quarta-feira, 10 de setembro de 2008

Ecologia, infância e imigração

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por Emir Sader

Está bem que se leve um acompanhamento rigoroso do ritmo do desmatamento da Amazônia. E que se controle e se tome medidas para contorná-lo e contê-lo.

Mas quem controla o número de crianças que morrem diariamente de fome ou de doenças curáveis? De malária na África? Sabe-se que a cada 5 segundos morre uma criança de menos de 10 anos por fome. Isto é, 1.824 por dia, 668 mil por ano. Que medidas se tomam para impedir esse massacre de crianças pobres?

Semanalmente morrem dezenas de africanos nas costas da Espanha, tentando chegar para obter uma forma qualquer de sobrevivência. Alguns chegam mortos, os outros são devolvidos para seus países de origem. Não há estatística de quanto já morreram na travessia este ano ou desde que começaram a tentar cruzar o Mediterrâneo. São todos anônimos, da mesma forma que os mortos palestinos – enquantos os israelenses, cem vezes menos, têm todos identificação, família, biografia.

Se há um tema que segue diferenciando direita e esquerda, é o de imigração. E, tristemente, é preciso dizer que, se esse critério tem validade, restam muitos poucos esquerdistas na Europa, poucas vozes atenderam ao apelo de Evo Morales para que não fosse aprovada a vergonhosa lei de imigração pela União Européia.

Uma voz destoante é a da editora de economia do novo diário espanhol – El Público -, Amparo Estrada. Ela recorda aos espanhóis que os seus conterrâneos judeus foram obrigados a imigrar em 1492, os mouriscos, em 1609, os afrancesados, em 1814, as liberais, a partir dre 1823, republicanos, a partir de 1936, os pobres, a partir dos anos 60. Recorda ela que nos tempos da dominação colonial espanhola, era exílio econômico, buscando vida melhor, que se prolongou depois da independência, prolongando-se por todos o século XIX. Foi tão intensa que chegou a haver um decreto proibindo a imigração para a América em 1853. Seguiu-se por muito tempo a imigração, política e econômica, para a França

No segundo pós-guerra, a Espanha, ainda um país pobre, viu saírem do pais mais de um milhão de pessoas. Nunca, nenhum país, criou uma cota, impôs um limite ao ingresso de espanhóis. A América Latina é um caso claro de recepção fraternal de todos os espanhóis que por aqui chegaram para tentar melhorar suas condições de vida. As estatísticas apontam pouco mais de um milhão de espanhóis vivendo fora, porque todos os outros adotaram a nacionalidade do país para o qual imigraram, tão bem foram recebidos e tanto se adaptaram.

Quando a economia espanhola entrou em recessão, uma das primeiras medidas do governo foi limitar o ingresso de imigrantes. Já não se trata dos provenientes da África, que nunca tiveram acolhida, mas dos latino-americanos. Em condições que demograficamente a Espanha – assim como toda a Europa ocidental – só na diminui sua população em termos absolutos, pela imigração.

Ao mesmo tempo que, grande quantidade de empregos desqualificados ou de baixa qualificação – entre eles a construção civil, de que o boom imobiliário foi a alavanca do ciclo expansivo da economia que agora termina, e as empregadas domésticos, são os casos mais evidentes. Segundo Amparo, a imigração permitiu diminuir a taxa de desemprego estrutural em dois pontos porcentuais na ultima década. Um terço do aumento do nível de emprego se deve ao emprego doméstico.

O raciocínio mesquinho das autoridades espanholas revela a insensibilidade com os trabalhadores imigrantes, com suas necessidades e sonhos. A lei contra a imigração da União Européia atinge direitos humanos elementares. A globalização neoliberal promove a livre circulação de capitais e de mercadorias, mas fecha as fronteiras para a força de trabalho, para os seres humanos, revelando como o capitalismo se choca frontalmente com o humanismo e a solidariedade.

Fonte: Blog do Emir Sader

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