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Há uma ruptura calculada com o passado, bem menor do que gostariam os que acreditaram que ele iria mais longe. É possível que ele ainda vá um pouco mais a frente. Contudo, isto irá depender das pressões que o novo presidente terá que enfrentar dentro e fora do seu país.
por Luís Carlos Lopes
O estilo de Obama vem assustando os falcões da política norte-americana, velhos adeptos da diplomacia do big stick (porrete). A nova situação não deveria impressionar tanto. Afinal de contas, não há nada, além dos aviões de carreira e da gripe suína, que indique o fim da hegemonia dos EUA. Este país continua sendo o mais rico do mundo e o que tem maior quantidade de negócios instalados ao redor do globo terrestre. Sua posição não está em cheque. O único país que poderia de fato ameaçar o poderio de lá – a URSS – nem mais existe. O OTAN, criada no contexto da guerra fria, para garantir a adesão político-militar européia aos EUA, sairá ainda mais forte com as gestões do novo governo.
O poder da China está longe de significar ameaças concretas à supremacia política, econômica e militar dos EUA, somada às dos países aliados mais próximos. Não existem fissuras importantes, como se viu, recentemente, na reunião do G20. A oposição iraniana, bem como a coreana, está longe de consistir em problemas que vão muito além de suas fronteiras mais próximas. A recente reunião de Obama com os mandatários latino-americanos, com a lamentável não inclusão direta de Cuba, prova que se está muito longe das décadas de 1960, 1970 e 1980, quando parecia eminente um choque ainda maior dos EUA com os projetos revolucionários da América Latina.
O foco discursivo continua sendo o do perigo ‘terrorista’, algo difuso e relacionado ao potencial anárquico do fundamentalismo islâmico, comprovado nos atentados em Nova York, Madri e Londres, dentre outros. Parece que Obama não quer estimular o ódio ao Islã, querendo encontrar um meio de dissuasão dos mais radicais para além da simples repressão policial-militar. Não acredita em “choque de civilizações” e quer convencer que é possível negociar. Um dos seus passos nesta direção foi o da proposta de aceitação da Turquia – antigo aliado dos EUA – na Comunidade Européia, sob os protestos velados dos atuais governos da Alemanha e da França. Suas posições em relação ao conflito palestino-israelense ainda não estão claramente definidas e portam traços de ambiguidade. Ao que parece, seu governo deseja acenar para os dois lados e servir de árbitro entre David e Golias. Isto, sem abandonar Israel, antigo aliado dos EUA, à sua própria sorte. Trocando miúdos, quer se convencer Israel a aceitar o Estado palestino e a este considerar como natural sua situação de inferioridade e submissão.
A atual crise econômica internacional, que começou nos EUA, foi capaz de eleger Obama e está enterrando o que resta da era Bush. Um dos resultados mais impressionantes disto é a denúncia dos abusos, da tortura e da conspiração. Sob o arrepio das direitas de lá, o governo Obama fez justiça ao que todo o mundo civilizado já sabia. É bom lembrar que o presidente, ao mesmo tempo, diz que isto teria sido necessário à proteção do Estado e do povo estadunidense. Condena o que foi feito, dizendo que era necessário fazer, em um brilhante exercício de retórica clássica, digna de um Górgias.
Há, portanto, uma ruptura calculada com o passado, bem menor do que gostariam os que acreditaram que ele iria mais longe. É possível que ele ainda vá um pouco mais a frente. Contudo, isto irá depender das pressões que o novo presidente terá que enfrentar dentro e fora do seu país. Os limites impostos a ele são os de Estado e os do contexto histórico presente, os mesmos que qualquer outro enfrentaria em seu lugar. Suas escolhas, nos limites possíveis de suas ações, estão fazendo a diferença.
Vendo os EUA de fora para dentro é possível constatar que a grave crise econômica, ainda em processo, não foi capaz de produzir, ainda, uma alternativa política e mesmo teórica às bases das relações internacionais, tais como foram solidificadas após a Segunda Guerra. O mundo não será a mesma coisa, porém, também não será muito diferente do que está estabelecido desde meados do século XX e do que foi refundado com o fim do socialismo realmente existente, a partir de 1989. Urge propor soluções para além do sempre se fez pelo mundo afora. Lutar por alternativas significa dar sentido à existência, para além da repetição e da falta de inteligência.
Um dos possíveis significados da era Obama é o retorno da política ‘ateniense’, no sentido da valorização da palavra (diálogo) e dos acordos honrados por efeito dela. A truculência ‘espartana’ do governo anterior, bem como de outros, perdeu sentido, com atraso de duas décadas. A guerra fria, mesmo com a mudança de alvos e inimigos, deixou de ser o epicentro de tudo. Entretanto, continuará presente principalmente no Oriente, rico em petróleo e outros produtos essenciais ao mundo de hoje, além do problema dos objetivos estratégicos em pauta. Dentre eles, a dificuldade de se aceitar a política externa norte-americana sem reclamar.
A fala do novo presidente norte-americano vem significando o surgimento de um novo sentido, ainda bastante retórico, porém aberto às conformações argumentativas, capaz de ceder em alguns pontos. Trata-se de um momento ímpar que pode ser aproveitado para se quebrar tabus e se discutir os interesses e problemas internos de cada país, onde se encastelam as questões mais graves e longínquas do cenário internacional, paradoxalmente, refletindo-se com força no mesmo.
*Luís Carlos Lopes é professor.
Fonte: Carta Maior
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