quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Desafios da economia solidária

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Por Anselmo Massad e Glauco Faria

Ainda que tenha havido avanços na redução da desigualdade no Brasil, este continua sendo um dos principais problemas do país, senão o principal. Com a recuperação de uma economia estagnada havia duas décadas, o desafio da inclusão social é algo que se impõe e o papel da sociedade civil será determinante nesse processo. E, dado o recente histórico das experiências realizadas na área social, há muitas possibilidades que podem e devem ser exploradas e potencializadas para gerar trabalho e renda nos segmentos excluídos da população.
Segundo o Atlas da Economia Solidária da Secretaria Nacional de Economia Solidária (Senaes), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, existem hoje 22 mil iniciativas ligadas à economia solidária, empreendimentos sociais, cooperativas e associações no Brasil. Se, por um lado, essas ações têm se consolidado como alternativas reais de redução da pobreza e da desigualdade, por outro, encontram dificuldades que vão desde o acesso ao crédito até a distribuição e comercialização, passando por questões de gestão e mesmo de cultura de trabalho em conjunto.
“Não temos tradição de empreendimentos associativos econômicos, isso para nós é novidade”, pondera Luiz Eduardo Parreiras, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e um dos palestrantes do II Seminário Fundação Banco do Brasil de Geração de Trabalho e Renda. “A tradição portuguesa, que é nossa grande matriz de modelo civilizatório, não é de associação e participação, mas de autoritarismo. Não temos em nossa cultura o aspecto participativo.”
Segundo Parreiras, contatos pontuais com princípios de cooperação não são suficientes para consolidá-los como alternativa real entre os trabalhadores. “Precisamos desenvolver isso por meio de processos de mobilização e formação que vão durar alguns anos. Não adianta fazer cursos de associativismo se não houver mobilização, uma estratégia durante um horizonte de tempo maior, de forma que a pessoa almeje depois ter essa cultura formada para o futuro”, completa.
Um dos exemplos da mobilização a que o pesquisador do Ipea se refere pode ser visto no Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis. Severino Junior, representante da organização, conta que os trabalhadores da área de reciclagem de materiais sentiram a necessidade de “globalizar” a luta e, por conta disso, iniciaram a articulação nacional. Assim, vieram várias conquistas, como o reconhecimento da atividade como profissão pelo Ministério do Trabalho em 2002. “Quiseram modificar o nome para agente ambiental, reciclador, mas preferimos catador mesmo. Se existe um estigma com o nome, temos que superá-lo”, garante.
Severino trabalha com reciclagem de materiais desde os 12 anos de idade em Natal (RN) e, segundo ele, um dos grandes entraves enfrentados pelas cooperativas e associações de catadores é a burocracia para se conseguir financiamento. “Às vezes chegávamos no banco e o gerente dizia ‘mas o fulano está com o nome no Serasa’... Lógico, se ele estivesse bem de vida não era catador”, ironiza.
O ponto abordado pelo representante dos catadores é algo bastante comum a uma série de empreendimentos similares. Para Gilmar Carneiro, diretor da Ecosol, central de cooperativas de crédito ligada à CUT, a legislação vigente inviabiliza expansão das finanças solidárias e a solução de problemas como fluxo da caixa em empreendimentos coletivos. Ele defende que as exigências para as iniciativas de economia solidária sejam diferentes, devendo-se levar em conta o processo educativo e de aprendizado coletivo para lidar com o ciclo operacional e financeiro do empreendimento, assim como o crédito.
Para reforçar a tese, ele citou a experiência idealizada por Mohamad Yunnus, em Bangladesh, de microcrédito voltado para a população pobre. “Na experiência do Grameen Bank, o banco central [de Bangladesh] passava longe”, defende. Para Carneiro, a perspectiva de ter acesso ao crédito é que impulsiona a regularização. “Aproximadamente 90% dos empreendimentos aprendem a se formalizar para poder acessar o sistema dos bancos”, explica.
Se os recursos iniciais são um problema, superada essa etapa surge outra dificuldade: a falta de capital de giro. “Há muitos projetos que garantem o investimento inicial para instalar uma máquina ou equipamentos, mas há resistência em instituições governamentais de garantir capital de giro”, aponta Jorge Streit, gerente de articulação e parcerias da Fundação Banco do Brasil. “Com essa dificuldade em investir em algo em que não se ‘possa pôr uma plaquinha’, muitas vezes essa operação agrava um problema, na medida que as pessoas ficam sem recursos para tocar o negócio”, lembra.
Para Fernando Kleiman, chefe de gabinete da Senaes, algumas medidas podem e devem ser tomadas para facilitar a vida de um empreendimento social como o adiantamento do pagamento da safra no caso de associações e cooperativas agrícolas. “Às vezes não se conseguia preencher os requisitos para se obter acesso ao crédito e a antecipação fez com que houvesse capital de giro para muitos empreendimentos”, explica Kleiman. “O desafio é transformar o crédito em direito, porque ele é fundamental para o desenvolvimento do país”, defende.

A íntegra dessa matéria está na edição impressa.

Fonte: Revista Forum

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