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Coluna (Nas entrelinhas) publicada hoje no Correio Braziliense.O presidente da República gaba-se, com razão, de ter ajudado a remover da Procuradoria-Geral da República o apelido de “engavetadora geral”. O risco, entretanto, é que ao final dos oito anos de Lula o temido rótulo tenha sido transferido à Polícia Federal
Por Alon Feuerwerker
alon.feuerwerker@correioweb.com.br
O Comando Militar do Leste informou ontem que é um sucesso a Operação Guanabara, na qual o Exército ocupa áreas no Rio de Janeiro com o objetivo de evitar que o tráfico e o crime organizado interfiram indevidamente no processo eleitoral. Vê-se portanto que as Forças Armadas estão plenamente capacitadas a participar de ações ligadas à segurança pública em centros urbanos. Isso resolve um debate que ficara pendente por ocasião da tragédia em que, no mesmo Rio, alguns militares entregaram três jovens do Morro da Providência para serem mortos por traficantes. O tempo deu razão a quem argumentava que erros ou crimes de alguns não poderiam ser imputados ao conjunto da instituição militar. Cadê os críticos ferozes da participação das Forças Armadas na segurança pública?
Debates que permanecem em aberto têm sido infelizmente uma marca do trabalho jornalístico nos últimos tempos. Perde o leitor (ou ouvinte, ou espectador). Por onde anda, por exemplo, o grooving, que apareceu inicialmente como vilão maior da tragédia com o Airbus da TAM em Congonhas? Cobrem-me depois, mas eu aposto que as conclusões sobre o desastre apontarão para falha humana, que entretanto teria tido efeitos menos drásticos caso a pista de pouso fosse (bem) maior. As ranhuras, coitadinhas, nada poderiam ter feito para impedir o maior e mais grave acidente da aviação brasileira.
Quem também merece pontuação alta no quesito dos assuntos em aberto é a Polícia Federal (PF). Por falar nisso, como anda o relatório policial sobre o dossiê preparado no Palácio do Planalto, com informações de gastos de Fernando Henrique Cardoso em seu período como presidente? O “banco de dados” tinha por meta criar constrangimentos ao PSDB, para convencer os tucanos a não insistirem na devassa das despesas de Luiz Inácio Lula da Silva. Os tucanos aparentemente se convenceram. E a PF deu um jeito de mandar o assunto do dossiê à geladeira, escorando-se numa suposta necessidade de o Ministério Público manifestar-se sobre a eventual ida da papelada ao Supremo Tribunal Federal, por conta do possível envolvimento de autoridades de primeiro escalão. Talvez o tema seja esclarecido no próximo milênio.
Justiça se faça à PF, a situação de vez em quando fica embaraçosa para a corporação menos por defeitos intrínsecos e mais pelo fato de ter sido transformada pelo governo federal numa espécie de arquivo dos assuntos incômodos, que não interessa ao governo concluir. O presidente da República gaba-se, com razão, de ter ajudado a remover da Procuradoria-Geral da República o apelido de “engavetadora geral”. O risco, entretanto, é que ao final dos oito anos de Lula o temido rótulo tenha sido transferido à Polícia Federal.
Mas nem tudo está perdido. A PF pode se redimir, por exemplo, a partir do completo esclarecimento sobre a autoria das escutas telefônicas que bisbilhotaram pelo menos uma conversa do presidente do Supremo Tribunal Federal com um atuante senador da oposição. O fato de o ministro da Defesa aparentemente ter se metido numa trapalhada e enfiado os pés pelas mãos na história das maletas (não) grampeadoras está longe de encerrar a história.
A PF deve deixar politicagens de lado e concentrar-se na tarefa de contar tintim por tintim quem fez o grampo e quem mandou fazer. É o mínimo que se espera da instituição. Até porque neste caso não há como esconder: desde o começo, o Palácio do Planalto vem se comportando como o culpado pego em flagrante. Considerando que até agora não apareceu o áudio do grampo, mas apenas a sua transcrição, o governo bem que poderia ter trucado, e garantido que a escuta não teve origem governamental. Por que não o faz?
Escrevo esta coluna ainda que não me atreva a apostar um mísero centavo na hipótese de que essa história vá ser esclarecida. Há histórias que são assim, descartáveis. Ficam em evidência o tempo suficiente para produzirem efeitos políticos e depois são engavetadas como se nunca tivessem existido. Sobram os esqueletos, que de vez em quando dão motivo a textos como este.
Fonte: Blog do Alon
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