O pacote econômico proposto pelo governo Bush para salvar o sistema financeiro tem a cara e o caráter de classe do capitalismo neoliberal dos EUA. De um lado, livra a cara dos ricos, banqueiros, altos executivos e especuladores, que provocaram a crise, com a cumplicidade passiva das autoridades econômicas. Para este fim, está disposto a torrar 700 bilhões de dólares do erário, ampliando o déficit e a dívida pública.
Por Umberto Martins*
Incompetência premiada
Num artigo esclarecedor sobre o tema, publicado no diário Workers World, o jornalista norte-americano Fred Goldstein comenta que, embora centenas de bilhões de dólares tenham sido destinados aos banqueiros que caíram numa crise "em grande parte devido a empréstimos hipotecários predatórios (...) nenhum alívio está previsto para as vítimas da indústria hipotecária da banca".
Um dos aspectos mais polêmico e sórdido do plano é a garantia de que os altos executivos das instituições que foram à falência, inclusive as estatizadas, continuarão recebendo gordos bônus para não perder o ânimo. Ora, a imprudência dessa gente ficou mais que comprovada. O plano Bush previa a incompetência com dinheiro público.
Negros e latinos
A mídia capitalista, conforme notou Goldstein, deu muito "pouca atenção à notícia de que em agosto houve 303.879 pedidos de hipotecas – um aumento de 12% em relação ao mês anterior e um acréscimo de 27% em relação ao ano passado. Um em cada 416 famílias nos EUA recebeu um aviso de hipoteca no mês de agosto. Só na Califórnia houve 101.714, mais de 40% em relação ao mês anterior e 75% mais que um ano atrás".
"Enquanto derrama lágrimas sobre as agruras dos banqueiros", denuncia o jornalista, "a imprensa capitalista não apresenta manchetes acerca de um estudo recente intitulado ´Estado do sonho: hipotecado`, que mostrava que a crise das hipotecas resultara na maior destruição de riqueza pessoal na história das comunidades afro-americanas e latinas. Segundo o estudo, mutuários afro-americanos perderam entre US$ 71 e US$ 92 bilhões devido aos empréstimos contraídos ao longo dos últimos", ao passo que os latinos podem ter perdido até 92 bilhões de dólares.
O plano de Bush não prevê um só tostão para aliviar a situação desse contingente discriminado e explorado da sociedade estadunidense, que em muito contribui para a produção de riqueza e os cofres públicos, mas é ostensivamente desprezado pelo Estado capitalista.
Instrumento dos capitalistas
O que transparece nesses fatos é o verdadeiro caráter de classe, capitalista, do Estado imperial americano, que nos é vendido pela ideologia dominante e pela poderosa máquina de propaganda burguesa como a quinta-essência da democracia em todo o mundo. Trata-se da democracia dos ricos, a democracia burguesa, opressora e hipócrita para a classe trabalhadora e as famílias mais pobres. Governo e Estado norte-americano são uma máquina a serviço dos interesses dos capitalistas.
"O presidente do Federal Reserve Bank of New York, Timothy Geitner, e o secretário do Tesouro, Henry Paulson, têm estado assoberbados em reuniões ininterruptas, articulando acordos", comentou Fred Goldstein, acrescentando que isso "tem sido efetuado em segredo, por trás das costas dos trabalhadores e das camadas médias. Eles têm desenvolvido esses acordos com mesmos tubarões dos empréstimos da alta finança cujas orgias de especulação, jogo e fraude na busca do lucro levaram à crise". O povo mesmo, este é simplesmente ignorado.
O povo protesta
Felizmente, isto não está passando despercebido. As dificuldades políticas no Parlamento para a aprovação do plano refletem, em boa medida, a insatisfação popular com o caráter reacionário e anti-social do plano. Além de manifestações de rua, foram registrados centenas de milhares de mensagens de protesto inseridas na internet, jornais e revistas (carta de leitores), além de telefonemas aos congressistas, muitos dos quais passaram a considerar o plano Bush "um favor aos bancos com dinheiro público".
As intenções de voto se inveteram a favor de Barack Obama, que conta com vantagem estimada em 10 pontos percentuais sobre seu adversário republicano, John McCain, que entrou em desespero. É um sinal claro de que o povo norte-americano não compactua com a orientação reacionária do Estado imperial e reclama mudança. O plano Bush não foi feito para salvar o mundo, como supõe a revista "Veja", é uma receita planejada para livrar a cara dos grandes capitalistas, que ignora os interesses dos povos, inclusive o norte-americano. De todo modo, o socorro pode aliviar a crise do sistema financeiro, mas nem de longe vai solucionar a crise estrutural da economia estadunidense. Aí cabe o ditado: o buraco é mais embaixo.
* editor do Portal da CTB
Fonte: Vermelho
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