por Luiz Carlos Azenha
Começa assim. Quando a crise pegar na economia real e o desemprego aumentar eles vão dizer que a culpa é do Chávez. E poderão, então, exorcizar o ressentimento interno com uma aventura militar nos campos de petróleo da vizinhança, que ninguém é de ferro:
THE FLEECING OF AMERICA
por Roger Cohen, no New York Times
Líderes mundiais convergem numa Nova York baqueada nesta semana para a Assembléia Geral das Nações Unidas e minha recomendação para eles é: pensem em Damien Hirst.
Não espero que eles se percam nos tanques gigantes cheios de tubarões e porquinhos do artista britânico no momento em que a economia dos Estados Unidos é socializada ao ritmo de 700 bilhões de dólares (2 mil dólares para cada homem, mulher e criança) como resultado do gigantesco esquema de pirâmide relacionado às hipotecas.
É que o mercado em alta para as obras de Hirst no meio da maior convulsão dos mercados financeiros desde 1929 diz algo importante sobre a economia global e o declínio da posição dos Estados Unidos nela. No caso de você ter perdido, Hirst vendeu 223 trabalhos em uma semana por mais de 200 milhões de dólares, bem acima da estimativa pré-leilão da Sotheby's.
Oliver Barker, o leiloeiro, identificou os russos como maiores compradores. A Sotheby's fez uma pré-venda em Nova Delhi, onde recolheu vários lances antecipados. Jose Mugrabi, negociador de arte de Nova York, disse à minha colega Carol Vogel que Hirst é um "artista global" que pode desafiar "economias locais".
Em vez de local, leia americana.
Sim, meus caros, o dinheiro está em outro lugar. Os asiáticos estiveram poupando em vez de gastar. Os consumidores deles estão em melhor situação, assim como os bancos. A China Investment Corp (CIC), um fundo soberano, está sentado em 200 bilhões de dólares (e 9,9% da Morgan Stanley), enquanto o banco central da China gerencia 1,8 trilhão de dólares em reservas.
E o que temos ouvido destes novos centros de poder e riqueza -- China, Índia, Brasil, Rússia e estados do Golfo Pérsico -- sobre a agonia financeira dos Estados Unidos na semana passada? Nada.
Não é bem assim. Perguntado sobre a crise, Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente do Brasil, disse: "Que crise? Pergunte ao Bush".
Obrigado, Lula. O Brasil está sentado sobre 208 bilhões de dólares de suas próprias reservas, talvez por isso a tirada de corpo do Lula seja justificada. Mas não acho que é.
Lembram-se da última crise financeira em 1988? Com a economia russa em colapso, autoridades de Moscou correram ao Tesouro dos Estados Unidos para assegurar apoio para U$ 17,1 bilhões em empréstimos do Fundo Monetário Internacional. Isso equilibrou as coisas.
O mundo mudou na última década. Tem havido uma constante transferência de riqueza dos Estados Unidos numa mudança que a maioria dos americanos ainda não entendeu. Mas não houve transferência de responsabilidade. Novos poderes estão andando livres como se ainda estivessemos num século americano.
Não é mais. Imaginem se Hu Jintao, o presidente da China, tivesse declarado na semana passada: "A China tem um profundo interesse na estabilidade da economia dos Estados Unidos e no dólar. Estamos prontos para ajudar no retorno essencial da confiança aos mercados financeiros. Conversas com o Tesouro dos Estados Unidos estão em andamento". Ou talvez se os países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) tivessem divulgado um manifesto conjunto.
Que fique claro: esse é um problema americano, forjado pelos gênios americanos com seus inovadores instrumentos financeiros em uma era para a qual o mantra foi de que o governo é toloe os mercados são inteligentes e o risco é não-existente. A responsabilidade de desfazer o debacle é principalmente americana, também.
Mas os papéis tóxicos também foram empurrados por vários bancos estrangeiros. E a decisão de jogar 85 bilhões de dólares de dinheiro do contribuinte americano para resgatar o American Internacional Group (AIG), a seguradora gigantesca, foi tomada depois de vários ministros estrangeiros de finanças fazerem um apelo ao secretário do Tesouro, Henry Paulson, para salvar uma companhia global.
O deputado Barney Frank, democrata de Massachusetts e presidente do Comitê de Serviços Financeiros da Câmara, me disse: "Paulson disse que recebeu chamadas de ministros das finanças de todo o mundo dizendo, você tem que salvar o AIG. Bem, acho que eles também deveriam pedir para contribuir com o pote".
