terça-feira, 12 de maio de 2009

Após dez anos de impunidade...

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por Rodrigo Martins

Passados mais de dez anos do crime, o Ministério Público do Paraná decidiu reabrir o inquérito que apura a morte do sem-terra Sétimo Garibaldi, assassinado na madrugada de 27 de novembro de 1998, na Fazenda São Francisco, em Querência do Norte (PR). Arquivada há cerca de cinco anos, a investigação foi retomada exatamente nove dias antes de uma audiência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, realizada nos dias 29 e 30 de abril, no Chile. O julgamento é resultado de uma denúncia feita por entidades de direitos humanos contra o Estado brasileiro, acusado de ter sido omisso e conivente com a impunidade.

Segundo as entidades peticionárias, a Justiça brasileira foi inoperante. “Para justificar a reabertura do caso, o Ministério Público se amparou em dois depoimentos que apenas reafirmam o que já havia sido apurado. Isso significa que o caso jamais poderia ter sido arquivado e agora foi reaberto às pressas, numa manobra para tentar demonstrar que as autoridades brasileiras não foram omissas, e apenas estavam zelando pelo devido processo legal”, comenta a advogada Renata Lira, da ONG Justiça Global. “O caso nunca foi investigado adequadamente e, desde o início, já havia fortes indícios de quem eram os autores do crime.”

O promotor Fábio Guaragni, assessor da Procuradoria-Geral do Ministério Público do Paraná, rebate a acusação. “Só podemos reabrir um inquérito mediante um fato novo. E esse fato existe, são as declarações de um sem-terra que mostram a possível relação deste crime com outros casos envolvendo milícias a mando de fazendeiros”, afirma. “Isso não constava no inquérito e pode servir para abrir uma nova linha de investigação.”

O crime ocorreu quando a fazenda de propriedade de Morival Favoreto estava ocupada por cerca de 70 famílias sem-terra. De acordo com testemunhas, no dia do crime, por volta das 5 horas da manhã, aproximadamente vinte homens encapuzados, armados com carabinas e escopetas, chegaram ao acampamento em caminhões e picapes, com o objetivo de retirar à força os trabalhadores acampados. À medida que os barracos eram desocupados, os pistoleiros começaram a disparar contra os trabalhadores. Sétimo Garibaldi foi alvejado na perna.

“Tentei socorrer meu pai, mas ele morreu a caminho do hospital. Eu não fazia ideia de quem eram aqueles jagunços, a gente tinha entrado no acampamento há apenas três meses”, conta Vanderlei Garibaldi, de 39 anos, filho do lavrador assassinado. “Mas um companheiro conhecido como Barriga reconheceu a voz de Morival e do administrador da fazenda, Aílton Lobato, porque havia trabalhado para eles antes de entrar para o MST.”

Aílton seria preso horas depois por porte ilegal de arma. Carregava um revólver 38 com um cartucho deflagrado, mas depois foi solto. O fazendeiro nega a autoria do crime e apresentou um álibi à polícia. O inquérito se arrastou por seis anos, até o MP paranaense pedir o arquivamento do caso, por considerar as provas “frágeis” e “contraditórias”.

O assassinato de Garibaldi não é um fato isolado. No estado do Paraná, entre 1995 e 2003, a situação no campo foi marcada por graves conflitos fundiários. Na ação encaminhada à Corte Interamericana, as peticionárias destacam que 516 trabalhadores rurais foram presos nesse período. Além disso, a ação das milícias privadas levou ao assassinato de dezesseis militantes sem-terra. “Desses casos, apenas um foi levado a júri até hoje”, comenta Darci Frigo, coordenador da ONG Terra de Direitos.

No âmbito da Corte Interamericana, os advogados de acusação e defesa têm prazo de um mês para encaminhar as alegações finais por escrito. Após receber o documento, a entidade deverá se manifestar sobre a condenação ou não do Brasil, que pode sofrer sanções na esfera internacional, caso fique comprovada a omissão estatal na apuração desse crime.

Fonte: Carta Capital

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