quarta-feira, 10 de setembro de 2008

eleições: maior problema é a concentração de poderes

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por Silvio Meira

este é o último texto da série em que publicamos uma entrevista com amilcar brunazo filho, engenheiro e programador que acompanha desde 2000 o desenvolvimento do sistema eleitoral brasileiro. a primeira parte, com o currículo de brunazo e o contexto de nossa conversa, está neste link. na pergunta inicial da entrevista, tratamos de uma consultoria contratada pelo TSE para avaliar a segurança das urnas e que já concluiu que o sistema de votação do país mais parece uma peneira. na segunda, tratamos de segurança e fraude na votação, e onde e como gente que entende do sistema poderia atacar o processo eleitoral.

a seguir, a última das perguntas que fizemos [por emeio] a brunazo filho e sua resposta, como nos foi enviada.

blog: você tem sido uma das pessoas a criticar, contínua e consistemente, o processo eleitoral eletrônico. o que sua experiência de anos a fio em contato com os processos, pessoas e instituições envolvidas nos ensina? será que é possivel ter uma eleição eficiente e, ao mesmo tempo, eficaz, segura e a custos razoáveis?

Em 1996, quando comecei a me interessar pela segurança do voto eletrônico, eu achava que bastaria corrigir alguns erros de projeto das urnas eletrônicas, como a falta do voto materializado para auditoria e a irresponsável identificação do eleitor na mesma máquina de votar, que o problema estaria resolvido.

Mas acabei descobrindo que, aqui no Brasil, o problema da confiança e transparência do processo eleitoral nasce em outro nível, o do acúmulo de poderes nas eleições. No Brasil não há a tri-partição de poderes eleitorais. Uma mesma entidade (o TSE) tem os poderes de 1) escrever as regras, 2) administrar as eleições, 3) definir o que pode ser fiscalizado, 4) controlar e distribuir toda a verba oficial e, o que é uma aberração, 5) julgar até os casos em que é ré como executora e administradora do processo eleitoral. Tamanha concentração de poderes não ocorre no resto do mundo, como mostra o estudo do Senado que pode ser baixado deste link (em formato aberto que pode ser lido com o OpenOffice).

Agora, mais experiente, eu acredito que somente separando as pessoas do administrador eleitoral, do regulamentador, do fiscal e do juiz é que poderemos construir sistemas eleitorais controlados e com resultados passíveis de conferência. Feita esta separação, logo a sociedade encontraria como tornar as urnas eletrônicas mais confiáveis dentro de custos aceitáveis.

Mas como "poder não se pede, se toma", uma boa parte da sociedade haveria que se engajar numa cruzada pela "Partição dos Poderes Eleitorais", senão nada acontecerá. Quem tem poder em excesso não vai abrir mão dele espontaneamente e, como sempre acontece, os puxa-sacos e os lambe-botas continuarão os defendendo.

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o assunto, obviamente, não se esgota aqui e tampouco nesta eleição. o autor deste blog sempre defendeu a tese de que a votação eletrônica tem sido melhor do que as velhas urnas e mapas de totalização [veja aqui um texto nosso, de 2004]. há evidências de que a bagunça eleitoral diminuiu muito com a adoção do sistema eletrônico de votação e, por isso, está de parabéns o TSE e o brasil.

mas, ao mesmo tempo, e à medida que o conhecimento sobre o sistema eletrônico e suas falhas se espalha pela sociedade, cada vez mais gente vai entendendo como fraudar o processo [veja aqui outro texto nosso, de 2006], e desta vez sem deixar rastro algum. não é possível falar em eleições limpas e listas de candidatos sujos sem que, ao mesmo tempo, se discuta a segurança e transparência do processo eleitoral. na berlinda, por isso, estão o TSE e o brasil.

parece evidente que o mecanismo de segurança por obscuridade, escondendo o software e os mecanismos de segurança, e ausência de sistemas e instituições independentes de conferência e auditoria do processo eleitoral, conjugados com a concentração de todos os poderes eleitorais em um único corpo, o TSE, não contribui para uma eleição de melhor qualidade e sobre a qual pairem menos suspeitas. estruturar o processo de tal forma que os planejadores planejem, os administradores administrem, os executores executem e os julgadores julguem parece óbvio. mas não é, tanto que não está sendo feito, apesar das investidas da sociedade, até agora desorganizada, nesta direção.

muito se disse, nos comentários aos textos anteriores do blog, sobre a eleição no resto do mundo. é bom que se saiba que eleição é fraudada em todo lugar, de condomínio e diretório acadêmico até presidência das mais educadas e pacatas repúblicas. e ninguém, do lado de cá do blog, é ingênuo a ponto de estar propondo a importação do sistema dali ou de outrem e muito menos a volta ao papel e mapas antigos, para substituir o nosso.

estamos propondo, e parece que muito mais gente está, inclusive no legislativo nacional e na comunidade de segurança de informação, que melhoremos nosso próprio processo, a ponto de torná-lo tão bom quanto possível, referência mundial de verdade e capaz de ser exportado para outros, muitos outros países. se o sistema é tão bom assim, por que a gente não faz o bem e, ainda por cima, ganha dinheiro com as urnas e o sistema eleitoral, realizando eleições no mundo inteiro? ou será que não podemos ter uma "embraer" do voto?…

talvez não. porque primeiro é preciso não fugir ao debate, ao escrutínio público, ao questionamento aberto e amplo da sociedade. seguindo o exemplo de sociedades democráticas e abertas como irã, arábia saudita e china, o TSE -pelo que um passarinho me contou- está filtrando, internamente, o acesso a este blog. quem entrar em nosso endereço encontra o texto “Página Bloqueada de Acordo com a Resolução Nº-20882/2001 do TSE” e mais nada. todos os outros blogs do terra magazine podem ser acessados normalmente, como era o caso deste blog até a série de perguntas e respostas sobre o voto eletrônico. por que será? [@11:30… o blog está vetado em toda a rede do TSE, incluindo todos os prédios dos TREs brasil afora…]

na ditadura militar, muitos dos textos -bons e ruins- que nos faziam questionar o estado de coisas eram proibidos. andar de metrô ou ônibus com um deles na mão… nem pensar. nem no bar ou restaurante, tampouco na escola. só se você quisesse perder -no mínimo- umas unhas no DOI-CODI. cantar sua canção predileta? uuui… e esta não é uma parte "legal" da história do brasil. e nem precisava da ação da polícia política da época, pois os puxa-sacos e os lambe-botas a que brunazo se refere estavam lá, prontos pra apontar "o mal" que estava tentando destruir a sociedade da época. e nada disso é novidade: o brasil tem uma looonga história de censura.

mas… enquanto os colaboradores do TSE estiverem lendo [e eu também leio!] iuri rubim e o blog das ruas, odara carvalho e paula guedes no blog do repique [pixadores barbarizam galeria!] e altino machado no blog da amazônia [e os índios do peru!] vai estar rolando, menos de um mês antes das eleições de 2008, uma ampla discussão, na rede e fora dela, talvez sem ninguém do TSE, sobre o processo eleitoral. tomara que o TSE não seja vítima da síndrome da ilha fiscal. tomara.


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Fonte: Terra Magazine - Blog do Silvio Meira

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