sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Até Datena concorda: mídia passou dos limites na tragédia de Santo André

::



Vale a pena ler a entrevista abaixo, publicada originalmente no Terra Magazine. O apresentador José Luiz Datena, que comanda um dos programas mais polêmicos da televisão brasileira, achou excessiva a exploração do seqüestro das meninas Eloá e Nayara na mídia nacional. Este é um país estranho. É preciso um sujeito como o Datena para avisar que "jornalista não é negociador", logo ele, que tantas vezes já foi acusado de extrapolar todos limites do bom senso em seu programa de caráter nitidamente sensacionalista. Se Datena acha que a turma exagerou, a situação é realmente muito grave. E em várias passagens da entrevista, não dá mesmo para discordar do que ele diz. O caso de Santo André comoveu e ainda comove o Brasil. Noves fora a extrema incompetência da polícia paulista, que conseguiu a proeza de devolver uma refém menor de idade a um assassino potencial, além de invadir o local quando ele começava a dar óbvias demonstrações de cansaço, após 100 horas de negociação, o comportamento da mídia também foi nota zero. No fundo, difícil dizer que agiu pior, se a polícia ou a imprensa.
A seguir, a íntegra da entrevista.

"Jornalista não é negociador", critica Datena

Claudio Leal

No turbilhão do seqüestro das garotas Eloá e Nayara, o apresentador do programa "Brasil Urgente" (Bandeirantes), José Luiz Datena, criticou no ar as entrevistas feitas por outras emissoras com o seqüestrador Lindemberg Alves, em Santo André (SP).

A Rede Record, a RedeTV! e a Rede Globo ouviram o seqüestrador, por telefone, antes da ação da polícia. Datena, da Band, afirma que teve acesso ao número de Lindemberg, mas optou por não ouvi-lo. Em entrevista a Terra Magazine, o apresentador esclarece que não fez críticas específicas a jornalistas, mas à interferência da mídia no teatro do crime. "(Jornalista) não é negociador. Negociador é negociador". Expõe sua visão da cobertura:

- Uma palavra errada que você coloca, o cara pode pegar e matar alguém lá dentro. O fato de ele ter falado muito em televisão e aparecido muito em televisão pode ter prolongado o seqüestro, sim. Se o cara estava se sentindo o "rei do gueto", como ele falou... Isso pode ter prolongado - diz Datena.

Para ele, a imprensa não é responsável pelo desfecho trágico. Antes de julgar os policiais, prefere esperar o resultado da perícia. Guarda, porém, uma avaliação crítica do episódio e defende que ele pode servir de lição para as próximas coberturas:

- Isso tudo pode influenciar. Não é legal. Na verdade, uma cobertura como essa serve pra todo mundo aprender: a polícia, a televisão, a imprensa. Se você isola aquele local e o cara não tem imagem de televisão, acho que a situação seria outra.

Leia a entrevista:

Terra Magazine - Por que o senhor criticou a posição da imprensa de entrevistar o seqüestrador Lindemberg?
José Luiz Datena - Eu não critiquei a opinião da imprensa, meu irmão. Critiquei o fato de terem colocado no ar... É exatamente isso que estou falando pro meu diretor agora. Critiquei o fato de, isoladamente, algumas pessoas da imprensa colocarem o sujeito, que estava sob forte pressão, com arma na cabeça de duas crianças, pra falar no ar. Primeiro que jornalista não é preparado para conversar com seqüestrador.

Não é negociador?
Não é negociador. Negociador é negociador. Não estou dizendo que o negociador da polícia cometeu erro. Se o cara que está preparado pra negociar comete erros, imagine então um sujeito que não é preparado. O cara que apresenta bem, que é bom repórter, é bom jornalista, necessariamente não é um cara preparado pra falar com um seqüestrador.

Nesses momentos, quais são os cuidados que um telejornal popular precisa tomar?
Primeiro lugar que não é telejornal popular, meu irmão. É qualquer jornal. Não foi só telejornal popular que entrevistou.

Mas, no caso, o senhor criticou o programa da Sonia Abrão.
Não foi Sonia Abrão coisa nenhuma! Eu nem sabia que ela tinha entrevistado o cara. Quem estava entrevistando era a Record. A Globo entrevistou o cara também...

