quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Nouriel Roubini, uma voz dissidente, faz tempo anunciava a crise americana. Leiam os textos publicados na Carta Capital!

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A política e o crescimento

05/09/2008

Economista-chefe do site de análises econômicas RGE Monitor e professor da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini desdenha o crescimento de 3,3% do Produto Interno Bruto (PIB) americano no segundo trimestre do ano. Foi rescaldo apenas da devolução dos impostos feita pelo governo a empresas e cidadãos e do sopro de vida das exportações, que não deve perdurar. Sobre as políticas fiscais dos candidatos à Presidência dos Estados Unidos, Barack Obama (Partido Democrata) e John McCain (Republicano), ele avalia que o primeiro é mais lúcido sobre a necessidade de se recuperar a capacidade arrecadatória do Estado. Ao contrário, o republicano pensa em tornar os cortes de impostos permanentes, mas enfrentará fortes resistências no Congresso.

CartaCapital: A economia americana cresceu 3,3% no segundo trimestre deste ano, muito acima das expectativas dos analistas. Como esse porcentual deve ser analisado? É uma recuperação temporária?
Nouriel Roubini:
Mantenho a opinião de que os EUA entraram em recessão no primeiro trimestre. São duas as razões que explicam a recuperação do PIB. A primeira foi a devolução de impostos, determinada pelo governo Bush, para aliviar os inadimplentes da crise hipotecária e manter um certo nível de consumo. Mas foi uma medida temporária, que terminou em julho. Isso mudou. O consumo hoje está em queda, o mercado de trabalho, enfraquecido, os alimentos estão caros, assim como o petróleo. O segundo motivo dos 3,3% foi a recuperação das exportações, não sustentável, porque a economia global está prestes a entrar em recessão. Com o enfraquecimento da Europa e do Japão, as vendas externas americanas estarão comprometidas. No terceiro trimestre, veremos a queda do consumo e das exportações, com a conseqüente contração do PIB.

CC: Há também a recente valorização do dólar, que ajuda nas exportações americanas. O que acontece no mercado internacional de moedas?
NR:
Nos últimos meses, os investidores começaram a se dar conta de que a recessão não era apenas americana, mas global. Até pouco tempo atrás, o diferencial do juro entre os EUA e os países europeus era grande, porque o Federal Reserve cortava a taxa e os europeus a mantinham estável, o que provocava a desvalorização do dólar. Há agora a perspectiva de o diferencial de juro se estreitar, porque o Fed em algum momento vai elevar a taxa básica e os europeus, diminuir – os últimos porque estão preocupados com o crescimento. No entanto, não vejo fundamentos para a continuidade da valorização do dólar. A moeda permanecerá enfraquecida, em razão da crise global. Houve apenas uma recuperação momentânea.

CC: O primeiro-ministro do Japão, Yasuo Fukuda, renunciou na segunda-feira 1º. A recessão no país foi o principal motivo para a decisão?
NR:
Ele perdeu muito da popularidade em conseqüência das condições econômicas ruins. Antes, os japoneses tinham uma moeda (o iene) desvalorizada, o que impulsionava as exportações para os EUA. Mas, agora, os americanos compram menos, por causa da crise, e o iene não está mais tão fraco. Existem ainda os choques externos. O barril do petróleo está 60% mais caro do que há um ano e o Japão importa todo o petróleo que consome. Isso tem um impacto negativo imenso. Também há uma clara queda de confiança do empresariado e do consumidor. Por isso, não foi surpresa a redução de 0,6% do PIB japonês no segundo trimestre.

CC: Teve início a temporada de furacões nos EUA. O Gustav não foi tão devastador quanto o Katrina. Mas em que medida essas intempéries podem afetar o ritmo da atividade do país?
NR:
Vai depender da intensidade e dos prejuízos que trouxerem às atividades petrolíferas no Golfo do México. Se houver uma grande interrupção do fornecimento, os preços do petróleo vão subir, invertendo o movimento de queda global de todas as commodities.

