar de toda a legislação em vigor ser bem clara no sentido contrário, atuam para barrar qualquer restrição aos proprietários rurais que cometam esse crime.
É claro que não há projetos de leis tramitando no Congresso Nacional com o objetivo de favorecer explicitamente a escravidão, mas há aqueles que contribuiriam indiretamente com ela. Como os que facilitam a terceirização ilegal e a diminuição de direitos trabalhistas e dificultam a atuação da fiscalização (é o caso da Emenda 3, vetada pela Presidência da República e que dificulta a fiscalização do trabalho; e o projeto de lei aprovado a partir da medida provisória 410, proposta pela Presidência da República, e que permite a dispensa da assinatura da Carteira de Trabalho para contratos de até dois meses de trabalhadores rurais - e já usada para cometer fraudes e driblar a libertação de pessoas).
São, enfim, projetos que atuam em prol de um processo de descontratualização do trabalho, o que aumentaria a margem de lucro das empresas através da economia desse custo e, portanto, sua capacidade de competição no mercado. Ao mesmo tempo em que a flexibilização do trabalho segue rápida, o contrário anda em ritmo lento. Há pelo menos outras 11 propostas que contribuiriam com o combate ao trabalho escravo, além da PEC 438, que tramitam com lentidão no Congresso.
Há casos em que, pelo menos indiretamente, houve evidências de "retorno" do eleito ao doador no que diz respeito ao tema do trabalho escravo. O primeiro é o da defesa da PEC 438 pelo deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), que já recebeu doação de um dos relacionados na "lista suja". Contudo, pelo histórico de Caiado, não é possível inferir que houve uma relação doação-ação política, uma vez que os ataques à PEC do Trabalho Escravo vêm sendo uma bandeira do deputado.
O outro caso é o do governador do Estado do Mato Grosso, Blairo Maggi, que recebeu, ao menos, R$ 159 mil de produtores de algodão presentes na "lista suja", em 2002.
Em 04 de maio de 2004, após pressões, o Estado do Mato Grosso reconheceu a existência de trabalho escravo durante o lançamento da campanha educativa "Cidadania, sim, Trabalho Escravo, não", em Cuiabá. Porém, o evento foi montado para ser uma peça de defesa dos produtores rurais acusados de utilizar esse tipo de mão-de-obra, o que desagradou a organizações internacionais, instituições públicas e entidades da sociedade civil que atuam nessa área e estavam presentes no evento. A campanha mostrou-se apenas uma peça publicitária, não surtindo efeitos, e o Mato Grosso continuou refratário a participar ativamente do sistema de combate à escravidão. Até que, em 08 de fevereiro de 2006, um grupo móvel que fiscalizava denúncias de trabalho escravo contemporâneo foi alvo de um ataque a tiros em uma fazenda no município de Nova Lacerda, Mato Grosso. Junto com os proprietários rurais Amauri de Mendonça e Onuar de Mendonça, faziam parte do ataque policiais militares.
O caso gerou preocupação entre as entidades que compõem a Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, que divulgaram uma nota pública de repúdio e, com a presença do ministro do Trabalho e Emprego e do ministro-chefe da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, reuniram-se com o governador Blairo Maggi. O resultado foi a promessa da criação de um Plano Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo. Porém, Blairo reclamou de uma suposta perseguição ao produtor rural, que, segundo ele, é "obrigado a se dobrar a leis pensadas para a área urbana". O caso foi encarado pelo governador como um equívoco. Não há informações sobre punições à Polícia Militar pelo ocorrido.
Como analisado anteriormente, não se pode aplicar uma relação de causa e efeito entre as doações de campanha e o comportamento do governador, que se insere mais em uma lógica da manutenção do status quo dos proprietários rurais. Mas o apoio que ele e outros políticos têm garantido a sojicultores, canavieiros e pecuaristas para a expansão a qualquer custo da fronteira agrícola na Amazônia, no Cerrado e no Pantanal, defendendo-os de acusações de trabalho escravo e desmatamento ilegal, são suficientes para afirmar que há, pelo menos, uma sintonia política muito fina entre eles. E que a doação se mostrou, em verdade, um bom investimento.
Fonte:
Blog do Sakamoto
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