domingo, 5 de julho de 2009

Mulher gosta de apanhar?

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por Leonardo Sakamoto

Duas pesquisas ligadas à violência contra a mulher me chamaram a atenção. As duas coincidentemente envolvendo o continente africano.

A primeira está no blog Viva Mulher. Em uma pesquisa realizada pelo governo da Argélia entre 2006 e 2009, duas entre três mulheres disseram que aceitam que os maridos as violentem. Entre as razões consideradas normais para apanhar estão sair de casa sem avisar ao cônjuge, ser negligente com os filhos, contestar o marido, não cumprir as obrigações sexuais e queimar a comida. Isso mesmo, queimar a comida.

Segundo a pesquisa, a violência doméstica é menos questionada no campo, onde 74,6% consideram-na justa, contra 62,7% das mulheres na zona urbana. Entre os pobres o índice também cresce, chegando a 79,6% de aceitação. O nível de instrução formal é outro fator que muda a percepção sobre o tema: quanto maior a escolarização, menor é a tolerância com os abusos. Segundo o governo, isso explicaria porque 85,7% das mulheres que nunca freqüentaram a escola aceitam a violência doméstica por pelo menos um dos motivos citados no início do texto. Entre as que têm formação universitária, a proporção cai para ainda altos 40,5%.

Esses dados podem parecer um prato cheio para alguns extremistas religiosos (islâmicos, cristãos, judeus…) justificarem a violência de gênero como o cumprimento de um desígnio divino que colocou o homem para governar o mundo e a mulher apenas para lhe fazer companhia. Uma “cultura” moldada ao longo dos séculos por advinha quem? Homens.

Contudo, a pesquisa ressalva que a maioria das mulheres que responderam ao questionário estava casada e que os resultados se alteraram quando se tratava de solteiras, divorciadas ou viúvas.

A partir disso, o blog Viva Mulher faz um questionamento interessante: “Quiçá, as comprometidas não estavam sozinhas quando participaram da enquete. Afinal, se elas não podem ir até o mercado sem avisar, imagine falar com o governo. Me pergunto qual seria o resultado real se elas dissessem o que pensam de verdade, sem pressões sociais e, principalmente, familiares. Eu duvido, do fundo da minha alma, que qualquer um minimamente equilibrado goste de apanhar”.

Outro fato alarmante, divulgado pela mídia na última semana, foi uma pesquisa da Medical Research Foundation apontando que um em cada quatro homens já cometeu estupro na África do Sul. E a imensa maioria destes (73%) antes de completar 20 anos. Mais da metade admitiu também ter praticado a violência sexual mais de uma vez. A pesquisa foi realizada em apenas duas das nove províncias do país, exatamente as mais violentas, o que pode provocar uma distorção. Contudo, de qualquer maneira, isso mostra que a vida das mulheres nessas províncias deve ser algo próximo do inferno.

Os responsáveis pela pesquisa disseram que o resultado era esperado por conta da já conhecida incidência de estupros no país. Segundo eles, durante séculos, os homens sul-africanos têm convivido socialmente com formas de masculinidade que privilegiam a idéia da força bruta, que seria usada tanto para controlar as mulheres como para dominar outros homens.

A sede da Copa do Mundo tem uma das mais altas taxas de pessoas com HIV no planeta. Fato que somado à verificada repulsa pelo uso de preservativo por lá, torna-se uma bomba. Mas o monopólio da ignorância não pertence a um só povo, é claro, uma vez que o uso da camisinha é condenado por líderes religiosos. Para esses mortos por AIDS, como ironizaria o violento e bizarro Capitão Nacimento, do filme Tropa de Elite, a conta do papa…

Uma pesquisa do Ibope de tempos atrás mostrou que 42% das mulheres vítimas de violência contra no Brasil não costuma procurar apoio ou denunciar seus agressores.

Em 1983, o ex-marido de Maria da Penha - o covarde Marco Antônio Herredia Viveiros - atirou nas costas da esposa e depois tentou eletrocultá-la. Não conseguiu matá-la, mas a deixou paraplégica. Muitos anos de impunidade depois, ele pegou seis anos de prisão, mas ficou pouco tempo atrás das grades.
A sua busca por justiça tornou-a símbolo da luta contra a violência doméstica. Em agosto de 2006, foi sancionada a lei 11.340, a Lei Maria da Penha, para ajudar no combate à violência doméstica. Ainda assim, há juízes e policiais que cismam em não aplicá-la, arquivando casos e deixando a justiça naufragar em nossa sociedade patriarcal e machista.

Enquanto isso, cantar que um “tapinha não dói” tornou-se hit cult.

O que me lembra um velho e sábio ditado feminista: todo o homem é inimigo, a menos que tenha sido educado para o contrário. Aqui, lá, em qualquer lugar.

Fonte: blog do Sakamoto

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