CC: Barack Obama e John McCain são oficialmente, agora, os dois candidatos à Presidência dos EUA. O que diferencia as propostas dos dois, sobretudo quanto à política fiscal?
NR:
Há diferenças significativas entre as idéias deles. Obama sabe que o déficit fiscal está novamente em ascensão, em razão da atividade econômica fraca, e dos custos para tentar salvar o sistema financeiro. Ele está disposto a reduzir os cortes de impostos. De outro lado, a posição de McCain é que a queda dos impostos deve continuar permanentemente, o que em dez anos significa um rombo de 3 trilhões de dólares. Mas, mesmo se vencer as eleições, não poderá levar a cabo seu plano. Isso porque o Congresso estará sob o controle dos democratas. De todo modo, os EUA precisam retomar o poder sobre as contas públicas.

Fonte: Carta Capital

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Os ricos à beira da recessão

08/08/2008

Nouriel Roubini

Economista-chefe do site de análises econômicas RGE Monitor e professor da Universidade de Nova York, Nouriel Roubini avalia que os Estados Unidos já entraram em recessão e o mesmo deve acontecer com todos os países pertencentes ao clube dos mais ricos do mundo. Ele defende a continuidade da queda da taxa de juro americana, hoje em 2% ao ano, e avaliza a atuação do Banco Central brasileiro. Sobre o fracasso da Rodada de Doha, Roubini atribui exclusivamente à intransigência dos EUA e da Europa na questão dos subsídios agrícolas.

CartaCapital: O PIB dos EUA cresceu 1,9% no segundo trimestre. Por que esse porcentual confirma uma recessão no formato de W?
Nouriel Roubini: Não basta apenas olharmos os números do último trimestre de 2007 (-0,2%) e do primeiro deste ano (+0,9%). Discordo da definição oficial de recessão, que contempla a queda consecutiva por três meses do PIB. A recessão é mostrada por muitas variáveis: PIB, produção, emprego, confiança do consumidor e renda. Se analisarmos as cinco variáveis, as quatro últimas indicam desaceleração desde outubro de 2007.

CC: Os EUA já estão em recessão?
NR:
Por meus cálculos, sim. Entraram em recessão em algum momento entre o último trimestre de 2007 e o primeiro de 2008. Só houve reação do PIB no segundo trimestre em razão do pacote de ajuda do governo, ao devolver parte do Imposto de Renda pago pelos contribuintes. Foram centenas de bilhões de dólares destinados ao consumo no segundo trimestre. Este é o famoso W: queda, alta, queda e alta novamente. No segundo trimestre, houve apenas um sopro de vida temporário provocado pela devolução de impostos. O índice global do Morgan Stanley (MSCI), que mede o desempenho das bolsas de valores, mostra que 22 países estão no território negativo, com perdas de 20% ou mais.

CC: Que outros países estão à beira de uma recessão?
NR:
Todas as nações pertencentes ao G-8 estão próximas da recessão. Na Europa, Itália, Grã-Bretanha, Alemanha, Irlanda, Portugal e França, vítimas do estouro de bolhas imobiliárias locais, como houve nos EUA. No Canadá, o PIB foi negativo no primeiro trimestre. Na Ásia, o Japão também enfrenta encolhimento econômico.

CC: Há um grande debate entre dois economistas renomados. De um lado, Paul Krugman defende que os BCs do Primeiro Mundo baixem as taxas de juro para reativar a economia. De outro, Kenneth Rogoff, bastante ortodoxo, que foca apenas o combate à inflação. Qual dos dois tem razão?
NR:
Minha avaliação é de que o Federal Reserve tinha mesmo de reduzir a taxa de juro, até para evitar uma ajuda direta a mais instituições financeiras e consumidores, que quebrariam com a crise. A política monetária é um instrumento muito importante, para não deixar os cidadãos abandonados. O Fed não deveria ter salvado as maiores empresas hipotecárias americanas, Freddie Mac e Fannie Mae, nem instituições irresponsáveis, que concederam empréstimos sem nenhum critério. Há o risco do moral hazard (risco moral), ou seja, não punir o mercado, que foi a gênese da crise.

