segunda-feira, 29 de setembro de 2008

“Fizemos a campanha do tostão contra o milhão”

::


ENTREVISTA CHICO ALENCAR

“Fizemos a campanha do tostão contra o milhão”

Sem aceitar doações de pessoas jurídicas nem contar com o apoio de máquinas administrativas, o candidato da coligação PSOL/PSTU à Prefeitura do Rio de Janeiro entra na reta final de campanha dizendo estar feliz com os resultados obtidos. Experiente, Chico comenta a crise da esquerda e a influência do poder econômico nas eleições.

RIO DE JANEIRO – A última semana de campanha para a Prefeitura do Rio de Janeiro se inicia com todos os candidatos acreditando na possibilidade de ir ao segundo turno. No campo da esquerda, a idéia é apostar na intensificação da militância para buscar uma arrancada final que, segundo as sondagens realizadas pelos principais institutos de pesquisa, parece difícil de acontecer, mas não é impossível, dada a confusão provocada pela manipulação das “margens de erro” por estes mesmos institutos.

Figura das mais queridas e respeitadas na política carioca, o candidato da Frente Rio Socialista (PSOL e PSTU), deputado federal Chico Alencar, ainda assim aparece na última pesquisa do Instituto Datafolha com apenas 3% das intenções de voto. Nada que o desanime, como prova a intensa agenda para os últimos dias de campanha. Nesta entrevista exclusiva à Carta Maior, Chico Alencar faz um balanço da campanha até aqui e analisa temas como a fragmentação das candidaturas de esquerda, a viabilidade da opção pelo voto útil e a influência do governo Lula no pleito municipal. Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Carta Maior – Independentemente do que as pesquisas de opinião estão mostrando até aqui, qual avaliação você faz da tua candidatura? Agora que estamos na última semana de campanha, dá para dizer se valeu a pena a empreitada para o partido e para o candidato?

Chico Alencar – As pesquisas estão mostrando também, e a leitura desse subtexto é importante, que ainda há um número enorme de eleitores indecisos e que é nessa reta final que pelo menos metade vai consolidar seu voto pra prefeito e 80% vai definir seu voto para vereador. Esta foi uma eleição atípica, marcada pela apatia, pelo desinteresse e, obviamente, pela força avassaladora das grandes máquinas, pelo uso da máquina administrativa e pelo abuso do poder econômico. Agora, nós temos muita alegria de estarmos levando essa campanha na contramão de tudo o que virou lugar comum, a começar pela despolitização, pelas intervenções e propostas meramente técnicas, sem se considerar o contexto político maior, inclusive mundial. Pela despolitização da política e perda de substância da própria democracia. Nós temos alertado para isso, nós vivemos esse fenômeno terrível da colonização da política pela economia, pelo caminho único, pelo neoliberalismo.

CM – Esta campanha está sendo, sem dúvida, a mais fria dos últimos anos aqui no Rio...

Chico – Sim, dentro desse contexto de candidaturas milionárias, de placas, de postes humanos, sem militância, sem agitação de rua... Eu posso te assegurar que essa campanha não terá nenhum grande comício de reta final, ao contrário de tantas outras que eu já vivi. Mas, mantivemos acesa a chama de fazer política com idéias e causas, com propostas, no horizonte da perspectiva utópica de uma outra sociedade possível, socialista, não fundada no ideário do lucro, sem qualquer rendição às empreiteiras, aos donos do grande capital e aos bancos. Praticamente todos os candidatos dos grandes partidos _ e cito nominalmente Crivella, Eduardo Paes, Jandira, Solange, Gabeira e Molon _ receberam recursos vultosos da empreiteira OAS, que tem obras aqui no Rio, da Carioca Engenharia e de outras empresas imobiliárias. Nisso, o Eduardo Paes é campeão, é o candidato preferido, do ponto de vista dos recursos, das imobiliárias e empreiteiras, como também dos bancos. Itaú, Unibanco e Bradesco também abasteceram algumas campanhas, inclusive a do meu amigo Gabeira, que tem muito trânsito tanto junto ao capital imobiliário, quanto ao capital financeiro, sem contar as generosas doações de Armínio Fraga, de Eike Batista...

CM – Do jeito que está, é impossível fazer campanha contra os interesses do poder econômico?

