terça-feira, 28 de abril de 2009

Para superar preconceitos, jovens da periferia gastam mais com aparência

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Por Paulo Roberto Andrade, da Agência USP

Apesar dos poucos recursos, os jovens da periferia gastam seu dinheiro principalmente em cuidados com a aparência. A escolha é uma tentativa de fugir dos preconceitos que sofrem e serem aceitos pelo seu grupo social e pela sociedade. A cientista social Paula Nascimento da Silva pesquisou o tema em seu mestrado, concluído em 2008, pela Faculdade de Educação (FE) da USP como bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Paula estudou o Grupo de Assistência Social Bom Caminho, na periferia da Zona Oeste de São Paulo. A instituição trabalha com cerca de 160 jovens da comunidade, discutindo educação, família, saúde, violência e outros temas. “Eu entrei na instituição como voluntária e, durante quatro anos, além das atividades sociais, realizei entrevistas e questionários, com jovens de 13 a 21 anos, sobre consumo e assuntos relacionados”, conta.

O objetivo da pesquisa foi identificar quais bens de consumo eram privilegiados por esses jovens e o porquê. Pelas entrevistas, Paula constatou que os jovens privilegiam o vestuário e objetos que compõem a aparência pessoal, como tênis, roupas, produtos de cabelo, cosméticos, etc.. Uma das perguntas realizadas foi o que o jovem compraria se tivesse R$ 500 à mão naquele momento. Apesar de aparecerem respostas como ajudar a família, as contas da casa ou comprar alimentos, predominaram os gastos com a aparência.

Falta de emprego

Diferentemente do jovem de classe média e alta, que não tem grandes dificuldades para conseguir trabalho ou estágios, o jovem da periferia geralmente não tem emprego formal, a maioria faz bicos eventuais. Com o tráfico e outras atividades ilegais — sempre mais presentes que para outros grupos sociais — eles podem ganhar mais dinheiro em bem menos tempo. “A questão que eu levantei foi: porque esses jovens arriscam a vida para ganhar dinheiro e gastam com coisas aparentemente supérfluas, como tênis de marca, roupas, festas e baladas?”, questiona a pesquisadora.

A resposta é que esses jovens especificamente são estigmatizados como marginais, que não trabalham. Há assim um preconceito muito forte da sociedade em geral, mas se ignora que eles têm uma vitimização muito maior que em outros setores e faixas etárias da sociedade. Por exemplo, o Brasil tem uma taxa de homicídios violentos de cerca 48 casos para cada 1.000 mortes na população geral. Na periferia de São Paulo, entre os jovens do sexo masculino, essa taxa sobe para 106 casos.

A pesquisa de campo mostrou que, quando os jovens saem da periferia, eles sofrem esse olhar de discriminação. “Um exemplo típico é quando ele vai ao shopping e o segurança o aborda perguntando o que ele está fazendo ali”, explica Paula, “pensando nisso, percebi que o consumo está diretamente ligado ao preconceito”. A tentativa em mudar a aparência é também uma tentativa de fugir desse estigma negativo que existe em relação ao jovem da periferia.

Assim, a pergunta inicial está respondida: porque o jovem privilegia bens de consumo aparentemente desnecessários? A pesquisa mostrou que vestuário e aparência não são gastos supérfluos para o jovem da periferia, muito pelo contrário. “Como eles são excluídos pela sociedade, vivendo sem segurança, saúde e educação, as possibilidades de construir um futuro estão muito distantes. Nesse contexto, o consumo ligado à aparência traz resultados mais rápidos e evidentes”, explica a pesquisadora.

Alternativas à exclusão

Ao invés de construir uma formação, o jovem, para fugir dos estereótipos e ser aceito em seu próprio grupo, tenta aparentar algo mais próximo do que a sociedade aceita e valoriza. Paula esclarece que “o jovem nessa faixa etária tem fragilidade e a necessidade de reconhecimento e aceitação. E esse reconhecimento se dá pelo que o jovem tem materialmente, pois vivemos numa sociedade de consumo”.

Segundo a socióloga, falta ao poder público não apenas conscientizar esse jovem, para que ele use seus poucos recursos em algo mais necessário e construtivo, mas, principalmente construir melhores condições de educação, saúde, alimentação e moradia. A sociedade exige que ele esteja inserido nesse imperativo social, e seria insensato exigir que o jovem da periferia nade contra a corrente da sociedade de consumo e ainda vença os muitos preconceitos que sofre.

Fonte: Envolverde/Agência USP de Notícias

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