CC: Qual o custo dessa ajuda ao sistema financeiro para os contribuintes americanos?
NR:
A conta ao contribuinte será enorme. Calculo que possa atingir 2 trilhões de dólares. Chamavam-me de lunático quando mencionei esse valor em fevereiro. Pouco tempo depois, no entanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estimou 945 bilhões de dólares, o banco Goldman Sachs falou em 1,1 trilhão de dólares e o UBS, 1 trilhão de dólares. O famoso gestor de hedge funds John Paulson recentemente previu perdas de 1,3 trilhão de dólares, enquanto a Bridgewater Associates calculou 1,6 trilhão de dólares. É visível que 1 trilhão de dólares se tornou um piso, não um teto, para os prejuízos.

CC: E o caso dos países emergentes?
NR:
A inflação está em alta nos emergentes. Naqueles em que há superaquecimento, os BCs têm de ser rígidos e elevar o juro e têm feito bem seu papel. Em outros, os BCs perderam o controle. Não é o caso do Brasil, que está no caminho certo.

CC: Qual foi a principal razão do fracasso da Rodada de Doha, em Genebra?
NR:
Os EUA e outros países desenvolvidos recusaram-se a reduzir os subsídios ao setor agrícola e este é um aspecto crucial do sistema internacional de comércio. Os maiores culpados são os EUA e a Europa. Claro, alguns emergentes, como a Índia, também não estavam muito dispostos a fazer concessões. Mas os maiores responsáveis pelo fracasso de Doha são as políticas comerciais das nações mais ricas, com seus imensos subsídios aos produtores rurais.

site: http://www.rgemonitor.com

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Os BCs estão encurralados

06/06/2008

Nouriel Roubini

O professor da New York University, economista-chefe do site RGE Monitor e colunista de CartaCapital, Nouriel Roubini, acredita que o Federal Reserve vá fazer uma pausa na redução da taxa de juro nos Estados Unidos, depois de agressivos cortes realizados desde meados de 2007. Ele apóia a idéia da criação de um fundo soberano, com o excedente de dólares e superávit primário no Brasil. Observa muita especulação feita por hedge funds nos mercados futuros de alimentos e petróleo, mas prevê que os preços devam cair em seis meses, porque os produtores costumam responder rapidamente à alta das cotações. O economista, porém, tem uma visão pessimista sobre a economia global. Para Roubini, “o pior ainda está por vir”.

CartaCapital: Na última ata da reunião do Federal Reserve (Fed), quando a taxa de juro caiu 0,25 ponto porcentual, para 2% ao ano, os economistas tiveram avaliações divergentes sobre a futura política monetária nos Estados Unidos. Qual a sua leitura?
Nouriel Roubini: Minha opinião é de que o Fed não vai fazer nada com a taxa de juro a curto prazo. Nem aumentar nem reduzir. Haverá uma pausa. Não se sabe por quanto tempo, porque o Fed se preocupa com a desaceleração econômica e com as pressões inflacionárias. E ambas acontecem neste momento, em razão das commodities em alta, como petróleo e alimentos. Talvez, a autoridade monetária americana vá elevar o juro somente no segundo semestre deste ano, para não criar outra bolha.

CC: Por quanto tempo a escassez de alimentos e a disparada do petróleo vão permanecer?
NR: Não há uma resposta única. Depende da commodity, da especulação financeira com os preços. Há muitos hedge funds em apostas fortes na alta dos preços, assim como fundos soberanos. Não só os fundamentos explicam o motivo pelo qual o barril de petróleo subiu de 80 dólares para até 145 dólares. Não se sabe se é uma escassez pontual ou de longo prazo. Evidentemente, os fundamentos são importantes, porque a demanda vem crescendo a um ritmo mais forte do que a oferta. A oferta de petróleo terá uma resposta mais rápida, porque há descobertas de novas fontes de energia. Também os produtores de grãos vão aumentar a produção, em reação aos preços elevados. Enquanto isso não acontecer, vamos assistir a uma desaceleração econômica global. Mas também haverá uma queda dos preços das commodities, da ordem de 20%, em seis meses.