Chico - Nós fizemos a campanha do tostão contra o milhão, é uma campanha do pé no chão, é uma campanha franciscana e clara. Se não tivemos êxito na proposta (feita há três meses e à qual jamais recebemos sequer uma resposta dos demais candidatos) de que todos os candidatos se comprometessem a não gastar mais do que R$ 400 mil no primeiro turno, pelo menos nós tivemos êxito em forçar a transparência. Todos acabaram, em maior ou menor grau, revelando os doadores de campanha. À exceção do Crivella, que apenas listou alguns dos seus grandes doadores, mas não disse quanto cada um doou. Por fim, vemos algumas candidaturas a vereador pelo PSDB ou PMDB, por exemplo, que já gastaram cinco vezes mais do que a nossa campanha para prefeito. Quer dizer, fora do financiamento público de campanha, nós não teremos as igualdades mínimas de condições na disputa eleitoral E, reitero, financiamento privado de campanha é a porta da corrupção política no Brasil.

CM – Esta eleição para a Prefeitura do Rio também está sendo marcada pela fragmentação das candidaturas de esquerda. Qual tua análise sobre isso? Por quê a esquerda carioca está a tal ponto dividida?

Chico – Olha, a crise da esquerda, ela é mais geral. Ela vem da queda do socialismo real, da desconstituição da União Soviética e dos seus países satélites. Há uma crise do socialismo no mundo. Os próprios caminhos que a China toma, de capitalismo de Estado revelam que a humanidade precisa, na sua parcela interessada por um outro mundo possível, por uma outra sociedade mais justa, menos desigual e mais democrática, re-significar o ideário socialista. Aqui no Rio, essa crise se aprofunda paradoxalmente com o próprio governo Lula, na medida em que ele incorpora em sua base de sustentação _ com os argumentos da governabilidade numa ótica exclusivamente parlamentar _ setores que vão do PP de Maluf e Severino Cavalcanti ao PMDB de figuras como Jader Barbalho e Renan Calheiros, sem falar no PTB de Roberto Jefferson. Alguns partidos com viés mais progressista, após relutarem um pouco, como o PDT, acabaram assumindo também o governo Lula. Com a alta popularidade pessoal do presidente, ele tem uma base de sustentação que reúne 16 partidos, à direita ou um pouco mais à esquerda, mais progressista. Alguns de nós preferimos não assumir essa mudança de postura _ aquilo que a gente no PSOL chama de nada ética política do PT. Então, houve e há uma grande confusão na sociedade causada pelo governo Lula, na medida em que ele não confronta diretamente alguns nichos do conservadorismo, inclusive o capital especulativo. Embora eu considere o governo Lula num patamar de posições superior ao que seria um governo tucano _ votei em Lula no 2º turno contra Alckmin _, o PSOL se constitui como oposição de esquerda ao governo Lula, não contemporizando com DEM, PSDB e afins de maneira nenhuma. Aquela é uma oposição sem muita bandeira, até porque boa parte da bandeira ortodoxa o governo Lula assumiu.

CM – O que você acha do chamado pelo voto útil que está sendo colocado por Jandira Feghali (PCdoB), que é a candidata da esquerda mais bem situada nas pesquisas?

Chico – Na verdade, quando o PCdoB pede o voto útil, deveria buscar o Eduardo Paes do PMDB, o Crivella, que é do PRB do vice-presidente José Alencar, o PDT. Partidos que, como o PCdoB, fazem parte do governo Lula. Conosco, essa solicitação não procede, não existe.

CM – Em 1996, quando você foi candidato a prefeito do Rio pelo PT, por muito pouco (cerca de 1% dos votos) não chegou ao 2º turno, que acabou sendo disputado por Sérgio Cabral Filho e Luiz Paulo Conde. Naquela ocasião, a direção nacional do PT preferia uma aliança em torno de Miro Teixeira (PDT) à candidatura própria no Rio. Por isso, não enviou à cidade nenhuma de suas estrelas nacionais para te apoiar. Que sentimentos te trazem hoje essa lembrança?