Frank tem um argumento (Ele deveria treinar Barack Obama para traduzir a economia em linguagem acessível). Como ele disse no "Charlie Rose Show", "não penso que o Banco Central Europeu deveria ficar livre para gastar dinheiro do Fed sem colocar algum".
Eu sei, você colhe o que planta. Ninguém está se coçando para ajudar o governo Bush. Os bancos centrais injetaram bilhões num esforço conjunto para ajudar a estabilizar os mercados. Mas os Estados Unidos estão essencialmente sozinhos. Agora bancos estrangeiros com filiais nos Estados Unidos querem uma fatia dos 700 bilhões de dólares do resgate. Isso não faz sentido enquanto o resgate não refletir um mundo globalizado.
Perguntei a Frank porque Paulson e Ben Bernanke, o presidente do Fed, não conseguiram maior apoio estrangeiro: "Acho que é um problema perverso de orgulho", ele disse. "Não pedimos ajuda. Somos a grande figura paterna, forte. Mas sejamos realistas: não somos mais o poder dominante no mundo".
É hora de uma mudança de responsabilidade. Vamos chamar de teste de realidade do Hirst. Se podemos vender picles em formol por alguns milhões enquanto a Lehman vai à falência, talvez seja hora de todos darem uma pequena ajuda quando os Estados Unidos são tungados.
*****
Esta coluna gerou algumas centenas de comentários. Não preciso dizer a vocês que centenas de milhares de internautas estadunidenses estão se esgoleando na internet contra o que consideram um assalto aos cofres públicos para salvar os banqueiros de Wall Street. Reproduzo duas opiniões de estrangeiros na coluna em que o presidente Lula é criticado:
Condoleza Rice rejeitou, de maneira rude, todas as ofertas de ajuda internacional na época do Katrina.
Castro e Arafat doaram sangue no dia seguinte ao 11 de setembro (claramente propaganda oportunista) mas as ofertas de seus países/guetos oprimidos foram ignoradas pela mídia e rejeitadas grosseiramente pelo governo dos Estados Unidos.
Não argumento se o governo deveria ou não ter aceito as ofertas, mas sim deveria melhorar seus esforços diplomáticos.
A diplomacia é, e sempre foi, a maneira de conseguir as coisas. Pelo menos é melhor que o esbulho.
Por sinal, nós brasileiros nos lembramos de quando a Argentina, depois dos anos em que seguiu de perto a doutrina neo-liberal dos Estados Unidos ("relações carnais"), foi abandonada de forma vil em uma das piores falências. O Brasil foi um dos primeiros países a emprestar para eles e a comprar os produtos argentinos. Naturalmente que eles saíram da situação graças às suas qualidades, mas o Brasil estava lá quando precisaram de nós.
Acho que você, como sempre, tocou em pontos relevantes. Mas o artigo é melhor como provocação aos diplomatas dos Estados Unidos, que ainda trabalham mais como valentões internacionais do que como parceiros. Eles deveriam ser parceiros não apenas para serem legais. Mas porque o mundo está cada vez mais interconectado. Todos precisamos uns dos outros.
— Machado, DeLand,FL
Não acredito no que o sr. Cohen escreveu! Você espera que o Brasil e a Índia, países que ainda lutam contra a fome, o analfabetismo e a extrema pobreza ajudem a salvar os executivos famintos de Wall Street?
Se você quer o mesmo tipo de "ajuda" que os Estados Unidos deram à Argentina quando enfrentávamos problemas se prepare para ouvir os conselhos que vocês nos deram em 2001: cortar o orçamento da educação, esquecer as políticas sociais, deixar o povo passar fome; só depois disso vamos ajudá-los a pagar parte da dívida externa. Não acho que isso ajudaria os Estados Unidos mais do que ajudou a Argentina.
Não penso que você gostaria da "ajuda" que os Estados Unidos deram ao Brasil, ao Chile e à Argentina nos anos 70, quando vocês apoiaram ditaduras militares que assumiram o poder para em seguida usar contra seus próprios povos as mesmas técnicas tristes hoje vistas em Guantánamo. Não acredito que o povo dos Estados Unidos aceitaria esse tipo de ajuda.
Tenho muitos amigos norte-americanos e acredito que vocês têm criatividade e resistência para sair desta crise sem ajuda dos sul americanos que vocês ignoraram e desrespeitaram por tanto tempo.
Para o seu futuro e para o futuro do mundo, realmente espero que vocês votem pelo cara certo desta vez. Talvez vocês não sejam o superpoder todo-poderoso, mas ainda terão grande influência no mundo. Se vocês quiserem amizade, por favor não nos peçam para aguentar mais oito anos de valentões que não se preocupam com o resto do planeta.
— Maria, Argentina
Fonte: Vi o Mundo
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