segunda-feira, 4 de maio de 2009

Preconceito contra imigrantes e mais gripe do porco

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por Leonardo Sakamoto

Não é delicado ouvir conversas de pessoas estranhas. Mas também não é delicado falar alto em aviões. Como, ladrão que rouba ladrão tem cem anos de perdão, considero-me absolvido.

No vôo entre Londres e São Paulo ontem, ouvi uma conversa bastante paradigmática do que é parte de nossa querida elite. Três brasileiros conversavam sobre o problema de imigração ilegal no Reino Unido. Discutiam que em breve o país iria querer deixar a União Européia, haja visto a grande quantidade de pessoas de outras nacionalidades que vinham roubar emprego por lá.

“O cidadão inglês passa a vida inteira trabalhando, pagando seus impostos, para que venham imigrantes ilegais e se aproveitem do benefício do Estado às suas custas.”

“Essas pessoas baixam o custo da remuneração. Há atividades que os londrinos não fariam por 100 libras por semanas. Mas aí vem um brasileiro, que não tem dignidade, e aceita. Isso aumento o desemprego entre os locais, é um absurdo.”

Análises simplistas, rastaquelas, carregadas de preconceito e desinformação.

Há um filme norte-americano em que, certo dia, o país fica sem os trabalhadores mexicanos que desaparecem de uma hora para outra e tudo vira de cabeça para baixo. Caso a mesma coisa acontecesse na terra da rainha com indianos, paquistaneses e mesmo brasileiros, a vida dos nativos também se tornaria um caos. Os países do centro do capitalismo mundial não fazem um favor (ou são dilapidados) ao aceitarem trabalhadores de outros países, e sim se beneficiam - e muito - com isso. Primeiro, porque há trabalhos que os locais não querem fazer (limpar, escovar, fritar, carregar…), segundo porque a população de países como a Inglaterra está envelhecendo e, com as baixas taxas de natalidade, o número de economicamente ativos vai diminuindo. Enfim, há uma séria de justificativas para explicar o “benefício” da imigração de trabalhadores para esses locais.

O interessante é que a discussão é tida como um problema de polícia, de fechar fronteiras, de criminalizar o imigrante e não de reconhecer o seu papel na geração de riquezas (lembrando que só o trabalho gera riqueza real) e buscar integrá-lo à sociedade, o que reduziria os problemas sociais e traria maior arrecadação de impostos – contribuindo com a própria manutenção do Estado. Até porque, se uma legalização ocorrer, diminuindo a fragilidade desses grupos e aumentando sua capacidade de mobilização sindical, muitas empresas teriam que pagar mais e melhor a essas pessoas, equivalendo seu status aos dos trabalhadores locais. Em outras palavras, a economia, direta ou indiretamente, se beneficia da informalidade da imigração ilegal e muitos dos seus setores não querem que a situação mude.

Ou alguém acha que a maioria dos imigrantes pobres que mudam de país e passam a vida fugindo da polícia (Jean Charles que o diga…) e limpando merda dos outros para ganhar 100 libras por semana fazem isso porque gostam disso ou porque a vida em suas terras natais estava impossível?

Daí, uma discussão se abre: e por que a vida estava impossível de se viver em países como Índia, Brasil, Paquistão, Gana? Por causa de um longo histórico de governos e elites bizarras, corruptas e incompetentes, e de uma população pouco organizada para lutar contra isso? Também. Mas governos e empresas de países como Reino Unido e Estados Unidos (mãe e padrasto do capitalismo, respectivamente), que exploram sem dó a periferia do mundo, tem um importante grau de participação na origem desses problemas sociais que expulsam imigrantes de suas terras.

De certa forma, reproduzimos o mesmo padrão por aqui. Muita gente reclama das levas de trabalhadores bolivianos que vêm tentar a sorte em oficinas de costura em São Paulo e comem o pão que o diabo amassou, que eles roubam empregos e não dão nada em troca. Como se os produtos de muitas lojas das ruas Oriente e José Paulino ou de muitas cadeias de lojas de shoppings fossem baratos por geração espontânea e não por pressão sobre a parte fraca do elo produtivo.

O Brasil adotou mais uma campanha de anistia aos imigrantes ilegais, o que é bom. Mas há uma longa diferença entre tornar legal e garantir equidade de direitos trabalhistas. Da mesma forma que não pode existir cidadãos de primeira e segunda classe o mesmo vale para os trabalhadores.

Enquanto isso, empresas e fazendeiros brasileiros fazem miséria na Bolívia. O imperialismo brasileiro, só porque é menor e mais jovem, não é menos feio que o dos países do Norte. E sua elite tem mais conexões com a de Londres do que os vôos diários que ligam as duas cidades.

* * * *

Alguém disse que o Aeroporto de Guarulhos estava em alerta por causa da Gripe do Porco. Não foi o que vi. Um anúncio no avião, de que se alguém estivesse com sintomas que procurasse a saúde pública no aeroporto, era a única ação adotada. Não que ache que precise de algo, já disse aqui que, na minha opinião, há uma reação exacerbada à epidemia. Mas é só para colocar em pauta a relação discurso x ação das aLinkutoridades.

Além disso, devido à troca de turno da Polícia Federal, a área de imigração estava congestionada com centenas de pessoas. É uma ótima forma de colocar em contato pessoas que vieram de vôos de regiões onde o problema não existe com aquelas que chegarem de locais em que ele já é uma realidade. Se isso é estar em alerta, imagine o que não é estar.

Fonte: Blog do Sakamoto

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