Chico – Isso já era um sinal dessa idéia que começava a dominar, e dominou, a direção majoritária do PT, alargando o leque de alianças e sendo não apenas flexível na estratégia, mas também flexível na tática. Isso se aprofundou a ponto de nós sairmos do PT para poder continuar praticando certos valores que aprendemos e construímos no PT. Agora não, o cenário é completamente diferente daquele de 96, mas eu estou feliz. Fizemos uma campanha franciscana, sem cabo eleitoral pago, sem receber nenhum dinheiro de pessoa jurídica, mas com muita convicção e muita independência, o que para nós é importante.

CM – Qual a expectativa da coligação PSOL/PSTU em relação à bancada de vereadores? Existe a possibilidade de os dois partidos perenizarem essa aliança aqui no Rio?

Chico – A aliança você forma eleitoralmente a partir de algumas base e quer construí-la de maneira sólida. A campanha está muito boa, a gente está com um grau de solidariedade e de unidade muito grande e a expectativa da coligação é fazer três ou até mesmo quatro dos 51 vereadores.

CM - O PSOL já tem posição definida para a eventualidade de um 2º turno disputado entre Eduardo Paes e Marcelo Crivella? E se Jandira ou Molon estiverem no 2º turno, poderão ter o apoio do PSOL?

Chico - O PSOL e o PSTU apostam todas as fichas na minha chegada ao segundo turno. É assim que estamos trabalhando. De modo que um possível apoio só será discutido, democraticamente por toda a militância, após o resultado das urnas em 5 de outubro.

CM - Seja qual for o resultado destas eleições (com a exceção da vitória da Solange Amaral), você acha que pode ser decretado o fim da "Era Cesar" na administração da cidade? O que isso significa para a política no Rio de Janeiro?

Chico - A "Era Cesar" acaba na figura do prefeito Cesar Maia, mas não necessariamente naquilo que ele representa. Há candidatos que representam o continuísmo e isto pode ser visto mesmo antes de suas administrações começarem. Basta olhar para os doadores das campanhas. PMDB e PSDB representam a direita mais reacionária do Rio de Janeiro. Operam com a lógica da truculência, simbolizada pela polícia de Cabral (a que mais morre e a que mais mata do mundo), e com a mentalidade privatista, que entregou quase todo o patrimônio público do estado no governo tucano de Marcello Alencar. Marcelo Crivella, do PRB, também não representa uma mudança satisfatória, posto que o bispo assume posições fundamentalistas de direita, como: criminalização da mulher que precisa interromper a gravidez, anti-homossexualidade, além do fato de sua igreja se aproveitar da fé alheia para práticas um tanto quanto pecaminosas. O PCdoB e o PT, que deveriam representar o campo progressista, aceitaram recursos das mesmas corporações que financiam a direita, o que compromete a realização de um governo independente. Além disso, o PCdoB, via Haroldo Lima, defende os leilões do nosso petróleo. E o PT é base de sustentação do governo truculento de Sérgio Cabral, que para sempre será marcado pela Chacina do Alemão.

CM - Esta campanha está sendo marcada pela coerção de traficantes e milicianos e pela ausência da tradicional militância carioca nas ruas. O que devemos fazer para resgatar a vida política no Rio? Como, se for eleito prefeito, pretende agir nesse sentido?

Chico - Isso é verdade, está cada vez mais difícil fazer política com seriedade. Há uma colonização da política pela economia e isso significa a privatização do espaço público. E vale dizer: o tráfico de drogas e as milícias são duas atividades privadas, com o agravante de que esta última é operada por funcionários públicos. As duas têm como objetivo o lucro e crescem como empresas capitalistas. Lá atrás a gente já dizia: o sistema capitalista fomenta a criminalidade, o que agora está sendo exposto da forma mais violenta possível. Entretanto, posso te garantir que na nossa campanha, PSOL e PSTU têm conseguido reunir militância nas ruas. Não temos um cabo eleitoral pago. Mais que isso: a gente não joga panfleto no peito de ninguém. Qualquer um dos nossos militantes sabe defender as propostas do partido para administrar a cidade do Rio de Janeiro.

CM - Se você for ao segundo turno, a coligação PSOL/PSTU aceitará o apoio de partidos como o PT, o PCdoB e o PDT?

Chico - Também precisamos esperar o resultado do primeiro turno para reunir a militância e decidir, democraticamente, quais os critérios que adotaremos para receber apoios.

Fonte: Agência Carta Maior

::


Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: