quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Aborto e Estado laico

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por Guilherme Scalzilli

Publicado na revista Caros Amigos, em outubro de 2008

O caminho para a necessária e inevitável descriminalização do aborto será pavimentado a partir das deliberações do Supremo Tribunal Federal sobre pesquisas com células-tronco e interrupção da gravidez de anencéfalos. Todos esses temas exigem uma determinação inequívoca do início da vida e de suas qualidades intrínsecas.
A instância máxima do Judiciário tem apresentado incômoda tendência legislatória, nascida na presunção da própria infalibilidade e na desmoralização do Congresso Nacional. Mas ainda assim o Tribunal parece o palco mais indicado para um debate que, envolvendo tamanha carga emocional, depende de conceitos médicos e jurídicos imunes à contaminação subjetiva.
É previsível que os conservadores ministros do STF entreguem-se a lucubrações teológicas e morais. Mas, ao contrário dos congressistas, eles não podem se esconder na ignorância ou na hipocrisia; têm a obrigação funcional de decidir com embasamento científico e respeito à secularidade das instituições republicanas. Cabe-lhes, portanto, impedir que o debate seja contaminado por interferências religiosas.
O passado tenebroso de torturas, mutilações e assassinatos cometidos em nome da fé, o apoio a nazistas e ditadores vários e a cumplicidade com a propagação da AIDS em regiões carentes desqualificam o discurso “pró-vida” das igrejas. A fachada humanitária dos defensores de embriões esconde uma obsolescência repressiva que se alimenta da penalização do prazer e da ingerência sobre o corpo do indivíduo.
No Brasil, os abortos clandestinos chegam a 1,5 milhão por ano (mais de dois por minuto), representando a primeira causa de óbito materno. É um problema sanitário gravíssimo, que será amenizado quando as políticas públicas visarem o benefício coletivo, acima de mistificações e preconceitos.

Fonte: Blog do Guilherme Scalzilli

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