domingo, 28 de setembro de 2008

O primeiro debate Obama x McCain

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por Idelber Avelar

Depois de uma semana dormindo uma média de duas horas e meia por noite, volto a atualizar o blog. Espero que as atualizações continuem com a freqüência diária de sempre. Não tenho muito a acrescentar à excelente cobertura do debate entre Obama e McCain feita pelo amigo Pedro Dória. Vou só tirar algumas conclusões do quadro atual.

Assisti ao debate no legendário bar Mother-in-Law, aberto pelo já falecido músico Ernie K-Doe, aqui em New Orleans. A multidão que se aglomerava em volta do telão era, evidentemente, obamista. Fui ao debate decidido a não me deixar contagiar por ninguém, eufóricos ou derrotistas.

A semana começou com uma bizarra estratégia de McCain. Com o colapso financeiro vivido pelos EUA, McCain anunciou uma “suspensão” da campanha e disse que não iria ao debate até que o pacote de socorro ao capital fosse aprovado em Washington. O cálculo era claro: parecer “apolítico” e mais preocupado com o estado da economia que com o processo eleitoral. Só que a jogada era óbvia demais, e no momento em que começaram a chegar as pesquisas que informavam que a grande maioria do eleitorado queria o debate, McCain ficou numa sinuca. Querendo parecer estadista, ficou parecendo fujão. Um alto operador do Partido Republicano chegou numa reunião gritando: quem foi o imbecil responsável por essa idéia? McCain terminou indo.

O Pedro tem toda a razão: é extremamente difícil avaliar debates. Até mesmo uma vitória incontestável de um lado sobre o outro no terreno dos argumentos pode sair pela culatra, caso o vitorioso pareça arrogante ou desdenhoso. Poucos debates foram tão contrastantes em termos de conhecimento e preparação como aqueles que opuseram Al Gore a George W. Bush em 2000. Mas o próprio patetismo e ignorância de Bush terminaram reforçando a percepção de que ele era um “bonachão jovial” com quem “você gostaria de tomar uma cerveja”. Bush acabou levando. Roubado, mas levou. Considerando-se o estado da economia naquele momento, deveria ter sido goleada de Gore.

Debates são um jogo de expectativas sobre quem tem a vantagem do empate. No de ontem, você poderia olhar a coisa de duas formas. Sendo a política externa o terreno no qual a percepção é de que McCain é superior, um empate favoreceria Obama. Por outro lado, seria possível dizer que, tendo Obama muito menos tendência a cometer gafes (como, por exemplo, citar países ou fronteiras que não existem), um empate favoreceria McCain.

Foi essa a impressão que tive antes de ver os números das pesquisas – que havia ocorrido um empate técnico no qual nem McCain cometeu gafes, nem Obama cometeu erros graves. No geral, um debate chato e previsível. Claro que houve mentiras. Por exemplo, a demonstrável mentira de McCain de que Obama aumentará impostos para as famílias que ganham $ 42.000 dólares por ano. Mas o resultado de um debate tem pouco a ver com veracidade ou honestidade. Tem a ver com percepção.

E eis que chegam números surpreendentemente positivos. Segundo a pesquisa da CBS entre eleitores indecisos, Obama venceu por 39 x 24 (37% acharam que deu empate). No Media Curves, Obama venceu entre os eleitores independentes em todos os quesitos. No meu modo de ver, Obama teve dois grandes momentos: o primeiro, quando lembrou a McCain que ele estava errado sobre as tais “armas de destruição em massa” do Iraque; que estava errado sobre a duração da guerra; que estava errado sobre a recepção que teriam os soldados americanos. A força do A, you were wrong; B, you were wrong; C, you were wrong foi considerável. O segundo bom momento de Obama foi na discussão sobre economia. A insistência no fato de que a crise atual é produto das políticas apoiadas por McCain foi firme o suficiente, eu achei. Mas Obama também teve momentos ruins. Ele repetiu exatas 13 vezes alguma variação da frase John McCain está certo antes de passar às discordâncias. Recortadas e editadas num comercial, elas poderão ser usadas pelos Republicanos.

Para McCain, o pior componente foi sua incapacidade de fazer contato visual com Obama. Ele simplesmente não olhava para o adversário. Os números das pesquisas parecem indicar que esse foi um elemento importante na percepção de que ele perdeu por pontos (sobre a recusa a se fazer contato visual, veja o excelente comentário deste terapeuta). Realmente, é impossível concordar com o excelente Nelson de Sá quando ele afirma (link para assinantes) que McCain “venceu” o jogo de cena. Não vi isso e os eleitores independentes também não.

No debate de ontem, Obama deixou passar várias oportunidades de criticar McCain com mais ênfase. Para muitos observadores brasileiros, Obama deveria ser mais agressivo e atacar McCain. Já recebi incontáveis demonstrações de impaciência com a “falta de reação” de Obama. Outro dia, um leitor do Biscoito teve ataques histéricos por aqui, contra a suposta “torre de marfim” na qual me encontro, não percebendo que Obama já perdeu, posto que não bate em McCain o suficiente.

O problema é que esses observadores não parecem considerar um elemento decisivo, que é a política racial norte-americana. A última coisa da qual nós, do Partido Democrata, precisamos, é um negão nervoso e enraivecido na frente das câmeras. Uma única diatribe agressiva de Obama contra McCain e a vaca pode ir para o brejo. Atitudes que, num branco, são percebidas pelo eleitor médio como “firmeza” podem, num negro, serem percebidas como ameaçadoras e selvagens. Há que se conhecer bem os Estados Unidos para entender isso. A agressão não faz parte da tática de Obama. E essa tática até agora tem dado certo. Vai ganhar? Repito, não sei. Mas Obama tem se comportado com notável consciência das extremas dificuldades que enfrenta.

PS: A grande notícia do dia é a Rassmussen de Virgínia: Obama na frente por cinco pontos. É um estado tradicionalmente Republicano. McCain deveria estar liderando por lá.

Fonte: O Biscoito Fino e a Massa

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