CC: Os bancos centrais dos Estados Unidos, União Européia e Grã-Bretanha estão agindo corretamente para tentar conter a crise?
NR: Depende. Há uma resposta à desaceleração econômica. O Fed foi especialmente agressivo no corte do juro. Já o Banco da Grã-Bretanha está mais preocupado com a inflação e fez reduções mais homeopáticas, enquanto o Banco Central Europeu resolveu manter as taxas estáveis, porque está atento à queda da atividade econômica na Europa. Do ponto de vista da concessão de crédito ao sistema financeiro, eles têm sido muito assertivos, provendo dinheiro provisoriamente para as instituições em dificuldades. Ainda assim, as taxas de juro interbancárias estão elevadíssimas. Isso pode indicar que tais atuações não têm tido um resultado eficaz. A crise de liquidez continua muito séria, com bancos se recusando a emprestar a outros, por falta de confiança.

CC: Há uma grande discussão no Brasil sobre a criação de um fundo soberano, com os dólares que entram no País e o excesso da meta do superávit primário. Qual a sua avaliação?
NR: Como muitos outros mercados emergentes, o Brasil acumulou um estoque significativo de reservas internacionais. Também porque era vantajoso usar os ienes do Japão, por exemplo, para investir em ativos brasileiros. A taxa de juro no Brasil é bastante elevada e é lógico que houve a busca por rendimentos melhores. Também faz sentido formar uma espécie de colchão, quando há superávit primário, para tempos de turbulências. É correto do ponto de vista de proteção.

CC: Qual é o maior risco que o mundo corre hoje? O maior desafio?
NR: Uma crise financeira mais grave é o maior perigo. Muitos pensam que o pior já passou. Estão enganados. O pior ainda está por vir. Estamos, nos Estados Unidos, somente no início de uma recessão. Mal começamos a contabilizar as perdas no mercado financeiro. Muitas más notícias ainda vão surgir nos balanços dos bancos, das empresas e nas taxas de desemprego. Esses fatos ruins vão abalar as bolsas de valores e piorar a questão do crédito, que tende a escassear mais. Também há pressões inflacionárias na maioria dos países do globo e os BCs estão encurralados. É um problema sério.

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A crise dos alimentos

11/05/2008

Nouriel Roubini

Embora se mantenha cético quanto à capacidade de retomada do crescimento econômico global após a crise das hipotecas nos Estados Unidos, o professor da Universidade de Nova York e economista-chefe do site RGE Monitor, Nouriel Roubini, acredita que o problema da escassez de alimentos será resolvido dentro dos próximos 12 meses. Neste caso, ele prevê que a resposta dos fazendeiros aos altos preços será rápida, com um aumento significativo da produção já nas próximas safras. Portanto, estariam equivocadas as soluções mais imediatistas adotadas por alguns países, como as restrições às exportações, que mantêm os preços em patamares artificialmente baixos. Válida, no curto prazo, é a política de apoio às nações mais pobres, nas quais é realmente urgente o combate à fome. O Brasil, de acordo com o especialista, tem um papel estratégico neste momento, pela capacidade natural de arrancar primeiro na corrida para oferecer comida ao restante do mundo.

CartaCapital: Muitas soluções diferentes têm sido apresentadas pelos países à crise dos alimentos. Quais delas são realmente capazes de resolver o problema ou diminuir seus efeitos?
Nouriel Roubini: Muitas reações vão na direção contrária de uma solução de longo prazo. Alguns países produtores tentam manter os preços mais baixos internamente, ao restringir as exportações. Isso beneficia aquele país especificamente, mas faz a crise dos alimentos se agravar globalmente. Ao tentar impor controles artificiais de preços, os governos deixam de dar incentivos aos agricultores para produzir mais. Muitas das políticas adotadas são contraproducentes. É claro que a comunidade internacional deveria estar oferecendo mais fundos, além de adotar mecanismos para ter a certeza de que a comida está chegando aos realmente necessitados. Mas a crise atual exige que se deixem os mecanismos de mercado agirem. Se os preços dos alimentos se mantiverem altos no curto prazo, vão estimular os fazendeiros a aumentar a área plantada. Para esse tipo de commodity, é mais fácil elevar a produção do que para itens como o petróleo, que, mesmo com o estímulo dos preços altos, exige anos de pesquisa e exploração, gastos tremendos com a perfuração de poços antes de chegar à etapa de extração. No caso dos alimentos, a resposta pode vir em uma safra ou duas.

