quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A globalização, a crise atual e o mundo do trabalho

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por Ricardo Young*

A OIT – Organização Internacional do Trabalho divulgou, na semana passada, um relatório muito revelador sobre o mundo do trabalho na era da globalização. Ele merece uma reflexão à luz da responsabilidade social empresarial.

Em primeiro lugar, vamos comentar as diferenças entre os modelos econômicos baseados na intervenção estatal e no denominado “neoliberalismo”. Depois do fim da segunda guerra, um consenso entre as nações criou um sistema em que o excedente do capital não tinha função especulativa e, em tese, não devia gerar inflação. O Estado recolhia este excedente via impostos e distribuía para a sociedade de acordo com um planejamento estratégico (para beneficiar este ou aquele setor econômico), garantindo um mínimo de qualidade de vida para a população (o “bem estar social”).

Foi um período de estabilidade nos países industrializados, com grande avanço dos benefícios sociais. Nos países periféricos (ou emergentes), o “bem estar social” foi menos evidente. Em alguns casos, significou independência política, como na Índia e na grande maioria dos países africanos; em outros, uma relativa melhora da qualidade de vida das populações urbanas, por conta do impulso dado à industrialização pelos governos nacionais (caso do Brasil).

Este cenário começou a deteriorar-se a partir dos anos 60 pela ocorrência de vários fatores que podem ser resumidos no binômio ampliação dos direitos de cidadania x incapacidade de expansão dos meios econômicos para atender as demandas. Os movimentos sociais e (contra)culturais que surgiram na época foram sintomas deste embate.

Foi deste caldo que se alimentou o embrião do que, nos anos 80, veio a ser o “neoliberalismo”. Assimilando as demandas por mais liberdade individual, foi construído um novo arcabouço econômico para o mundo em que o Estado não exerceria mais a “função distributiva” do modelo anterior. A regulação dos recursos passaria a ser feita pelo “mercado” que, por ser formado por indivíduos livres, racionais e proativos, seria mais “capaz” de alocar os recursos onde eles fossem mais necessários (entenda-se lucrativos). Dentro desta lógica, os serviços públicos deveriam ser privatizados e os demais recursos, postos a serviço da especulação.

Deu no que deu. A realidade mostrou que o mercado não só não aloca os recursos de maneira regular e equânime onde eles são mais necessários, como as forças especulativas, livres de amarras, são muito maiores que a sociedade. Capitais foram utilizados para alavancagens infinitas, criando uma moeda virtual que gerou inflação, ineficiência, desigualdade e desemprego.

As dez regras básicas do Consenso de Washington:
• Disciplina fiscal
• Redução dos gastos públicos
• Reforma tributária
• Juros de mercado
• Câmbio de mercado
• Abertura comercial
• Investimento estrangeiro direto, com eliminação de restrições
Privatização das estatais
• Desregulamentação (afrouxamento das leis econômicas e trabalhistas)
• Direito à propriedade intelectual

que, segundo seus autores (FMI, o Banco Mundial e o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos, fundamentadas num texto do economista John Williamson, do International Institute for Economy, e que se tornou a política oficial do Fundo Monetário Internacional em 1990) deveriam espalhar prosperidade pelo universo, produziram justamente o contrário. No mundo do trabalho, o lado mais sensível da chamada “economia real”, foi o mais atingido, de acordo com o relatório da OIT. Centenas de milhões de pessoas não receberam os benefícios do crescimento ocorrido nos últimos anos e ainda vão “pagar a conta” da crise financeira e econômica atual.

Os modelos econômicos adotados pelos países, e que foram baseados nos princípios do Consenso de Washington, reproduziram a desigualdade com a mesma velocidade com que criaram recursos inexistentes. Estes modelos refletem um processo de globalização financeira que intensifica a instabilidade econômica; fortes aumentos nos salários dos executivos não relacionados ao rendimento da empresa; mudança institucional e políticas de redistribuição mais fracas.

Se é verdade que, em termos globais, o emprego aumentou 30% entre 1990 e 2007, é também verdade que aumentou a concentração de renda e a disparidade entre ricos e pobres. Isto porque a geração de emprego não distribuiu renda. Em 51 dos 73 países pesquisados, a participação dos salários como parte da renda diminuiu em 20 anos. A maior diminuição foi registrada na América Latina e no Caribe ( -13 pontos percentuais), seguida da Ásia e Pacífico ( -10 pontos percentuais) e das Economias Avançadas ( - 9 pontos percentuais).

Em países com inovação financeira sem regulamentação, os trabalhadores e suas famílias se endividaram cada vez mais para poder enfrentar os investimentos imobiliários e o consumo.

Entre 1990 e 2005, aproximadamente dois terços dos países tiveram um aumento da desigualdade de renda. No mesmo período, a disparidade entre os 10% de assalariados com renda mais alta e os 10% com a renda mais baixa aumentou em 70%. Por isso, está aumentando a disparidade de renda,a um ritmo cada vez maior, entre os altos executivos e o empregado médio. Em 2007, por exemplo, os diretores executivos (CEO) das 15 maiores empresas dos Estados Unidos receberam salários que seriam mais de 520 vezes superiores aos do trabalhador médio, comparado com uma diferença de 360 vezes em 2003.

Comparado com períodos anteriores de expansão, os trabalhadores receberam uma cota menor dos frutos do crescimento econômico, uma vez que a participação dos salários na renda nacional diminuiu na grande maioria dos países;

Agora, os Estados estão despejando trilhões de dólares para salvar as instituições financeiras. Quem vai pagar este almoço? Milton Friedman? Os executivos beneficiados por bônus espetaculares? Os “criativos” dos derivativos?

Nos anos de “exuberância” do mercado, várias companhias adotaram uma outra maneira de fazer negócio, pois perceberam que havia algo errado em um mundo onde o lucro crescia em oposição ao bem estar da sociedade. Estas empresas construíram o movimento da responsabilidade corporativa e iniciaram a busca por um modelo de desenvolvimento sustentável que garanta estabilidade para os negócios, para a sociedade e para o meio ambiente. Isso exige mudar a maneira de produzir e consumir.

Nesta hora de crise – quando o velho já morreu e novo ainda não nasceu – não será o momento de aprofundar as práticas e, mais do que isso, buscar influenciar as partes interessadas, a concorrência e os governos de que já passou da hora de construir um planejamento que busque soluções criativas para evitar desemprego, crise ambiental e estagnação econômica. O desenvolvimento sustentável pode ser a saída.

*Ricardo Young, 51 anos, empresário, graduado em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, pós graduado em Administração Geral pela PDG/EXEC. Presidente do Conselho Deliberativo do Yázigi Internexus; fundador e presidente por três mandatos da Associação Brasileira de Franquias (ABF). Presidente do Instituto Ethos e do UniEthos; conselheiro das organizações Global Reporting Initiative (GRI) em Amsterdam, Holanda, Accountability, em Londres (Inglaterra) e Grupo de Zurich (Suiça) . Foi membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), da Presidência da República, até dezembro de 2006.

Fonte: Carta Capital

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