Sim...
Ninguém falou de Sonia Abrão, especificamente. Eu nem estava sabendo que Sonia Abrão já tinha entrevistado o cara. É que, no meu horário, eu tinha o telefone do cara e me sugeriram falar com ele. Eu disse: "Não vou falar com o cara coisa nenhuma". "Ah, mas a Record tá dando...". Isso é problema da Record, não é problema meu. Não faço isso.

Isso influencia o comportamento do seqüestrador?
Não é questão de influenciar. Uma palavra errada que você coloca, o cara pode pegar e matar alguém lá dentro. O fato de ele ter falado muito em televisão e aparecido muito em televisão pode ter prolongado o seqüestro, sim. Se o cara estava se sentindo o "rei do gueto", como ele falou... Isso pode ter prolongado.

A cobertura foi sensacionalista?
Não sei se foi sensacionalista, mas eu sei uma coisa: se fosse só eu que tivesse entrevistado o cara, tava todo mundo metendo o pau em mim.

Em outros os momentos, o senhor errou pra justificar esse tipo de crítica?
Quem errou?

Em coberturas anteriores, houve erros que justificassem essas críticas?
Você vai aprendendo com o tempo. Agora, não foi a imprensa a principal culpada pelo cara ter matado. Aliás, temos que esperar a perícia, pra ver realmente quem atirou. Não foi a imprensa a culpada disso tudo. Eu critiquei algumas pessoas que também não são as culpadas, do meu ponto de vista. Acho que não é legal fazer isso. É minha opinião.

O senhor disse que tinha o telefone do seqüestrador e optou por não ligar, é isso?
Optei por não entrevistá-lo.

Avaliou que isso prejudicaria as negociações?
É... Mas não estou dizendo que a imprensa foi a culpada ou essas pessoas. Nem sabia que Sonia Abrão tinha entrevistado! Até falei isso no programa de sexta-feira. Não sei por que a Sonia Abrão tá metendo o pau em mim. Não falei o nome dela. Mesmo porque sempre tive ela em alta consideração.

E falou isso no ar.
Nem sabia que era ela. É que o sujeito estava dando uma entrevista, não sei se era gravada ou não, pro telejornal da Record. Todo mundo me critica - "Ah, o cara faz entrevista sensacionalista..." - e eu não coloquei o cara no ar. Acho que fui o único da televisão que não colocou. Não quero dizer que eles foram responsáveis pela tragédia que aconteceu.

Mas não cria um ambiente, em torno do seqüestro, que prejudica a negociação da polícia?
Você não viu? O cara falou que era o "rei do gueto". Aparecendo em tudo que é televisão... O fato de a menina ter voltado pra lá também. Sei lá por que ela voltou pra lá, entendeu?

Isso está em outra esfera?
Pode ser a mesma também. Porque ela estava aparecendo na televisão. Isso tudo pode influenciar. Não é legal. Na verdade, uma cobertura como essa serve pra todo mundo aprender: a polícia, a televisão, a imprensa. Se você isola aquele local e o cara não tem imagem de televisão, acho que a situação seria outra. Mas não foi o fator fundamental que propiciou a tragédia. Mesmo porque não foi ninguém da imprensa que foi resgatar as meninas. Outra coisa: falam aí que a polícia americana acha que houve falhas... Qual foi a maior falha de segurança em termos de história contemporânea?

O 11 de Setembro?
Ué! Os caras enfiaram dois aviões dentro daquelas Torres Gêmeas e mais uma avião na casa de guerra dos americanos, na maior potência do mundo. Não souberam como agir na hora. Quem são eles pra ficarem criticando a ação da polícia brasileira? Deviam olhar para o próprio quintal. O mais lamentável em tudo isso foi o desfecho. Ninguém queria que isso acontecesse. Não sei se você concorda comigo, mas é minha opinião.

Nenhuma crítica específica?
Não é específica. É minha opinião. Sempre dei minha opinião. E não gostei quando disseram: "Ah, Datena criticou os colegas..." Não critiquei colegas.

Há problema em criticar colegas? Não seria corporativismo evitar fazer críticas?
Todo mundo me critica. Eu critiquei quem colocou as entrevistas no ar. E, naquela hora, era uma crítica específica ao "Jornal da Record", que estava colocando o cara no ar. Me disseram: "A Record tá colocando o cara..." Não coloquei. O cara está seqüestrando... Bandido não fala através de televisão, não fala através de jornal. Fala através de advogados, da justiça.

Fonte: Entrelinhas

::

Share/Save/Bookmark

Nenhum comentário: