segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Serra, Kassab & Cia. Ilimitada

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Os pobres, ou ex-pobres, se tomarmos em conta os milhões de brasileiros que cruzaram o linha da pobreza para cima, estão cada vez mais cobrando voz na política. É a sua presença que vai definir o cenário futuro, é a força da sua maré que vai terminar de afundar a teoria da pedra no lago.

Visto de longe, o Brasil saiu mais petista e mais peemedebista desta eleição em dois turnos, e menos pessedebista e menos dem também.
Não fosse a vitória de Kassab, o DEM ficaria anêmico. Também não fora a vitória de Kassab, o PSDB também não teria grande coisa a festejar. A imprensa conservadora e seus analistas também.

A partir daí quer-se construir o discurso da vitória de Serra como o grande passo desta eleição. As premissas desse discurso são: só o que acontece nas maiores metrópoles é relevante; só o Brasil das grandes metrópoles é relevante; só o que acontece com Serra é relevante. Essas análises permanecem ainda aferradas ao modelo de pensamento da pedra no lago, dos círculos concêntricos que se espalham, que o eleitor dos grandes centros do sudeste vale mais do que o das outras regiões do país, etc.

Porque Serra precisa ser ungido como o moinho de vento diante do qual os quixotescos petistas, ou lulistas, ou o que forem, serão desapeados de seus Rocinantes. Pois assim essa leitura vê os eleitores que votam à esquerda, com Lula ou sem Lula: como Rocinantes montados por Quixotes.

Há várias considerações a fazer. O PMDB saiu muito fortalecido nas eleições, embora não tenha definido uma liderança nacional. Vai cobrar um possível apoio a um candidato lulista em 2010. O PT cresceu muito, talvez, proporcionalmente, entre os grandes partidos, tenha sido o que mais cresceu. Houve casos relevantes para a análise.

Por exemplo: tão importante quanto fazer a análise de por que Maria do Rosário perdeu em Porto Alegre, se possível sem dedos apontados para o linchamento, é fazer a análise de porque o PT ganhou em quase todo o cordão de cidades vizinhas que pertencem à grande Porto Alegre. Ao contrário de antes, quando era um bastião vermelho, a capital gaúcha agora está cercada por um anel rubro. Para além da questão dos acertos e erros de campanha, que são cruciais, é preciso chegar até a análise social do que está acontecendo no país e em suas diferentes regiões.

Outro exemplo: sim, Sérgio Cabral sai engrandecido com a vitória de Eduardo Paes e a derrota do neo-udenismo de Gabeira. Mas deve-se analisar qual o papel, nessa vitória, da crônica impossibilidade da esquerda carioca colocar uma plataforma e candidaturas viáveis, unindo-se em torno delas, e não apenas se concentrando na defesa de seus nichos.

No caso de S. Paulo, sim, de certo modo Serra venceu. Ou seja, derrotou Alckmin na disputa interna do PSDB, empurrou FHC mais para a sombra, e tornou-se o líder desse partido e, portanto, o cabeça-de-chave da direita nacional. Agora, atribuir a seco a vitória de Kassab ao empurrão de Serra é desconhecer pelo menos um fator preponderante nessa vitória: o próprio Kassab. Kassab obteve uma vitória contundente em S. Paulo capitalizando sim o anti-petismo que viceja na comarca paulistana, mas também porque sua administração avançou em alguns territórios que em outras eleições votaram em peso na ex-prefeita Marta Suplicy. E fez isto porque se afastou de balizas da gestão de Serra na prefeitura, fazendo uma administração mais “populista”, se me permitem tomar o jargão que a direita usualmente quer pendurar na esquerda.

Portanto, para se buscar uma visão que balize a discussão do resultado e da resultante, isto é, a eleição de 2010, é preciso ir além do tabuleiro político em sentido estrito, e se ver como estão se (re)alinhando as forças sociais que esse tabuleiro representa. Os pobres, ou os ex-pobres, se também tomarmos em conta os milhões de brasileiros que cruzaram o linha da pobreza para cima, estão cada vez mais cobrando voz na política. É a sua presença que vai definir o cenário futuro, é a força da sua maré que vai terminar de afundar a teoria da pedra no lago. Mas isso não significa, necessariamente, uma votação mais à esquerda. Se não houver trabalho de aproximação contínua com essa nova paisagem brasileira, periga ela tornar-se conservadora. A crise e seus efeitos vão dar a nota toante nos próximos tempos, junto com as propostas para enfrentar seus problemas, e o modo de explicitá-las.

*Flávio Aguiar é editor-chefe da Carta Maior.

Fonte: Agência Carta Maior


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