sexta-feira, 12 de setembro de 2008

O grande ausente

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Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.

Toda a verborragia a respeito do nosso papel de líderes soará inútil e vazia de conteúdo, se o atributo da liderança não for utilizado em ocasiões como esta na Bolívia

Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br

Foi sintomático que a nota do Itamaraty sobre a crise na Bolívia, na última quarta-feira, não tenha feito menção à defesa intransigente da integridade territorial daquele país, tampouco tenha condenado o separatismo das províncias da meia-lua. Pior: o texto é um primor de meias-palavras e meneios, como se tratasse de um tema espinhoso para o governo brasileiro. Quem tiver curiosidade e tempo, a posição oficial do Ministério das Relações Exteriores pode ser lida na seção de Notas à Imprensa do site www.mre.gov.br.

A timidez brasileira parece ainda mais incompreensível quando se sabe o apetite da administração Luiz Inácio Lula da Silva por protagonismo no plano internacional. O lance mais recente da obsessão pelos holofotes planetários arrastou-nos à aventura de Genebra, onde da noite para o dia rompemos com os emergentes a alinhamo-nos ao Primeiro Mundo, apenas para ver se arrumávamos na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) mais algum mercado para nosso encalhado etanol. Deu no que deu.

A leitura fria dos atos e palavras da nossa diplomacia no caso boliviano revela uma única coisa: distanciamento. O Palácio do Planalto parece agir na linha clássica de esperar o desdobramento do conflito para depois ajeitar-se no cenário dos vitoriosos. E por que o espanto diante dessa atitude? Por algumas razões. A primeira é que na Bolívia assiste-se a mais uma clássica tentativa de derrubar pela força um governo constitucional, livremente eleito e confirmado em referendo nacional. Só por isso a reação brasileira já deveria ter sido rápida e duríssima.

A segunda é que, teoricamente, esperar-se-ia de uma administração do PT solidariedade incondicional a um governo também comandado por forças de esquerda, e que se coloca como expressão da emergência política de populações historicamente exploradas e oprimidas. A terceira é que o separatismo boliviano pode levar a uma guerra civil em nossa fronteira ocidental, conflito que facilmente será utilizado para justificar a transformação da meia-lua em uma nova Colômbia, mais uma plataforma para a intervenção externa, a divisão e a desestabilização do continente.

Talvez o Brasil imaginasse que um Evo Morales enfraquecido seria mais dócil nos contenciosos do fornecimento de gás. Ou talvez acreditasse que a anemia política de La Paz retiraria algumas fichas do cacife de Hugo Chávez, reforçando a liderança regional brasileira. Ou talvez subestimasse a gravidade de uma potencial ruptura das instituições democráticas bolivianas. Independente das explicações, a verdade é que Lula tomou para si o papel de grande ausente na crise boliviana.

Mas há uma quarta variável, essa sim mais complicada. É possível que o Planalto estivesse preocupado em não se distanciar demais da política dos Estados Unidos para o conflito. Sabe-se que, por trás das declarações formais de respeito a uma Bolívia unida, Washington estimula a divisão do país, no melhor estilo balcânico. Foi por isso que La Paz declarou o embaixador americano persona non grata.

A Bolívia é um bom exemplo das contradições da política estadunidense no pós 11 de setembro, relembrado ontem. Quando as liberdades políticas abrem espaço para governos que se opõem a Washington, o discurso da Casa Branca muda de tom. Na Bolívia, em resumo, o governo Bush trabalha francamente para desmembrar um país com cujo governo não está de acordo, ainda que esse governo seja fruto da livre escolha dos cidadãos.

Mas este texto não é sobre Bush, é sobre Lula. Que poderá agora, se quiser, mobilizar em peso o Mercosul para ajudar La Paz a esmagar o movimento das províncias rebeladas. Aliás, para que mesmo serve o Mercosul, se não consegue ao menos dar resposta firme a ameaças antidemocráticas no seu quintal?

Isso seria exercitar protagonismo regional, na prática e não apenas em palavras. Toda a verborragia a respeito do nosso papel de líderes e da nossa ascensão ao patamar de potência regional soará inútil e vazia de conteúdo se o atributo da liderança não for utilizado em ocasiões como esta. Uma América do Sul democrática, pacífica, livre de armas de destruição em massa e de terrorismo é, como se sabe, o melhor cenário para a consolidação da influência do Brasil entre os vizinhos. Nem que fosse apenas por isso, seria hora de Lula adotar uma nova e mais firme atitude de apoio ao governo da Bolívia em sua luta contra os focos fascistas que trabalham para implodir o país.

Fonte: Blog do
Alon Feuerwerker

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