terça-feira, 21 de abril de 2009

O Maranhão em tempo de feudalismo: a volta da suserana

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A lição que fica é: o Poder Judiciário não é apolítico

por FATIMA OLIVEIRA
Médica
fatimaoliveira@ig.com.br


O que aconteceu no Maranhão? A materialização do infinito mimetismo camaleônico do clã Sarney, responsável pelas mazelas e indigência do Maranhão há 43 anos, que quando não ganha a eleição leva o governo! Indago: no Maranhão vige o feudalismo? Uma amiga disse: menos Fátima, menos! É uma reles capitania hereditária. O patriarca foi governador (1966) e a filha é governadora pela terceira vez - duas no voto (1994 e 1998) e agora no tapetão do Tribunal Superior Eleitoral (2009). Brizola vivo diria, com razão, que o Maranhão é um Estado sem sorte!

Conheço o clã Sarney e Jackson Lago. Quando este foi eleito, declarei: "Tenho a honra de jamais ter votado num Sarney. A tarefa de Jackson Lago é melhorar os indicadores do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M): educação: alfabetização e taxa de matrícula; saúde: esperança de vida ao nascer; e renda: PIB per capita. Não será fácil. Mas precisa ser possível. O IDH-M maranhense é o mais baixo do país: 0,543. Revela a miséria absoluta resultante do poder oligárquico dos Sarney - que por 40 anos elegeu todos os governadores, inclusive o atual" ("A senzala falou e disse", O TEMPO, 1º.11.2006).

Fui aluna de Jackson Lago na Faculdade de Medicina da UFMA (1973-1978). Era professor de técnica cirúrgica. Sou mais cerebral que manual e detestava fazer suturas. Porém, o mestre era paciente e observador. Quem tentava se isolar da prática de suturar, ele, como por acaso, chamava pelo nome e ensinava "n" vezes... Era incansável. Sou eleitora mineira, mas divulguei na Internet "Depoimento de uma ex-aluna sobre Jackson Lago".

Eis um trecho: "Era um professor diferente, sempre disposto a conversar sobre a vida social e política do nosso tempo. Era encantador naqueles tempos de chumbo (ditadura militar). Mesmo ministrando uma disciplina excessivamente técnica, era de uma sensibilidade social que nos deixava babando. Se arriscava a falar de política! Era um dos raros professores que tratava seus alunos de igual para igual. Professores assim a gente nunca esquece. Ficam em nossos corações e viram lendas".

Entregar o Maranhão a quem perdeu a eleição extrapola a injustiça: é crueldade, pois transforma em vassalo um povo que sofre há meio século

A sessão do TSE que cassou o governador Jackson Lago foi um pesadelo nauseabundo que exibiu como é simples detonar processos democráticos sob o manto das filigranas da lei! Relembro que o patriarca é especialista em convencer a corte do TSE da ilegitimidade de eleições ganhas no voto! Por dias, a imagem de um ministro martelava meu cérebro, dado o ar de enfado e de escárnio quando se referia ao governador e ao ar angelical quando citava a derrotada por Jackson Lago. Senti que eram favas contadas e que estava dado o veredicto. Quando operadores da Justiça desconsideram os contextos e as entrelinhas das alegações - a história de vida e a prática política da vítima e de quem acusa -, não raro se equivocam.

Bastam dois neurônios normais e desapaixonados para perceber que entregar o governo do Maranhão a quem perdeu a eleição extrapola a injustiça: é ato de crueldade, pois transforma em vassalo um povo que sofre há quase meio século sob a batuta do clã Sarney, cuja imagem mais emblemática é a foto de um cidadão que dedicou sua vida à luta democrática, em cumprimento de mandato outorgado pelo povo, sendo escorraçado do Palácio dos Leões como se fosse um bandido. A lição que fica é: o Poder Judiciário não é apolítico. A luta continua, já que, como diz o nosso hino, "A liberdade é o sol que nos dá vida" (...) "Maranhão, Maranhão, berço de heróis..." Jackson Lago é um deles.

Publicado em "O Tempo" - 21/04/2009

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