terça-feira, 23 de setembro de 2008

O egoísmo tributário

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por Emir Sader

Um candidato a vereador (PMDB) da zona sul do Rio faz ampla propaganda pelas praias do Leblon, de Ipanema, da Barra da Tijuca, proclamando: “O IPTU arrecadado no seu bairro tem que ser aplicado no seu bairro”, alegando que “essa seria a única maneira de resolver os problemas dos bairros” e de que vai “revolucionar a administração pública”, chamando-se “o homem do IPTU”.

E divulga a arrecadação de cada bairro, com a Barra da Tijuca em primeiro lugar, com 226 milhões, seguido pelo Centro, Copacabana, Botafogo, Ipanema, Leblon e outros. Na ultima posição dos bairros mencionados – não estão a grande maioria, situados nas zonas norte e oeste da cidade – está Vila Isabel, com 16 milhões. Só por essa lista já dá para perceber o que aconteceria, caso o critério do candidato a vereador triunfasse: a Barra da Tijuca teria quase 15 vezes mais recursos do que a Vila Isabel – que evidentemente têm muito mais necessidades a ser atendidas do que a população da Barra – a Miami da América do Sul, segundo o livro de Carlos Lessa, “O Rio de todos os Brasis”, que várias vezes já tentou se transformar em município, para cristalizar esse principio egoísta e nunca conseguiu.

Essa “é a única maneira de resolver os problemas” dos bairros mais ricos, claramente. “Com esses valores só teríamos bairros bem cuidados”: os bairros da zona sul do Rio, evidentemente. O candidato trata de bajular os eleitores dessa zona do sul, não lhe importando as necessidades do conjunto da cidade, uma cidade majoritariamente de população pobre, vivendo nos subúrbios, na zona Leopoldina, na zona oeste. Na zona sul, vivendo em favelas, que não seriam as beneficiadas pelo critério do vereador.

A questão tributária se presta à exploração demagógica do egoísmo. Sai na frente o candidato que prega menos impostos, não importa que setores e atividades governamentais deixarão de ser atendidas. Não importa se não se contratará mais pessoal para atender os centros de saúde, as escolas públicas, não importa se restarão menos recursos para as políticas de saneamento básico, de habitação, de saúde, de educação, de esportes, de lazer popular, de cultura.

Pregar que cada bairro utilize os recursos no próprio bairro significa simplesmente que os ricos financiarão os ricos e os pobres – a grande maioria da população, que trabalha 8 e mais horas por 10, que gasta horas no transporte, que vive em condições muito precárias – que se arranjem com o que pagam. Significa concentrar ainda mais renda e recursos no país de maior concentração de renda no mundo. (Que só melhorou um pouco, pela primeira vez, com políticas federais que revertem essa tendência.)

É o mesmo critério que norteia as regiões mais ricas dos nossos países. A mesma que orienta a região oriental da Bolívia, que quando seus partidos governaram, por quase duas décadas, cobravam 18% de impostos à exportação de gás, vendiam gás ao Brasil e à Argentina, a preços subsidiados. O governo de Evo Morales subiu esses impostos para 84% e usas esses recursos basicamente para políticas sociais, voltadas para as crianças e os idosos, além de reestruturas minimamente um Estado completamente devastado por quase duas décadas de neoliberalismo, apoiadas pelas elites brancas de Santa Cruz de la Sierra, de Pando, de Tarija, exportadores de soja transgênica e que pretendem ficar com o grosso dos impostos, em detrimento da grande maioria pobre, produzida e reproduzida como população pobre, pelas políticas dessas elites.

O tema tributário – quem paga, quem recebe, de quem o Estado arrecada, a quem deve beneficiar – tem um profundo viés de classe. Nossos Estados costumam beneficiar com isenções e outras formas de não pagamento de impostos aos ricos, às grandes empresas, aos bancos, e cobrar da massa da população, que vive do trabalho. Sem a reversão desta imensa injustiça, nenhuma política publicar pode se equipar com os recursos para combater as injustiças e as desigualdades que seguem marcando nossas sociedades. Para isso é fundamental combater o egoísmo tributário – esse sim, populista, demagógico – de tantas campanhas eleitorais.

Fonte: Blog do Emir Sader

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