CC: O senhor acredita que todos os países são capazes de elevar a produção de alimentos em um curto espaço de tempo?
NR: Na verdade, creio que existem condições de aumentar a produção em países como os Estados Unidos, no Brasil, nos mercados emergentes e na Europa. Por outro lado, há o problema de que, como alguns grãos são usados na fabricação de biocombustíveis, parte da terra deixa de ser usada na produção de comida. No Brasil, o etanol não precisa mais ser incentivado, mas, nos EUA, a produção de etanol é altamente subsidiada. Isto cria uma distorção que exacerba o problema. As políticas para subsidiar o etanol constituem uma dimensão importante da crise alimentar.

CC: O presidente Lula tem se esforçado para mostrar que o etanol de cana-de-açúcar é produzido sem prejuízo para outras lavouras.
NR: A produção de etanol à base de cana é bem mais eficiente do que a de milho. O Brasil subsidiou a produção há muito tempo, mas hoje o processo é mercadologicamente sustentável. Não acho que o etanol de cana seja parte do problema atual. Transformar o milho e outros grãos em biocombustível é um problema bem mais sério.

CC: Qual seria o papel do Brasil diante da crise?
NR: O Brasil, mais do que outros países, tem grandes áreas de terra e, se souber utilizar os recursos naturais disponíveis para aumentar a produtividade agrícola, poderá ampliar as vantagens comparativas na produção de alimentos. As únicas restrições são ambientais, porque é preciso evitar que sejam causados danos à Amazônia para ampliar, desnecessariamente, as áreas atuais de cultivo.

CC: Por quanto tempo o senhor acredita que o quadro de escassez de alimentos deverá perdurar?
NR: Em minha opinião, esta é uma crise que não deverá se prolongar por mais que 12 meses. Certamente, há um elemento de sazonalidade envolvido, mas, com os preços se mantendo tão altos, muitos fazendeiros, em muitas partes do mundo, estão começando a produzir mais. E, quanto melhor for a resposta dos fornecedores de sementes e implementos, mais rápida e elasticamente ocorrerá a retomada. Espero que, em cerca de um ano, possamos observar uma resposta positiva à demanda.

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Longe do fundo do poço

11/04/2008

Nouriel Roubini

O professor da Universidade de Nova York e economista-chefe do site RGE Monitor, Nouriel Roubini, considera que o pacote de medidas anunciado pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, pode ser visto como a maior mudança no sistema financeiro americano desde a Grande Depressão. Ele pondera, contudo, que não conterá a crise, por ter efeitos somente a longo prazo e manter a filosofia conservadora de auto-regulação dos mercados. O ideal hoje seria estatizar as dívidas podres e absorver o prejuízo logo. Confessadamente pessimista, Roubini acredita que os piores efeitos da crise das hipotecas ainda estão por vir, que as bolsas de valores não atingiram o fundo do poço e que a recessão americana poderá se estender por um ano ou mais.

CartaCapital: As medidas anunciadas por Paulson resolvem o problema da falta de confiança no mercado americano?
Nouriel Roubini:
As reformas visam a mudança do sistema de supervisão e regulação a longo prazo. As propostas de Paulson não resolverão os problemas imediatos. Evidentemente, são iniciativas positivas, mas apresentam limitações. Em primeiro lugar, no atual momento, mesmo com o estouro da bolha imobiliária, as operações de socorro e a atuação do Federal Reserve para manter um mínimo de liquidez, o secretário do Tesouro insinuou que a regulação sobre os bancos de investimento e hedge funds não será sistematicamente feita pelo Fed, mas apenas em momentos de crise. Acho isso um erro. Em segundo lugar, as autoridades não mencionaram como vão resolver a questão da securitização dos títulos, com toda a falta de informação e transparência que carregam. Finalmente, e talvez mais importante, a filosofia básica por trás do pacote é a auto-regulação das instituições financeiras, a disciplina supostamente intrínseca do mercado e os mesmos controles de riscos. Eles enfatizaram princípios e não regras. E isso provou ser absolutamente ineficaz na atual crise. Filosoficamente, permanece a idéia tradicional de auto-regulação, o que desaprovo.

