Por Stela Guedes Caputo (*)
No dia 21/9, aproveitando seu espaço permanente no jornal “O Globo”, D. Eugenio Sales, cardeal-arcebispo emérito da Arquidiocese do Rio, publicou artigo intitulado “No silêncio da urna”. Nele, o religioso reconhece que a atividade política atravessa um período de descrédito, por conta de tantos maus exemplos, e se pergunta, diante da constatação, o que diz a Igreja? Na resposta reafirma os princípios de Puebla para dizer que, a exemplo de Jesus, “bispos, sacerdotes e religiosos renunciam à militância partidária”. Além disso, garante que “leigos dirigentes da ação pastoral não devem usar de sua autoridade em função de partidos ou ideologias”. A explicação, segundo D. Eugenio, vem do Concílio Vaticano II, que determina ser a missão da Igreja, atribuída pelo próprio Cristo, de ordem religiosa e não política, econômica ou social.
Depois do panorama traçado, o cardeal convoca os leitores a separarem “o joio do trigo”. E é enfático quando ordena a negação do voto aos defensores do aborto, aos que são contra o ensino religioso, a quem está de acordo com o que ele chamou de “dignificação das anomalias sexuais”, da legalização do jogo e das drogas. A panfletagem partidária pública segue a mesma panfletagem feita pela coleção de livros católicos para as escolas públicas do Estado do Rio, lançada no final do ano passado, que recomenda o voto para candidatos que sejam contra o ensino religioso nas escolas, a condenação do aborto, a eutanásia e por aí vai...
No artigo, o sacerdote mantém a velha e hipócrita contradição de sua igreja que condena, sim, a militância política, mas a militância política de esquerda e libertária, seja ela de partidos políticos ou de movimentos sociais. A militância política partidária conservadora e de direita pode, esta é bem-vinda seja em livros didáticos para escolas públicas, ou nos jornais que se dizem isentos e neutros. Mas o problema não é essa já conhecida contradição. O problema é o abuso do poder econômico e da hegemonia da igreja católica, tanto para garantir seus livros didáticos católicos nas escolas públicas, ferindo o princípio constitucional do Estado laico, como para, nas vésperas das eleições municipais, usar em benefício de sua ideologia, um espaço aparentemente destinados às polêmicas, sim, ao debate, sim, mas não à propaganda eleitoral “gratuita”?
Pergunto se o mesmo espaço será dado aos que defendem o aborto? Aos que são contra a discriminação das diversas orientações sexuais (que foram discriminadas aos serem taxadas de anomalias)? Aos que defendem que escola pública não é lugar de missa, como insistem os recentes livros católicos? Aos que defendem a liberdade religiosa? A liberdade de acreditar em um Deus? em vários Deuses? Em nenhum Deus? Aos que acreditam que todo cidadão tem o direito de votar livremente sem nenhum cardeal lhe dizendo em quem votar ou como votar? O título do artigo de D. Eugenio pede silêncio nas urnas porque, mais uma vez, é com o silêncio contra seus privilégios que a igreja católica conta. Que ele aposte nisso eu entendo. O que não entendo é obedecermos.
(*) Stela Guedes Caputo é jornalista e professora da UERJ.Fonte: Fazendo Media
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