sexta-feira, 8 de maio de 2009

E viva a véspera de eleição!

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por Leonardo Sakamoto

O ministro dos Transportes Alfredo Nascimento (PR-AM) tem defendido na mídia a recuperação/asfaltamento da BR-319, que liga o Amazonas à Rondônia, na Amazônia Ocidental.

Ele nega que a obra vá causar impactos ambientais, defende a demarcação de áreas de conservação no entorno da rodovia (o governo federal tentou a mesma coisa na Cuiabá-Santarém mas alguém esqueceu de avisar as madeireiras que continuam “trabalhando” por lá) e diz que haverá ampla discussão com a sociedade em audiências públicas (que no Brasil têm funcionado apenas para legitimar uma decisão já tomada, uma vez que as opiniões das populações locais raramente são ouvidas – vide o projeto de Transposição do São Francisco).

A jornalista Thaís Brianezi, amazonense e que conhece bem a realidade local, teceu um breve, mas elucidativo comentário sobre as intenções do ministro: “Alfredo Nascimento é candidato declarado ao governo do Amazonas e não se elege se não pavimentar a BR-319. Lá em Manaus participei de pelo menos cinco seminários e/ou debates sobre a BR-319. A obra é para lá de polêmica: beneficia quase somente o Pólo Industrial de Manaus, embora tenha apelo entre a população de Manaus (que imagina, assim, ter outra alternativa para viajar, além de barco e avião). O Grupo de Trabalho Amazônico, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia e a Comissão Pastoral da Terra são radicalmente contra a pavimentação - os motivos são velhos conhecidos: conflitos fundiários e desmatamento.

Não por acaso, o atual governador (Eduardo Braga) tem defendido um projeto alternativo, de construção de ferrovia. Ele contratou inclusive uma consultoria para ver a viabilidade da obra (e quanto o desmatamento evitado com ela geraria de créditos de carbono). Sempre o meio ambiente como jogo de marketing. E viva a véspera de eleição!”

A construção de grandes rodovias para interligar a Amazônia aos grandes centros nacionais e aos portos e, de lá, para o mundo foi uma das principais políticas da ditadura militar para a região. Através delas, chegaram trabalhadores, máquinas e insumos para os empreendimentos e, é claro, a produção teve um meio de ser escoada.

Cada uma dessas estradas guarda uma história de destruição, morte e ilusões de desenvolvimento. O governo militar (e os do período democrático) venderam a idéia de que a Amazônia é um grande deserto verde a ser ocupado (lembra daquele lema-abobrinha “homens sem terra para uma terra sem homens”?), o que não condiz com a verdade - considerando que a região já era ocupada por povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, camponeses. As estradas passaram por cima deles, construídas de forma irracional sem preocupações com meio ambiente (que era visto como coisa de bicho-grilo na década de 70). Tanto que a floresta deu o troco e muitas estradas foram engolidas pela mata e pela terra, sendo intransitáveis em determinadas épocas do ano até hoje.

OK, tudo isso já conhecemos. O problema é que a história se repete e, nesse exato momento, o governo brasileiro está colocando em prática a revitalização dessas estradas. A intenção é tê-las em condição de uso pleno nos próximos anos. A terraplanagem e o asfalto vão facilitar a vida de alguns, contudo, ao mesmo tempo, vão possibilitar o aumento do desmatamento, a expulsão de comunidades tradicionais, a grilagem de terras, a mineração irregular, a biopirataria, o trabalho escravo, a prostituição infantil, a contaminação ambiental, a formação de centros urbanos precários, o desvio de recursos públicos. Além de conflitos pela terra entre grileiros, posseiros, camponeses, governos e grandes empresários, que certamente resultarão em mais mortes.

As principais estradas que estão na mira dessa expansão, além da Porto Velho-Manaus e da BR-163 (Cuiabá-Santarém), é a própria BR-230 (Transamazônica) e uma que não está nos mapas, mas é real: a Transiriri, que liga o Sudeste ao Sudoeste do Pará.

O número de trabalhadores rurais, camponeses, indígenas, posseiros, ambientalistas e religiosos vítimas de violência na Amazônia tem sido grande, do tamanho das possibilidades de ganhos vislumbrados pelo capital nacional e estrangeiro e pelos coronéis locais. Essas rodovias cruzam áreas de conflito ou que são consideradas de alto risco a esses grupos.

Nos últimos tempos, o impasse sobre a concessão da licença ambiental para usinas hidrelétricas na Amazônia trouxe à tona a discussão sobre o impacto dos grandes projetos de infra-estrutura na região. As rodovias, personagens principais desta pauta, são, é claro, alguns dos melhores exemplos. Mas a ampliação da oferta de energia, necessária para o crescimento do país, através da construção de usinas são os projetos mais polêmicos por terem maior potencial de alteração das realidades social e ambiental locais. Algumas das rodovias, como a Porto Velho-Manaus e a Transamazônica, cruzam áreas em que serão construídas as principais hidrelétricas planejadas no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC).

A gente boa que mora por aquelas terras está sendo atropelada por estar no caminho do “progresso”, sem nem ter tempo para anotar a placa do caminhão. Que pode ser de madeira, gado, arroz ou soja.

Fonte: Blog do Sakamoto

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