Por Glauco Faria
Volta e meia, quando não entendo determinadas atitudes “conciliatórias” do presidente da República, lembro de uma entrevista da qual participei com a filósofa Marilena Chauí. Na conversa, publicada na revista Fórum, ela contava um episódio a respeito do então líder operário no início dos anos 80.
“O Lula estava lá, toda a gente, todo o grupo dos operários do ABC estava lá. As discussões eram muito acaloradas. Num certo dia, houve um longo debate e honestamente não me lembro mais qual era questão, mas recordo-me do ritmo que tomou. Alguns queriam que aquilo fosse resolvido de hoje para amanhã, outros queriam que a solução fosse naquele dia mesmo e não amanhã. E alguns defendiam que se desse na semana que vem. O Lula, então, fez a seguinte observação, que guardo até hoje: 'vocês (para os intelectuais) parecem não levar em consideração aquilo que é próprio da classe trabalhadora. Nós temos muita paciên¬cia, nós temos uma paciência histórica, a gente sabe que de hoje para amanhã tem uma noite no meio e essa noite pode fazer com que de hoje para amanhã tudo tenha mudado. A gente precisa ter muita paciência, ir muito devagar'. Nunca me esqueci disso, porque na hora eu pensei, é isso mesmo. Intelectual de classe média é imediatista e acha que as coisas acontecem da noite para o dia. Quem tem a história de classe junto com ele e vem dessa história de fato precisa ter construído o que construiu com uma enorme paciência”, relatou Chauí.
Não sou nenhum intelectual de classe média, mas confesso que certas atitudes do presidente me fazem transitar entre a inquietação de quem não tem paciência e a absoluta falta de compreensão. Compreendi, mas não aceitei, a tal “transição” pactuada entre o governo FHC e o primeiro mandato de Lula. Ali, para mim, perdeu-se uma grande oportunidade para fazer a ruptura necessária em diversas áreas do governo, senão a macro-ecônomica, “sensível” ao suposto risco que o petismo representava, ao menos em setores fundamentais na própria agenda de esquerda, como a reforma agrária e o combate à corrupção.
Na crise política do chamado “mensalão”, o presidente, com um modo de se expressar que oscilava entre o sereno quase apático e o inflamado que surgia em alguns eventos públicos, mostrou que estava certo. Conhecia os ditames da política e usou-os com rara habilidade.
Mas hoje, vendo Lula afastar a cúpula da Abin, dentre eles Paulo Lacerda, figura fundamental para fazer da Polícia Federal um órgão digno de respeito, sinceramente acho que a conciliação beirou a submissão. Se o primeiro encontro com Gilmar Mendes após o bate-boca entre ele e Tarso Genro na ocasião da prisão de Daniel Dantas já foi algo patético, a nova reunião com Mendes após a “denúncia” de grampo tem um tom de estapafúrdio que faz corar.
O suposto grampo sofrido por Mendes tem como grande “prova” uma reportagem da revista Veja. Pra variar, a fonte do veículo é anônima e não se apresenta qualquer indício mais consistente de uma investigação ilegal promovida pela Abin. Mesmo assim, Lula cede. Curva-se ao presidente do STF e ao poder cada vez mais frágil de um veículo com credibilidade moribunda.
Quem quiser procurar no Google serviços de detetive particular, vai ver inúmeros que fornecem possibilidades das mais variadas de grampo, in loco e à distância até. Se Mendes foi grampeado, fato que se revela por um trecho irrelevante de conversa (bastante oportuno que seja irrelevante), porque o foi pela Abin? Simples, porque Veja diz que sim. Ponto. Basta isso para se afastar a cúpula de um órgão do governo.
Se tivesse seguido o mesmo procedimento antes, afastar todos aqueles a quem o semanário da Abril acusou sem provas, Lula não teria mais ministério. Aliás, ele mesmo teria sido obrigado a se licenciar. Então, porque dessa vez agiu dessa forma? Foi o senhor Mendes, que merece tanta solicitude do Planalto, que o fez agir assim?
O povo que elegeu o presidente merecia explicações um pouco mais articuladas, consistentes. E talvez um pouco mais de coragem.
Fonte: Blog do Rovai
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