CC: Foi realmente o pacote mais contundente desde a Grande Depressão que se seguiu a 1929?
NR:
Depende. O pacote sugere uma mudança radical na forma de se lidar com a política monetária. Todas as facilidades concedidas pelo Federal Reserve aos bancos de investimento já indicavam essa direção, ao permitir que eles tenham acesso às taxas de redesconto (mais baixas), da mesma forma que os bancos comerciais. Nesse sentido, sem dúvida há uma mudança. Mas ainda não foram tomadas as iniciativas que propus para acabar de vez com a crise, como a nacionalização das dívidas, nem a adoção de normas mais rígidas em relação aos bancos de investimento e a seus produtos.

CC: E o que as autoridades americanas poderiam fazer para haver resultados a curto prazo?
NR:
Chegamos a um ponto que as políticas monetária e fiscal tradicionais são ineficazes. As iniciativas do Fed de colocar dinheiro no mercado resolvem o problema da falta imediata de liquidez, mas não da insolvência e redução do crédito. Toda crise financeira precisa, em algum momento, de uma intervenção governamental mais forte. Ou seja, o resgate dos mutuários e dos investidores pequenos. O governo deveria comprar as hipotecas podres do setor privado, com um desconto grande de preços, e fixar novas taxas de juros. Isso evitaria que empresas e cidadãos entrassem em falência.

CC: O senhor é a favor de uma espécie de estatização de algumas instituições?
NR:
Sim. Nacionalizar os títulos serviria para estancar a crise do subprime. É preciso uma atitude financeira radical, para realmente sanear o mercado hipotecário.

CC: Os economistas discutem que tipo de recessão os EUA vivem agora: em forma de V (rápida), em U (mais longa) e em W (vai e volta). Qual a sua percepção?
NR:
Faz todo o sentido. Os economistas de Wall Street prevêem o formato V, com um ou dois trimestres de retração da economia e rápida recuperação no segundo semestre deste ano. Na minha opinião, teremos uma recessão em U, com a retomada da atividade apenas 12 ou 18 meses depois do início (janeiro de 2008). Também poderá haver, com os estímulos fiscais, uma recessão vaivém, mais no estilo do W. Ou um misto de um U com uma turbulência menor intermediária.

CC: O pior da crise já passou?
NR:
Eu sou mais pessimista do que a maioria dos analistas. A recessão será grave e os balanços dos bancos vão mostrar números muito ruins ainda. A bolsa de valores ainda não chegou ao fundo do poço e as condições de crédito continuarão muito tensas, com os juros interbancários ainda muito elevados. Preocupo-me com o excesso de confiança que alguns analistas manifestam, como para se livrar da crise. Não será tão simples assim.

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Quem vai pagar a conta?

07/03/2008

Nouriel Roubini

O professor da New York University, economista-chefe do site RGE Monitor e colunista de CartaCapital Nouriel Roubini calcula os custos de um processo de saneamento do sistema financeiro dos Estados Unidos. Analisa ainda a incoerência entre o discurso de laissez-faire do mercado, quando os ventos estão a favor, e os pedidos recorrentes dos bancos para que o governo alivie as perdas originadas no estouro da bolha imobiliária americana. “Definitivamente, estamos diante do paradoxo de privatizar os ganhos e socializar as perdas”, afirma o colunista.

