Plano Real, 15 anos
A combinação entre câmbio valorizado e juros altos, mantida a ferro e fogo, lançou a economia numa trajetória de crescimento medíocre.
Por Luiz Gonzaga Belluzzo
Em sua concepção essencial, o Plano Real seguiu o método básico utilizado para dar fim à maioria das “grandes inflações” do século XX: recuperação da confiança na moeda nacional pela garantia de seu valor externo. A “âncora” foi, como é amplamente reconhecido, a estabilização da taxa de câmbio nominal, garantida por financiamento em moeda estrangeira e/ou por um montante de reservas capaz de desestimular a especulação contra a paridade escolhida. Isso foi possível graças à deflação da riqueza mobiliária e imobiliária observada já no fim de 1989 nos mercados globalizados. A recessão americana, que se prolongou até meados de 1992, e o “estouro” da bolha especulativa japonesa foram fatores que exigiram grande lassidão das políticas monetárias. O propósito era tornar possível a digestão dos desequilíbrios correntes e do balanço patrimonial de empresas, bancos e famílias, atingidos pelo colapso do exuberante surto de valorização de ativos que se seguiu à intervenção salvadora de 1987.
No momento da reforma monetária, as reservas brasileiras eram superiores a 40 bilhões de dólares, correspondente a dezoito meses de importação, mais do que suficiente para amparar a fixação do câmbio como instrumento da política de estabilização. A partir daí, até a crise de 1998/1999, as reservas chegariam a quase o dobro do último valor, sustentando e renovando a aposta na ancoragem cambial. No momento do Plano, o superávit comercial era de 13,3 bilhões de dólares e o déficit em transações correntes, de apenas 592 milhões de dólares.
Na partida do Real, a situação financeira do setor público brasileiro era invejável, uma vantagem com que nenhum dos planos anteriores pôde contar. Portanto, o ajuste fiscal e de endividamento público foi feito antes. Em 1993, os resultados primário e operacional eram superavitários e a dívida líquida total e mobiliária, modesta em proporção ao PIB.
Os responsáveis pelo programa de estabilização brasileiro escolheram um regime de conversibilidade limitada, com taxa de câmbio semifixa. Nos primeiros meses do programa, as autoridades permitiram uma forte valorização da taxa nominal de câmbio, visando a uma convergência mais rápida entre a taxa de inflação doméstica e a que prevalecia nos Estados Unidos, o que de fato ocorreu. Após uma aceleração inflacionária motivada pela “corrida” de reajustes para chegar “alinhado” no momento da anunciada conversão à nova moeda, a inflação despenca em julho de 1994, chegando a registrar em dezembro menos de 1% no índice geral de preços.
No entanto, a mesma valorização cambial que amparou a desinflação rápida ampliou o componente que, na formação da taxa de juros, se correlaciona com a expectativa de desvalorização do câmbio. O governo procurou regular essa expectativa definindo uma política de ajuste gradual da taxa de câmbio, o que acabou por consolidar na formação da taxa de juros o nível nominal aproximado de 7% ao ano, valor correspondente à desvalorização projetada do câmbio. A taxa de juros básica passou a ter um piso formado pela agregação da expectativa de desvalorização à taxa de juros internacional (como a taxa norte-americana, em torno de 6%) e ao spread de risco cobrado a tomadores do País ( o “risco Brasil”), o que totalizava algo como 22% ao ano.
A combinação entre câmbio valorizado e juros altos, mantida a ferro e fogo, lançou a economia brasileira numa trajetória de crescimento medíocre. O crescimento lento ainda sofreria fortes oscilações provocadas por uma sucessão de crises que se abateram sobre as economias “emergentes”. A estabilização foi acompanhada de um crescimento bastante rápido do passivo externo da economia, além da expansão vertiginosa da dívida pública.
Em 1998, após a crise da Rússia e depois do acordo formalizado com o FMI em dezembro, os mercados financeiros externos e internos deram mostras de inconformidade com a situação no Brasil. Já era generalizada a percepção de que o regime cambial e monetário gerava endogenamente um déficit externo não financiável – 4,4% do PIB em 1998 –, e um desequilíbrio público de 8% do PIB, no conceito nominal. A massa de ativos financeiros domésticos líquidos, inflados pela elevada taxa interna de juros, crescia rapidamente até atingir um nível perigoso em relação ao volume de reservas externas. No auge da crise, as reservas foram consumidas pelos detentores de riqueza que buscavam converter seus haveres líquidos em moeda estrangeira.
Fonte: Carta Capital
::
Nenhum comentário:
Postar um comentário