Dinheiro fácilO colunista Paul Krugman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, explica a contradição do lucro recente das bolsas e dos bancos em comparação com a crise. "Não há mais qualquer razão para acreditar que os magos de Wall Street realmente contribuem de alguma forma para a sociedade", diz Krugman.
por Paul Krugman
Do New York Times
Em 15 de julho de 2007, o New York Times publicou um artigo intitulado "O Mais Rico dos Ricos, Orgulhoso da Nova Era Dourada". O mais proeminente dos "novos titãs" era Sanford Weill, o ex-presidente do Citigroup, que insistia em dizer que ele e seus colegas do setor financeiro haviam acumulado sua riqueza descomunal através de suas contribuições à sociedade.
Logo depois da publicação do artigo, a estrutura financeira que Weill dizia ter ajudado a construir ruiu, deixando sequelas terríveis. Mesmo que possamos evitar outra Grande Depressão, a economia mundial levará anos para se recuperar desta crise.
Tudo isto explica porque devemos ficar incomodados com o artigo do Sunday Times, dizendo que o pagamento aos bancos de investimentos está aumentando novamente a níveis semelhantes aos de 2007 - depois da queda brusca no ano passado.
Por que isto é perturbador? Por várias razões.
Primeiramente, não há mais qualquer razão para acreditar que os magos de Wall Street realmente contribuem de alguma forma para a sociedade, menos ainda que justifique aqueles salários vultosos.
Não esqueça que aquela Wall Street de conto de fadas de 2007 era um fenômeno relativamente novo. Da década de 1930 até aproximadamente os anos 1980, os bancos eram um negócio engessado, um tanto previsível, que, em média, não pagava mais do que outras indústrias, ainda que mantivessem a economia funcionando.
Então por que alguns banqueiros começaram a fazer fortunas de uma hora para a outra? Diziam-nos que era uma recompensa pela criatividade deles - por sua inovação financeira. Só que no ponto em que estamos, é difícil lembrar de alguma inovação financeira recente que realmente tenha ajudado a sociedade, além de métodos recauchutados de fazer bolhas, desviar de regulamentações e implementar esquemas Ponzi.
Pense no discurso recentemente dado por Ben Bernanke, presidente da Reserva Federal americana, no qual ele tentou defender a inovação financeira. Seus exemplos de "boas" inovações financeiras eram (1) cartões de crédito - que não são exatamente uma boa idéia, (2) o cheque especial e (3) as hipotecas subprime. (Juro que não estou brincando.) Foi por estas coisas que os banqueiros receberam aquela fortuna?
Ainda assim, pode-se dizer que temos uma economia de livre mercado, e cabe ao setor privado decidir quanto valem seus funcionários. Mas isto nos trás ao segundo argumento: Wall Street já não faz mais parte do setor privado, no real sentido da palavra. É uma ala do estado, tão dependente do governo quanto os usuários Assistência Temporária às Famílias Necessitadas, também conhecida como "assistência social".
E eu não estou só falando dos US$ 600 bilhões já comprometidos para o programa de proteção TARP. Há também as vastas linhas de créditos fornecidas pela Reserva Federal, as altas quantias financiadas pelos Bancos Federais de Empréstimos Imobiliários, os pagamentos dos contratos da AIG financiados pelo contribuinte, a larga expansão das garantias da FDIC (a agência federal que cobre os empréstimos bancários) e, de forma mais ampla, o apoio implícito concedido a todas as empresas financeiras consideradas muito grandes ou muito estratégicas para serem perdidas.
Pode-se até dizer que é necessário resgatar Wall Street para proteger a economia como um todo - e eu até concordo. Mas em respeito a todo o dinheiro do contribuinte que está em jogo, as empresas financeiras deviam agir como uma companhia de serviço público e não voltar aos salários de 2007.
Além disso, pagar quantias enormes aos inescrupulosos não é apenas vergonhoso, mas perigoso. Por que, afinal, os banqueiros se arriscaram tanto? Porque o sucesso - ou até mesmo um sucesso temporário aparente - oferecia recompensas gigantescas: Até os executivos que acabaram com suas empresas podiam sair com centenas de milhões, como de fato fizeram. Agora estamos vendo recompensas semelhantes sendo oferecidas a pessoas que têm a permissão de fazer seus jogos perigosos com o apoio federal. O que está acontecendo então? Por que os salários voltaram a ser estratosféricos? A justificativa de que as empresas precisam pagar estes salários para manter seus melhores funcionários não é plausível: Com o mercado financeiro sem muitas vagas de emprego, para onde iria esta gente toda?
Não, a verdadeira razão pela qual as empresas estão pagando salários tão altos é simplesmente porque elas podem. Eles estão ganhando dinheiro de novo (apesar de não tanto quanto dizem), então por que não? Afinal de contas, eles podem pegar empréstimos baratos, graças a todas as garantias federais, e emprestar a juros muito mais altos. Então é hora de comer, beber e regozijar, porque amanhã podem começar a fiscalizar.
Ou não. Há uma sensação palpável na imprensa financeira de que a tempestade passou: As ações estão em alta, a queda da economia parece ter diminuído e a administração Obama vai provavelmente punir os banqueiros com meros discursos disciplinadores. Certo ou errado, os banqueiros parecem pensar que uma volta à normalidade está prestes a se estabelecer.
Só nos resta esperar que nossos líderes provem o contrário e implementem uma reforma verdadeira. Em 2008, os banqueiros com salários milionários fizeram jogadas arriscadas com o dinheiro do povo e colocaram a economia mundial à beira de um colapso. A última coisa que precisamos agora é dar a eles a chance de fazer isto de novo.
*Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.
Fonte: Terra Magazine
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