CartaCapital: O senhor tem discutido teses de uma intervenção maior do Estado no mercado, para sanar a crise financeira americana.
Nouriel Roubini: Os problemas do crédito subprime se espalharam por toda a cadeia econômica. Chegaram aos financiamentos de boa qualidade, há um efeito forte sobre o segmento de cartões de crédito, de bônus emitidos pelas corporações e uma retração de consumo dos cidadãos. Milhões de mutuários vêem os preços de suas casas caírem, mas a dívida permanece alta. Eles simplesmente estão abandonando os imóveis, o que potencialmente pode causar um prejuízo de 1 trilhão de dólares. E não há soluções fáceis para o problema. O governo poderia comprar as hipotecas por valor superior ao de mercado, para evitar a quebra de muitos bancos. Outra opção seria simplesmente estatizar os bancos por um tempo. Mas isso terá um custo alto, em torno de 2,7 trilhões de dólares para o país. Em ambos os casos, seria uma situação muito delicada para o sistema financeiro.

CC: Qual o dilema do Estado?
NR: A questão principal é: salvar as instituições financeiras seria um uso apropriado do dinheiro público? Ou seja, os bancos fizeram manobras obscuras, entraram em terreno pantanoso, e agora que estão com problemas é justo salvá-los? O contribuinte americano está disposto a ver a dívida interna do país crescer mais 2,7 trilhões de dólares? Já houve resistência política com o pacote de Bush para aliviar a situação tributária de empresas e cidadãos em dificuldades.

CC: Como disse a revista The Economist, todos estão à procura de um plano B para a situação.
NR: Não há um plano B fácil. Está tudo muito confuso. O governo, por exemplo, deu aval para a Fannie Mae e Fred Mac (as duas maiores financiadoras de imóveis dos EUA) continuarem a conceder empréstimos, o que pode ser muito perigoso. Existem hoje exatamente 8 milhões de imóveis submersos em dívidas. Calculo que, se os preços no mercado imobiliário caírem mais 10%, dobrará o número de devedores cujo valor das casas é menor do que o débito total. Nesse ritmo, em pouco tempo, 40% do total das hipotecas no país estará inadimplente. Serão 51 milhões de imóveis.

CC: Trata-se de uma decisão política?
NR: O mercado sozinho não dará conta da situação. Precisamos de algo mais abrangente. É a maior crise desde a Grande Depressão, nos anos 30. Terá de haver algum tipo de intervenção governamental, mas não há clareza nem para Washington nem para Wall Street sobre como isso será feito. Já sugeriram que o governo compre, em leilões, apenas as hipotecas podres que estão embutidas nos fundos de investimento. Mas isso não resolverá a o problema.

CC: Não é irônico que a possibilidade de intervenção governamental seja cogitada, após uma longa ditadura do discurso que defendia a total liberdade e auto-regulação dos mercados?
NR: O discurso do mercado é assim. Por tempos, diz ao governo “deixe-me sozinho”, porque quer ousar tacadas arriscadas. Quando há algo de errado, pede uma tábua de salvação. Agora, uma enorme quantidade de grandes bancos deseja ser subsidiada pelo governo. Até o fato de o Federal Reserve ter reduzido o juro tão rápida e substancialmente foi uma demanda do mercado, para aumentar a liquidez do sistema e reduzir seus prejuízos. Definitivamente, estamos diante do paradoxo de privatizar os ganhos e socializar as perdas. Mas, com ou sem intervenção, haverá perdas para a economia americana, que entrará em recessão.

CC: Ben Bernanke não está, com a política monetária, incentivando a criação de futuras novas bolhas?
NR: Ele realmente reduziu o juro de forma agressiva, da mesma forma que Alan Greenspan fez no passado, para salvar os investidores. Mas há justificativa hoje. O Fed está preocupado com a atividade econômica real e a estabilidade financeira. De todo modo, isso se tornou um padrão preocupante. Em tempos ruins, a política monetária é frouxa e acaba por produzir bolhas futuras. Em tempos de prosperidade, o juro se eleva para conter a inflação e a atividade econômica se desacelera, ou uma bolha estoura. É um círculo vicioso, permeado pelo conceito de moral hazard (risco moral).

Para saber mais, clique aqui

Fonte: Carta Capital

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