VÍTIMAS DA DITADURA
AGU assume defesa do ex-coronel Ustra
Enquanto setores do governo divergem sobre a punição aos que cometeram crimes durante a ditadura, a Advocacia Geral da União toma a polêmica decisão de defender o ex-coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, apontado como torturador no período em que dirigiu o DOI-Codi.
por Maurício Thuswohl
RIO DE JANEIRO – A luta política em torno da possibilidade de punição aos que cometeram crimes durante a ditadura militar começa a esquentar. Numa decisão polêmica e que pode indicar uma tomada de posição política do Palácio do Planalto, o governo federal, por intermédio da Advocacia Geral da União (AGU), decidiu assumir a defesa dos coronéis da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir dos Santos Maciel (já falecido) nos processos em que ambos são apontados como torturadores.
Após serem reconhecidos por diversas de suas vítimas, Ustra e Maciel foram denunciados em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF). Na ação, ambos são apontados como responsáveis pela tortura de presos políticos e pela morte de pelo menos 64 deles entre os anos de 1970 e 1976, período em que comandaram o temível Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI/Codi) do Exército.
A decisão do governo ocorre um mês após o Tribunal de Justiça de São Paulo ter extinguido o processo movido contra Ustra pelos familiares de Luiz Eduardo Merlino, que acusam o coronel da reserva de ser o assassino do jornalista, morto sob tortura em 1971. A estratégia de defesa adotada pelos advogados de Ustra se baseou em afirmar que ele apenas cumpria ordens superiores, além de jogar o máximo de responsabilidades sobre os ombros do já falecido coronel Audir Maciel.
No julgamento, realizado em 23 de setembro, os desembargadores, por dois votos a um, decidiram acatar o recurso dos advogados e suspender o processo contra Ustra. Votaram a favor do recurso os desembargadores Luiz Antônio Godoy (relator) e Hamilton Eliot Hakel. O voto contrário veio do desembargador Carlos Augusto de Santi Ribeiro. Revoltados com a decisão, os familiares de Merlino prometeram recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Outros processos contra Ustra, no entanto, continuaram (e continuam) correndo na Justiça, como o movido pela família Teles. O casal César e Maria Amélia, seus filhos Janaína e Édson (na época com 5 e 4 anos de idade) e uma irmã de Maria Amélia, Criméia, acusam o coronel da reserva como principal responsável pelas torturas e humilhações que sofreram durante sua passagem pelo DOI-Codi em 1972. Em sentença publicada em 9 de outubro, a 23ª Vara Cível de São Paulo reconheceu Ustra como responsável pelas torturas e pelo seqüestro das crianças.
União vira ré
Ao decidir assumir a defesa de Carlos Alberto Brilhante Ustra na ação movida pelo MPF, a União também se torna ré na mesma ação. No documento de 44 páginas apresentado na semana passada pela AGU à 8ª Vara Federal Cível de São Paulo para justificar a posição do governo, o procurador-regional da União Gustavo Henrique Amorim defendeu a tese de que a Lei de Anistia, promulgada em 1979, protege os militares de quaisquer acusações.
Esta ação do MPF é a primeira a contestar diretamente a Lei de Anistia, daí a importância de seu julgamento para o futuro da questão da punição aos torturadores. Nesse caso, no que depender da AGU, a tomada de posição do governo parece clara: “A Lei de Anistia, anterior à Constituição de 1988, concedeu anistia a todos quantos, no período entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos. Assim, a vedação da concessão da anistia a crimes pela prática de tortura não poderá jamais retroagir”, diz o documento produzido.
Governo dividido
A decisão do Palácio do Planalto, no entanto, não deve encerrar dentro do governo a polêmica sobre qual o melhor caminho a seguir em relação à punição aos torturadores. Recentemente, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vanucchi (Secretaria Nacional de Direitos Humanos) defenderam que os casos devem ser apurados e aqueles que cometeram crimes, punidos. Na outra ponta, além dos ministros militares, encontra-se o ministro da Defesa, Nélson Jobim, que classificou a reabertura das investigações sobre o período da ditadura como “desnecessária” e “ilegal”.
Vanucchi demonstrou surpresa quando soube da decisão da AGU de assumir a defesa de Ustra: “Quando o MPF ajuizou a ação, eu fui à AGU e manifestei minha idéia de que a União defendesse inteiramente a proposta do MPF e se tornasse parte ativa da ação. A manifestação, naquela ocasião, foi aceita de maneira muito cordial, e agora a AGU assume uma posição contrária”, disse. Indagado pelos jornalistas se havia perdido para Jobim a queda-de-braço travada acerca do tema, Tarso Genro, por sua vez, foi taxativo: “Esta não é uma posição apenas do Jobim”, disse.
OAB aciona STF
Também como reflexo das últimas decisões envolvendo o coronel da reserva Carlos Alberto Brilhante Ustra, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) deu entrada na terça-feira (21) com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo o reconhecimento de que “os crimes praticados por militares e policiais durante a ditadura, como a tortura e o assassinato de militantes, não tenham a cobertura da Lei de Anistia”.
Assinada pelos advogados Fábio Konder Comparato e Maurício Gentil Monteiro, a ação da OAB afirma que “não podia haver e não houve conexão entre os crimes políticos, cometidos pelos opositores do regime militar, e os crimes comuns contra eles praticados pelos agentes da repressão e seus mandantes no governo”.
Fonte: Agência Carta Maior
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