terça-feira, 12 de maio de 2009

Harry, Louise e Barack

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por Paul Krugman*
Dos Estados Unidos

Seria o fim de Harry e Louise?

Harry e Louise era um casal ficcional que aparecia em comerciais pagos pelas companhias de seguro em 1993, preocupado com o que aconteceria se os "burocratas do governo" começassem a decidir seus planos de saúde. Os comerciais ajudaram a derrotar o plano de saúde pública proposto por Clinton, e são lembrados como um símbolo do poder dos lobistas em abafar a reforma da saúde.

Mas sábado, alguns oficiais da administração Obama me ligaram bastante empolgados para dizer que desta vez o complexo médico-industrial (termo utilizado por eles) está querendo colaborar.

Seis importantes órgãos da indústria - incluindo a America's Health Insurance Plans (AHIP), uma descendente dos lobistas que criaram Harry e Louise - enviaram uma carta ao presidente Barack Obama apresentando um plano para controlar os custos dos planos de saúde. Além disso, a carta parecia implicitamente corroborar com muito do que a administração tem dito sobre os gastos com a saúde.

Haveria razões para suspeitarmos deste presente? Pode apostar - logo falaremos disto. Mas vamos por partes: A princípio, o acontecido é uma ótima notícia.

Os signatários da carta dizem estar desenvolvendo propostas para ajudar a administração no objetivo de cortar 1,5 pontos percentuais da taxa de crescimento dos gastos com a saúde. Pode não parecer muito, mas é uma enormidade: Conquistar este objetivo poderia economizar dois trilhões de dólares nos próximos dez anos.

E como estes gastos seriam contidos? Há poucos detalhes, mas parece certo que a indústria esteja seguindo os ensinamentos de Peter Orszag, diretor de orçamento.

No seu emprego anterior, como diretor do Departamento de Orçamento do Congresso, Orszag dizia que os Estados Unidos gastavam demais nos mesmos tipos de atendimento de saúde com pouco ou nenhum benefício médico, mesmo gastando pouco em outros tipos de atendimento, como a prevenção e o tratamento de doenças crônicas. Juntando tudo isso, ele concluiu que "há oportunidades substanciais para reduzir os custos sem afetar o sistema de saúde como um todo".

Por isto que a carta da indústria fala de "reduzir o uso exagerado e o pouco uso do sistema de saúde, alinhando incentivos de qualidade e eficiência". A carta também menciona um dos temas favoritos de Orszag, falando da "adesão a práticas e terapias baseadas em provas concretas". No geral, parece ser tudo que o doutor, quer dizer, o diretor de orçamento receitou.

Antes de começarmos a comemorar, precisamos fazer a pergunta óbvia. Será que este presente é um cavalo de Tróia? Afinal de contas, várias organizações que enviaram aquela carta foram grandes vilões das políticas de saúde no passado.

Eu já falei da AHIP. Há também a Pharmaceutical Research and Manufacturers of America (PhRMA), o grupo de lobistas que ajudou a aprovar a lei de Modernização da Assistência Médica em 2003 - uma lei que impedia a Assistência Médica de barganhar o preço dos remédios e garantiu pagamentos excessivos enormes a seguradoras privadas. Sem dúvidas, um dos signatários da carta é o ex-deputado federal Billy Tauzin, que garantiu o trânsito da lei no Congresso, para imediatamente depois deixar o cargo público para tornar-se o presidente de salário milionário da PhRMA.

A questão é que temos todas as razões para suspeitarmos dos motivos destes sujeitos. Lembre-se de que aquilo que nós chamamos de custos com seguros de saúde eles chamam de salário.

O que está acontecendo é que os grupos interessados se deram conta de que uma reforma na saúde é inevitável, e que aliar-se com o grupo do contra só iria dificultar sua participação nas decisões. (Os Republicanos, afinal de contas, ainda insistem em fazer pesquisas para ver quais procedimentos médicos são efetivos e quais não são, numa tentativa de conspirar contra o direito de escolha dos americanos).

Eu recomendaria à administração Obama que fossem resistentes nas negociações futuras. Em especial, a AHIP irá certamente tentar usar a boa vontade criada pelo seu posicionamento para tentar anular uma parte importante da reforma da saúde: Dar aos americanos o poder de escolha para optar por um plano público de saúde em vez do privado. A administração não deve desistir deste objetivo.

Mas não sejamos tão negativos. Já é um bom sinal que o complexo médico-industrial esteja tentando adaptar a reforma da saúde em vez de bloqueá-la completamente. Parece que os Estados Unidos vão poder finalmente conquistar o que todo país desenvolvido tem: um sistema que garante a saúde básica a todos os seus cidadãos.

E um controle de custos sério poderia mudar tudo, não apenas a saúde pública, mas o futuro fiscal do país. Como Orszag enfatizava, o aumento no custo dos seguros de saúde é a principal razão pela qual as projeções orçamentárias de longo prazo parecem tão pessimistas. Diminuir o ritmo em que estes custos aumentam tornará o futuro mais promissor.

No entanto, é bom não contar com isso antes de termos certeza. Mas já posso dizer que estas são as melhores notícias de políticas públicas que eu recebo em muito tempo.

*Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

Fonte: Terra Magazine

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