Rosane Santana
De Boston, EUA
Com a economia no fio da navalha, a classe média americana - maioria do eleitorado -, conservadora por excelência, percebe que "tudo deve mudar para que tudo fique como está", seguindo a velha máxima citada por Giuseppe Tomasi di Lampedusa, em seu clássico, "O Leopardo". Será uma mudança a contragosto, tudo indica, mas necessária para a manutenção de certos privilégios, como no romance, que retrata a decadente nobreza italiana do século XIX.
Barack Obama parece ser a única alternativa de mudança, mas não é o candidato dos sonhos, embora seja o preferido da mídia e da intelectualidade americana, que tem no estado de Massachusetts o seu bunker, com mais de 100 universidades, entre elas as melhores do mundo, a exemplo da Harvard University, onde diplomou-se em Direito o candidato democrata. As recentes pesquisas de opinião demonstram uma nítida recuperação do republicano John McCain, indicando que a nação está dividida quanto à escolha do próximo presidente, apesar de exausta (financeiramente sobretudo), com o militarismo da Era Bush.
O senador por Illinois enfrenta dificuldade para unir o eleitorado do próprio partido em torno do seu nome, depois de derrotar a senadora Hillary Clinton na disputa pela indicação do Partido Democrata. O principal rival de Obama, o republicano John McCain, ultrapassou-o em estados onde anteriormente os democratas eram favoritos, como a Flórida. Há três semanas, durante a abertura da convenção democrata, partidários de Hillary confessavam preferir o republicano, em declarações abertas a jornais e rádios, como a prestigiosa NPR (National Public Radio), sob alegação de que McCain é mais capacitado para enfrentar os desafios de um pais em crise.
Em editorial intitulado "Mile-high hopes for Democrats" (Democratas têm muito chão pela frente), publicado no mesmo dia em que os democratas abriram sua convenção em Denver, The Boston Globe, um dos mais prestigiosos jornais americanos, ressaltou que "os indicadores econômicos apontam para os democratas e a nação anseia por mudanças".
Entre os indicadores da crise, que demonstram a necessidade de mudança na política americana, o jornal citou o desastre no Iraque, Afganistão e Paquistão. Disse que a economia americana está moribunda, com cerca de três milhões de americanos enfrentando problemas para quitação da casa própria e retomada dos imóveis pelos bancos credores; alta nos preços dos alimentos e dos combustíveis; falência no sistema de saúde e serviços médicos ineficientes, alem de má reputação do país no exterior e destacou que o resultado das Olimpíadas prenuncia um século asiático. Esqueceu de citar o desemprego, que é o maior dos últimos cinco anos.
Mas por que a classe média ainda resiste à mudança, diante das evidências de que a mudança é necessária? Estudioso do comportamento politico, o professor da Universidade de Berkeley, na California, George Lakoff, em seu livro "Moral Politics: What Conservatives Know that Liberals Don't" (O que conservadores sabem que liberais nao sabem), ressalta que os liberais "têm fracassado na tentativa de entender a natureza do populismo conservador, achando que os pobres e a classe média conservadora votam contra seus próprios interesses econômicos", por considerá-los "desinformados e não tão brilhantes".
Seguindo esse raciocínio, segundo Lakoff, cujo livro foi escolhido para debates na Universidade de Harvard, neste verão, os liberais acreditam poder mudar o comportamento desse eleitorado a seu favor, revelando a verdade sobre os fatos econômicos. "It is a pipe dream" (Isto é um castelo de sonhos), diz o estudioso, para quem "o populismo conservador é uma cultura in natura e os populistas conservadores têm um pai severo (strict father) moralmente, e uma identidade baseada nisto, tendendo para razões sobre política com explicações causais e nao sistêmicas."
Em outras palavras, ao abraçar as explicações causais dos fatos políticos, a classe média e os pobres estariam propensos a uma identificação imediata com os conservadores e suas análises para questões como o terrorismo, por exemplo, como derivado da existência de pessoas que possuem uma conduta reprovável (o que me faz lembrar o "estou de olho nos bandidos", do candidato democrata à sucessão de Salvador, ACM Neto, que não por acaso pontua as pesquisas de opinião).
Nesse sentido, seria mais difícil, portanto, para a maioria do eleitorado americano, a aceitação do discurso liberal, que vê no terrorismo uma consequência da presença militar americana nos países islâmicos e o apoio a monarquias autoritárias em muitas nações árabes, além do suporte a Israel, entre outras causas.
Lakoff adverte que esse eleitorado não será atraído pelos liberais na base de apelos racionais sobre o bem-estar econômico. Como saida, o estudioso aponta a necessidade de identicação de valores progressistas entre o eleitorado de perfil biconceitual (com valores conservadores e liberais).
"A única esperança que nós vemos aqui é aproximar-se daqueles que sao biconceituais e identificar quais são os valores progressistas deles. Na base dessa identidade buscar convencê-los de uma importante verdade, que eles estão sendo oprimidos pelos conservadores, que o País que eles amam está sendo destruído pelos conservadores, que o Cristianismo progressista está sob severo ataque de conservadores fundamentalistas..."
Eis aí um desafio para Barack Obama, a quem o The Boston Globe recomendou no dia da abertura da convenção democrata: "Voters don't elect 'change'. They choose a person. Starting today, Obama needs to introduce himself and learn to ask to be One (Eleitores não elegem mudanças. Eles escolhem uma pessoa. Obama precisa apresentar-se e aprender a pedir para ser o número 1).
Fonte: Terra Magazine
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