segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Uma espera de 26 anos

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Há mais de um quarto de século os pataxós Hã-hã-hãe aguardam uma definição sobre o uso de uma reserva de 54 mil hectares, e um ministro do STF volta a postergar a decisão.

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por Filipe Coutinho

Três dos casos mais importantes julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) neste ano foram barrados pelo ministro Carlos Alberto Direito. Depois de atrasar o julgamento sobre as células tronco-embrionárias e suspender o caso da reserva indígena Raposa Serra do Sol, Direito pediu vista nesta quarta-feira 24 do processo que julga a posse de terras na reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, localizada no sul da Bahia.

Esse julgamento ganhou importância não pela polêmica ou visibilidade, mas em razão do tempo de tramitação do processo: há 26 anos os pataxós Hã-hã-hãe aguardam uma definição sobre o uso de uma reserva de 54 mil hectares.

A ação movida pela Fundação Nacional do Índio (Funai) pede a anulação da posse de terras da reserva concedidas a fazendeiros pelo governo da Bahia, durante a década de 1970. Direito pediu vistas para poder analisar, em conjunto, o voto a ser proferido no julgamento do caso Raposa Serra do Sol. “Entendo que as questões têm ligação, que elas partem, necessariamente, da conceituação de terras indígenas”, afirmou o ministro.

Antes do pedido de Direito, o advogado-geral da União, José Antônio Dias Toffoli, e o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, argumentaram não haver relação entre os processos. Os dois deram parecer favorável aos pataxós. O relator do processo, ministro Eros Grau, também votou a favor. “A baixa demografia indígena em determinados períodos, na região, não impede o reconhecimento do caráter permanente da posse dos índios”, justificou.

Os conflitos entre os pataxós e fazendeiros começaram em 1926, justamente quando o governo baiano decidiu demarcar o território indígena. A idéia do governo era garantir a preservação da terra ocupada pelos pataxós, mas o tiro saiu pela culatra. À época, a política indigenista consistia em aproximar índios e não-índios. Assim, foram criadas aldeias e os conflitos surgiram em razão da ocupação das áreas que os índios não moravam.

Meses depois do decreto do governo baiano, foi registrada a primeira morte de líderes pataxós. A pataxó Barreta foi estuprada e torturada, inclusive sendo queimada em fogueira de São João – segundo os registros históricos. Barreta morreu de cólera, enquanto o marido e filho não sobreviveram à nova alimentação com gorduras e açúcares.

Durante a ditadura militar, a idéia do desenvolvimento progressista resultou na distribuição da terra indígena aos fazendeiros. Os governos de Antonio Carlos Magalhães e Roberto Santos, na década de 1970, distribuíram 680 terrenos para a criação de gado e plantação de cacau. O principal argumento do governo – e dos fazendeiros – foi de que os pataxós não ocupavam toda a área demarcada.

Segundo a antropóloga responsável pelo laudo produzido pela Funai em 1976, Maria Hilda Paraíso, a ausência dos índios em toda a extensão do território tem motivos. “É um argumento que precisa ser contextualizado. Eles não estavam lá porque foram expulsos pelos fazendeiros”, afirmou.

Em 1982, a Funai entrou com a ação no Supremo Tribunal Federal (STF) com o pedido do nulidade das terras doadas pelo governo da Bahia aos fazendeiros. Nesse tempo, a Funai conseguiu reduzir pela metade o número de fazendas na região e reaver quase 30% do território demarcado – principalmente com indenizações a pequenos produtores. Atualmente, mais de 300 fazendeiros ocupam 36 mil hectares, enquanto 4 mil indígenas vivem em 18 mil hectares.

Nesses 26 de indefinição no STF, morreram 23 líderes dos pataxós Hã-Hã-Hãe. O povo pataxó ganhou exposição nacional quando, em abril de 1997, um grupo de indígenas veio a Brasília reivindicar a posse das terras. Entre eles, estava o índio Galdino Jesus dos Santos Pataxó. Na madrugada do dia 20 de abril de 1997, ele foi queimado vivo por um grupo de adolescentes.

Em 1988, o irmão de Galdino, João, foi assinado em uma emboscada. No ano passado, a mãe de Galdino, Minervina Pataxó, foi assassinada. “Eles morreram por qualquer coisa? Ninguém sabe o que é essa dor. A gente não quer dinheiro, quer viver bem”, afirmou o sobrinho de Galdino, Thyrry Pataxó.

Na véspera do julgamento no STF, mais de 200 pataxós foram à Câmara dos Deputados, a convite da Comissão de Legislação Participava. Com a ausência dos deputados – dedicados às eleições municipais – o encontro se transformou em um protesto contra a morosidade do STF. “É um momento histórico, foram 508 anos de massacre e omissão”, disse o líder indígena Luiz Titiá, da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme).

Assim como no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, em Roraima, uma das principais contestações dos fazendeiros é o laudo antropológico. O presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Carlos Caroso, aproveitou o ato para rebater as críticas. “A antropologia não é passionalidade ou falta de objetividade. Os laudos são instrumentos de tomada de decisão”, defendeu.

Fonte: Carta Capital

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